Alexandre Ramagem fez, enquanto chefe do órgão de inteligência,
importantes ponderações sobre o caminho que a defesa do senador Flávio
Bolsonaro deveria seguir para aventar nulidades no inquérito das 'rachadinhas'.
No centro do inquérito sobre a estrutura paralela
montada na Agência Brasileira de Inteligência, o delegado de Polícia Federal
Alexandre Ramagem fez, enquanto chefe do órgão de inteligência, importantes
ponderações sobre o caminho que a defesa do senador Flávio Bolsonaro deveria
seguir para aventar nulidades no inquérito das 'rachadinhas'. A Polícia Federal investiga, desde
fases anteriores da investigação, se a 'Abin paralela' apoiou a defesa de
Flávio e do filho 04 de Bolsonaro, Jair Renan. As indicações de Ramagem sobre a
defesa de Flávio constam de áudio de uma reunião da qual Ramagem participou,
junto ao ex-chefe do Executivo e do então ministro-chefe do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, com as advogadas do
filho 01 de Bolsonaro. A gravação de uma hora e oito minutos revela as dicas
que Ramagem deu para que as advogadas pudessem questionar a conduta dos
auditores responsáveis pelo documento que colocou Flávio na mira dos
investigadores. Eles elaboraram o RIF que deu origem ao inquérito das
'rachadinhas' ao apontar movimentações suspeitas do ex-assessor Fabrício
Queiroz. Em nota, a advogada Luciana Pires disse que sua atuação na reunião
"se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico".
Ramagem disse que Bolsonaro sabia da gravação e que o ex-presidente
"sempre se manifestou que não queria jeitinho e muito menos tráfico de
influência". Sobre a divulgação do áudio, Flávio Bolsonaro disse que a
"montanha pariu um rato". A defesa de Bolsonaro disse que a conversa
"só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo". A
primeira intervenção de Ramagem ocorreu quase na metade da reunião, aos 27
minutos. O encontro se deu um mês após a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz
- peça-chave no inquérito das rachadinhas. A gravação, encontrada no celular de
Ramagem, foi tornada pública nesta segunda-feira, 15. A gravação mostra que
Ramagem, depois de ouvir algumas estratégias que as advogadas de Flávio
pretendiam adotar - um pedido direto ao GSI ou Reclamação no Supremo Tribunal
Federal -, apontou qual seria "o caminho correto de averiguar uma possível
vulnerabilidade" no inquérito. "O que circula realmente é a
promiscuidade entre MP e Receita, desde o começo. Nenhuma novidade. Que bate na
questão do e-mail que já é sempre levantado com a quebra do sigilo bancário.
Isso é bastante robusto. Qualquer que seja um ministro do STF, ele vai abraçar
essa causa. Nessa questão abraça sim", garantiu. A defesa de Flávio chegou
a indicar que o senador não queria percorrer tal caminho. "Ele acha
temerário." Ramagem respondeu: "Calma, calma. Não, neste momento é
questão política." O então chefe da Abin alegou que "três ministros
do STF já tiveram esse problema com a Receita no nível local, o próprio Gilmar
Mendes". Um ano e alguns meses depois da reunião, a Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal atendeu um pedido da defesa de Flávio e anulou quatro
relatórios de inteligência financeira e as provas levantadas a partir deles,
incluindo dados da quebra de sigilo do senador. O colegiado anulou os
documentos produzidos com base em pedidos específicos do MP e sem supervisão
judicial. Gravação de uma hora e oito minutos foi apreendida pela PF na
Operação Última Milha, que desmontou a 'Abin paralela' Ainda na reunião
realizada em 2020, o hoje deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio,
Ramagem explicou, em sua avaliação, porque o caminho do GSI não "seria o
mais correto". "Porque são dados diferentes, de inteligência, dados
ordinais. Nós estamos numa celeuma. A inteligência está sendo atacada, o STF
não está em um bom momento para isso. Esses são dados fiscais e bancários que
eles vão colocar como sigilo. Então o GSI não vai ter acesso, por uma barreira
do próprio Ministério da Economia. O próprio ministro Paulo Guedes (então
ministro da Economia de Bolsonaro) não vai poder estar do lado", disse. Ainda
segundo Ramagem, se a defesa de Flávio acionasse o GSI, Heleno seria
"crucificado", como "pessoalidade em prol" do senador.
"Acredito que não seja o melhor caminho, mesmo com previsão legal. Nesses
juízos de exceção que está tendo no STF agora a previsão legal não quer dizer
nada." As advogadas alegaram a Ramagem que o ministro Gilmar Mendes seria
"intimamente ligado ao chefe da Receita". A resposta do chefe da Abin
foi a de que seria necessário "perquerer o lado bastante robusto". A
intenção das advogadas era que o Serviço Federal de Processamento de Dados
(Serpro) produzisse "provas" da suposta devassa ilícita na vida de
Flávio. Ramagem alertou que o Serpro não forneceria os dados, protegidos por
sigilo fiscal e bancário. "Eu estou querendo te ajudar no caminho, pelo
critério que vocês estão no caminho de demonstrar uma nulidade indevida que
esse é o ponto nodal da questão", disse. Ramagem então travou com as
advogadas de Flávio o seguinte diálogo: ALEXANDRE RAMAGEM: "Estou
querendo colocar que vai acionar o Ministério palaciano, para fazer uma
provocação de uma questão concreta judicial, em cima do Flávio, que não vai ter
sucesso" JULIANA BIERREMBACH: "Você acha?"
RAMAGEM: "Tenho certeza" JULIANA: "Você
acha que a apuração especial do Serpro não vai constar?" RAMAGEM: "Porque
a inteligência, o GSI, não pode ter acesso a esses dados. De quebra de sigilo
bancário e fiscal da Receita. Tem que vir de dentro da Receita, no
Serpro". O áudio apreendido na Operação Última Milha contém ainda um
diálogo de Ramagem com as advogadas após o final da reunião. Durante o
encontro, o ex-presidente Jair Bolsonaro sugeriu uma conversa com Tostes e com
uma pessoa que, segundo ele, seria chefe do Serpro. Na realidade, o ex-chefe do
Executivo acabou fazendo referência ao então presidente da Dataprev, Gustavo
Canuto. O ex-chefe da Abin diz que está "acompanhando bem o trabalho"
e que a defesa de Flávio "tem alguns caminhos para acertar, para sair
bem". "Eu acredito que a melhor saída é dentro da Receita, pegando
sério. Com uma apuração que não tem como voltar atrás. É uma apuração
administrativa que se travar, judicializa. Tem que ser lá de dentro",
orientou. Ramagem segue: "Não pode ser do agente político, ministro da
Economia, tem que ser na Receita, mostrando que tem uma notícia para ele, para
ele botar para baixo." Depois, o ex-diretor da Abin diz que "compensa
conversar" com o Canuto e que seria "mais importante" falar com
a Receita. "Eu vou falar, também. Pedir autorização para falar". No
dia seguinte à reunião, as advogadas de Flávio tiveram uma reunião com Tostes. Ramagem
também aborda a questão do foro de Flávio Bolsonaro. "E a questão do foro
dele, você não trava no STF?", questionou a uma das advogadas. Ela
responde: "Só se eles inovarem e inventarem." Ramagem completa:
"Não tem hierarquia de cargo legislativo, certo? Pô, mas dá para se
atribuir que, para chegar a senador é muito mais difícil." Meses depois, o
Supremo decidiu que deputados federais e senadores mantêm a prerrogativa de
foro privilegiado, mesmo nos casos de investigações que digam respeito a
mandato anterior - mandato cruzado. Ao final do áudio, Ramagem frisa: "O
que eu acredito é que você tem que construir o caminho, porque é contundente o
que vocês estão trazendo. E de chegar na rede correta, no lugar correto,
sabendo que vai chegar para poder dar a decisão. E, administrativamente, acho
que dentro lá da Receita, acho que é o caminho." A advogada Luciana Pires
observa que o caminho "tem que ser processual", vez que
"materialmente a história é muito ruim". Segundo ela, entrar no
mérito, "se fez, não fez", não é bom. Ramagem completa:
"Entraram no administrativo para conseguir depois entrar em
jurídico." COM A PALAVRA, A ADVOGADA LUCIANA PIRES Em
relação à reunião que tive com o ex-Presidente da República, esclareço que
estava na condição de advogada do seu filho, Senador da República. Toda a minha
atuação no episódio se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo
jurídico. Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos
órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos
dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento,
impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela
ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso." Foi, portanto, uma reunião
de cunho profissional na qual agi de acordo com as normas que regem a minha
profissão. COM A PALAVRA, ALEXANDRE RAMAGEM Em vídeo
divulgado em suas redes sociais, Alexandre Ramagem disse que Bolsonaro sabia
que estava sendo gravado e que havia o aval do então presidente. "Essa
gravação não foi clandestina". Ele disse ainda que o áudio da conversa
depois recuperada em seu celular foi descartado. "O presidente sempre se
manifestou que não queria jeitinho. Muito menos tráfico de influência." Após
a abertura da quarta fase da Operação Última Milha, Ramagem escreveu nas redes:
Após as informações da última operação da PF, fica claro que desprezam os
fins de uma investigação, apenas para levar à imprensa ilações e rasas
conjecturas. O tal do sistema first mile, que outras 30 instituições
também adquiriam, parece ter ficado de lado. A aquisição foi regular,
com parecer da AGU, e nossa gestão foi a única a fazer os controles devidos,
exonerando servidores e encaminhando possível desvio de uso para corregedoria.
A PF quer, mas não há como vincular o uso da ferramenta pela direção-geral da
Abin. Trazem lista de autoridades judiciais e legislativas para criar
alvoroço. Dizem monitoradas, mas na verdade não. Não se encontram em first mile
ou interceptação alguma. Estão em conversas de whatsapp, informações alheias,
impressões pessoais de outros investigados, mas nunca em relatório oficial
contrário à legalidade. Não há interferência ou influência em processo
vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em
instância judicial. A PGR não foi favorável às prisões da operação,
mas a Justiça desconsiderou a manifestação. Há menção de áudio que só
reforça defesa do devido processo, apuração administrativa, providência
prevista em lei para qualquer caso de desvio de conduta funcional. Houve
finalmente indicação de que serei ouvido na PF, a fim de buscar instrução
devida e desconstrução de toda e qualquer narrativa. No Brasil, nunca
será fácil uma pré-campanha da nossa oposição. Continuamos no objetivo de
legitimamente mudar para melhor a cidade do Rio de Janeiro. Leia Também: 'Montanha
pariu um rato', diz Flávio Bolsonaro sobre áudio de reunião de Bolsonaro e
Ramagem ( Fonte Politica ao Minuto Noticias )