Foi dono de farmácia (por um bom tempo) e político e era escritor-pesquisador. Ele escreveu talvez o melhor livro sobre a história de Porangatu.
O ex-prefeito de Porangatu João
Gonçalves dos Reis morreu na terça-feira, 10, em Uruaçu, aos 97 anos. Estava
internado há 14 dias e teve uma parada cardiorespiratória, informou ao Jornal Opção seu filho
Carlos Rosemberg, ex-deputado estadual. Diz-se:
João Gonçalves era um grande político. Era mesmo. Acima de tudo, era um grande
homem. Nunca governou para si, para ampliar o poder pessoal. Joãozinho da
Farmácia, como era conhecido em tempos idos, era um humanista, que, na
política, indicava que o poder não seu, e sim do povo. Era popular, e não
populista. Não era um indivíduo que cultivava rancores. Pelo contrário, era um
ser do amor e da paz. Homem público dos mais raros, João Gonçalves era de uma
decência rara. Um homem e político de uma pureza extraordinária. Tinha uma
delicadeza no trato que impressionava e cativava. Um homem do bem e de bem.
Mesmo antes de falecer, já estava na galeria dos homens que contribuíram para
melhorar Porangatu para todos. João Gonçalves é a história de Porangatu. São
indissociáveis. Felizmente, João Gonçalves só morreu fisicamente. Porque será eterno na história de
Porangatu e, portanto, de Goiás. João Gonçalves era casado com Edeltes Gomides
e pai de Deise, Carlos Rosemberg, Eduardo e Luiz (um dos filhos, o caçula,
morreu há vários anos). Nós, da família Fagundes de França Belém, amávamos
Joãozinho da Farmácia — sua bondade infinita, sua doçura cotidiana. Meu pai,
Raul Belém, que morreu de câncer, em 2011, era um de seus melhores amigos.
Quando minha mãe, Frutuosa Fagundes Belém, faleceu, em dezembro de 2023,
Joãozinho esteve no velório e esperou o enterro. Forte como uma aroeira, então
com 96 anos, não arredou pé, ao lado de meu tio Nelito Fagundes. Idoso, até
muito idoso e meio surdo, João Gonçalves poderia descansar. Optou por pesquisar
a história de Porangatu e escreveu um livro muito bom e preciso (um verdadeiro
documento), que leio e releio com frequência, em busca de minhas origens.
Escrevi sobre o lançamento do livro mais com o pretexto de falar de Joãozinho.
O texto, de 24 de abril de 2017, pode ser lido abaixo. “Descoberto da Piedade” resulta de uma pesquisa em documentos e das
memórias do político que, durante a ditadura civil-militar, comandou a
resistência peemedebista no Norte de GoiásPorangatu, uma das cidades
mais prósperas de Goiás, tem uma história rica, em parte mitológica (como a
história da índia Angatu; um garimpeiro teria dito “morro por Angatu” — daí o
nome). Há grandes personagens históricos, como Euzébio Martins, João Gonçalves
dos Reis, Ângelo Rosa, Pedro Cunha, Moacir Ribeiro de Freitas, Júlio da
Retífica (hoje, deputado estadual), entre outros. Coube a João Gonçalves dos
Reis, o Joãozinho da Farmácia na recriação popular, contar a história do
município no livro “Descoberto da Piedade” (a cidade era chamada de
Descoberto). Não se trata de um pesquisador profissional, e sim de uma pessoa
que, além de ter pesquisado vários documentos, sabe, por vivência — tem 90 anos
de idade e uma memória privilegiada —, muito da história do município. É
provável que muito do que conta não pudesse ser relatado por um historiador
profissional, afeito, por vezes, exclusivamente aos documentos. A obra de João
Gonçalves dos Reis é certamente um livro de história e de memória — com a
história fortalecendo a memória e a memória vitalizando a história. Certamente
se tornará um texto de referência. “Descoberto da Piedade” (200
páginas) é um lançamento da Cânone Editorial, a casa dirigida, de maneira
competente, por Ione Valadares. O livro será lançado na sexta-feira, 28, às
19h30, no Palácio das Esmeraldas, e no sábado, 29, a partir das 9 horas, no VIII
Grande Encontro dos Porangatuenses, no Clube Ferreira Pacheco, em Goiânia. Quem é Joãozinho da Farmácia Há
políticos de rara linhagem e entre eles podem ser citados Getúlio Vargas,
Juscelino Kubitschek, Milton Campos, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e
Henrique Santillo. São políticos de nome consagrado nacionalmente. Mas há os de
caráter municipal que têm uma história rica e que merecem maior divulgação —
afinal, como escreveram Púchkin e Tolstói, para conhecer o universo é crucial
conhecer, primeiro, a aldeia. João Gonçalves dos Reis, conhecido em Porangatu
como Joãozinho da Farmácia, é um dos que merecem figurar em qualquer lista dos
melhores políticos de Goiás e, portanto, do Brasil. Na época da ditadura
civil-militar, quando era mais confortável figurar como um de seus
representantes na Arena, Joãozinho da Farmácia optou por ficar na oposição, no
MDB, onde se tinha uma vida difícil, pois sofria-se até perseguições (quem
nasceu em Porangatu lembra-se que um prefeito da Arena só aceitava matrículas
na Porantécnica se os pais lhe pedissem a bênção política). Durante toda a
ditadura, entre 1964 e 1985, permaneceu no MDB, não aceitando pressões de
qualquer natureza, mantendo-se tranquilo e, ao mesmo tempo, um resistente. Aos
que se agitavam, recomendava cautela, sugerindo que tudo, inclusive as
ditaduras, passa. João Gonçalves dos Reis
comandou a resistência democrática no Norte de Goiás durante toda a ditadura.
Eleito prefeito de Porangatu, em tempo de ditadura, com recursos minguados e
sem apoio decisivo do governo do Estado, ainda assim fez um bom governo. Mas é
preciso sublinhar uma coisa sobre Joãozinho da Farmácia. Ele fez obras, é
certo. Deixou sua marca na história do município como realizador. Mas é preciso
dizer mais: governou a cidade como um democrata autêntico, ouvindo a sociedade
e respeitando os poderes Legislativo e Judiciário. Quando era moda perseguir,
já que os homens do poder no país e no Estado perseguiam, optou pela democracia
plena, por dialogar com todos com o máximo de respeito, transparência e, frise,
delicadeza. Era um político republicano na prática, não apenas no discurso.
Então, contrariando os “obreiristas”, pode-se dizer que Joãozinho da Farmácia
vai ficar — ou melhor, já está — na história de Porangatu como o político que,
em plena ditadura, comportou-se como democrata. Como estadista. A respeito de
Joãozinho da Farmácia não se pode falar apenas do político — cuja falta de
ambição não o deixou ir mais longe (optou por apoiar um filho, o engenheiro
Carlos Rosemberg, formado pela UnB, para deputado estadual). É preciso falar
também do homem. Pode-se dizer que, na vida cotidiana, comportava-se e
comporta-se como um autêntico franciscano. Dono de uma farmácia, às vezes mais
doava do que vendia medicamentos. Lá, com ou sem dinheiro, não se deixava de
levar remédios para casa. Não se pense que era uma tática populista, que
Joãozinho usava a farmácia para cabalar votos. Nada disso. Ele atendia bem a
todos, não importando a mínima com ideologia partidária. O que importava para
ele, em todos os sentidos, era a justeza da causa. Como definir Joãozinho da
Farmácia em poucas palavras? Em termos políticos, um democrata sem adjetivos.
Talvez seja imperativo um advérbio de quantidade como adereço: um grande
democrata. Mas, ao examiná-lo como indivíduo, basta dizer que se trata de um
homem bom. Joãozinho escreveu uma história de Porangatu. Falta agora escrever
sua biografia, que, de certo modo, confunde-se com a história do município.
Observe-se que as palavras Joãozinho e Porangatu contêm nove letras e começam
com consoantes, “J” e “P”, e terminam com vogais, “O” e “U”. Mera coincidência?
Talvez. Mas revela uma identidade entre o homem e a cidade. Everardo Leitão resenha livro de João
Gonçalves. (Fonte Jornal Opção Noticias GO)