A especialista ouvida pelo Jornal Opção detalha que o periódico revela que há outras possíveis causas do envelhecimento da população e traz um panorama de Goiás em relação ao tema.
Um estudo recém-publicado pela revista Nature Medicine apontou que a poluição, corrupção e desigualdade social são fatores que podem acelerar o relógio biológico da população. Para esmiuçar os dados apresentados pelo periódico, o Jornal Opção conversou com a economista, doutora em políticas públicas, estratégias e desenvolvimento, e professora do curso de ciências econômicas da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Adriana Pereira de Sousa, que disse que o estudo trouxe à tona uma realidade incômoda, mas urgente: envelhecer não é apenas uma questão genética ou de escolhas individuais, como geralmente se imagina. “Fatores sociais, ambientais e políticos – como poluição, corrupção, desigualdade, além de instabilidade institucional – têm o poder real de acelerar o envelhecimento do corpo e da mente”, explicou. A especialista comentou que a pesquisa analisou dados de mais de 160 mil pessoas em 40 países, inclusive no Brasil, e demonstrou de forma contundente que viver em contextos de alta desigualdade, com serviços públicos frágeis e governos instáveis, aumenta significativamente o risco de demência, declínio cognitivo e doenças crônicas. Segundo ela, isso significa que, em um país com acentuada desigualdade social, quem nasce pobre, com pouca escolaridade e acesso limitado a serviços de saúde não apenas vive menos, mas também envelhece biologicamente mais rápido. “O envelhecimento da população é marcado pela queda da taxa de fecundidade e aumento da expectativa de vida, contudo, conforme ficou evidenciado na pesquisa, esse processo afeta de maneira desigual diferentes grupos sociais. Por exemplo, pessoas idosas com menor renda, que trabalharam no setor informal ou com ocupações precárias, tendem a ter aposentadorias menores ou nenhuma, o que amplia sua vulnerabilidade social. Além disso, idosos de regiões mais ricas ou urbanas têm mais acesso a saúde, lazer e assistência; já os das regiões rurais ou periféricas enfrentam maior dificuldade”, apontou Adriana. Mulheres A docente da UEG afirmou que um outro ponto que merece atenção está relacionado ao fato de que mulheres vivem mais, mas recebem menos benefícios, pois têm trajetórias mais marcadas por interrupções de carreira e informalidade e, pessoas negras, historicamente, enfrentam maior risco de doenças crônicas e menor expectativa de vida. Ou seja, para a especialista, o envelhecimento não só reflete, mas também aprofunda desigualdades existentes, pressionando sistemas públicos de saúde, previdência e assistência social. Panorama de Goiás “De acordo com o IBGE [2022], estima-se que em 2035 a proporção de pessoas com 60 anos ou mais pode alcançar 23% da população brasileira, e, considerando que o Brasil terá aproximadamente 220 milhões de habitantes nesse período, chegamos a uma população idosa projetada de cerca de 50 milhões de pessoas. De acordo com o estudo População Idosa em Goiás, realizado pelo Instituto Mauro Borges [IMB], atualizado em 2021, em Goiás, a população idosa será de aproximadamente 12.354 pessoas em 2035, o que corresponderá a cerca de 15,4% da população do estado”, apresentou. Ou seja, de acordo com a Adriana Pereira, apesar do percentual observado em relação à população total do estado (15,4%) ser menor que o percentual nacional (23%), Goiás vive o mesmo processo de transição demográfica do Brasil, embora em ritmo um pouco diferente. A especialista afirmou que o aumento do percentual de pessoas acima de 60 anos, pressiona o sistema público de saúde, especialmente para doenças crônicas. “O estado apresenta desigualdades regionais que podem intensificar essas questões como, por exemplo, o fato de que a capital, Goiânia e seu entorno têm infraestrutura de saúde e lazer melhor do que cidades menores do interior e do norte do estado. Essa desigualdade regional pode influenciar no envelhecimento da população residente de áreas com menores índices de desenvolvimento no estado”, completou. Segundo ela, o estado de Goiás que, no passado apresentou uma alta taxa de informalidade, hoje tem como reflexo parte significativa da população idosa dependente de benefícios assistenciais, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada). “O que reflete diretamente no nível de renda desse grupo de pessoas”, ponderou a docente da UEG. “Em resumo, em Goiás, embora tenhamos cidades que concentram serviços e qualidade de vida acima da média, como Goiânia e o entorno metropolitano, há grandes vazios assistenciais nas regiões rurais e em cidades menores do interior. Populações que trabalharam a vida toda no setor informal têm aposentadorias baixas ou, muitas vezes, nenhuma, ficando dependentes de políticas públicas que sofrem com cortes e descontinuidade”, declarou. Sobre o estudo Segundo a especialista, os dados do estudo revelam algo que costuma ficar invisível no debate público: o lugar onde uma pessoa nasce e vive molda a sua saúde cerebral, cardiovascular e funcional, ou seja, seu processo de envelhecimento. “Isso não é metafórico; é literal. Uma criança que cresce em bairros expostos à poluição, violência e precariedade terá, no futuro, maior propensão a um envelhecimento precoce e menos saudável”, disse. E continua: “Somado a isso, está o impacto de governos instáveis, marcados por alta corrupção, polarização política e mudanças bruscas de rumo e descontinuidade de políticas públicas.” Os efeitos da instabilidade A instabilidade tem efeitos econômicos conhecidos: afasta investimentos, aumenta juros, dificulta o planejamento de políticas de longo prazo, mas também tem efeitos diretos sobre a saúde coletiva: amplia o estresse crônico, prejudica a coesão social e desorganiza sistemas de saúde e proteção social, apontou Adriana Pereira. “Países com baixa qualidade democrática e pouca transparência, segundo o estudo, têm maiores índices de envelhecimento acelerado e maior mortalidade”, explicou. “É preciso entender que envelhecimento populacional não é um problema só do futuro: ele já está acontecendo, inclusive em Goiás. A população idosa cresce a taxas expressivas, e o estado precisa estar preparado com políticas inclusivas, serviços regionais bem distribuídos e investimentos em prevenção e qualidade de vida. Isso significa olhar para além da genética e do comportamento individual: significa enfrentar desigualdades históricas, investir em educação, saúde e mobilidade, e garantir estabilidade institucional que permita políticas públicas duradouras”, afirmou a docente. A especialista finalizou afirmando que no seu entendimento envelhecer com saúde não pode ser um privilégio de quem nasceu em áreas centrais ou em famílias com maior renda. Sefundo ela, é um direito de todos – e, como mostra a ciência, depende muito mais do que políticas individuais de saúde: depende do compromisso coletivo com menos desigualdade, mais democracia e menos poluição. “Em outras palavras, o relógio biológico de cada um também depende das escolhas políticas que fazemos enquanto sociedade”, finalizou.(Fonte Jornal Opção Noticias GO)