Chernobyl na cozinha: o encontro do Plano Cruzado com o pior acidente nuclear da história
José Sarney estava furioso. No sábado anterior, 19 de abril de 1986, o então presidente da República havia feito um longo discurso na abertura da 35ª Exposição de Animais e Produtos Derivados, no município paulista de Barretos.
"Tenhamos cuidado com os sabotadores da estabilidade. O povo mobilizado é que evitará, sempre, qualquer fracasso", advertira às milhares de pessoas que o escutavam. "Falo agora ao sentimento mais patriótico de cada um de nós, para que a nação não esmoreça no seu direito e dever de zelar pelo êxito do Plano Cruzado."O plano de combate à inflação, baseado no aumento salarial e congelamento de preços, vinha dando sinais de desgaste precoce. De um lado, consumidores eufóricos lotavam açougues, padarias e supermercados; do outro, indústria e comércio alegavam prejuízos, negando-se a repor seus produtos pelos valores fixados em tabela. Resultado: filas quilométricas, escassez de mercadorias, lojas fechadas e rumores de toda ordem.Naquela sexta-feira, 25 de abril, Sarney havia obrigado seu porta-voz para assuntos econômicos, o jornalista Frota Neto, a desmentir boatos sobre possíveis reajustes nos preços. O assessor declarou à imprensa que o congelamento vigoraria enquanto não fosse "apagado da memória de todos o fenômeno inflacionário" e mandou uma indireta para o secretário especial de Abastecimento, José Carlos Braga, apontado como responsável pelos burburinhos da semana: "Quem fala em descongelamento é sabotador."Braga, enfurnado em seu gabinete na Avenida Prestes Maia, no centro da capital paulista, se explicaria no início da noite. "Não falei em descongelamento de preços. Quem sabe o momento e a hora de terminar esta medida é o presidente da República. Eu defendo a atual política econômica", disse. Por fim, o secretário adiantou: "O governo também poderá importar produtos necessários que faltarem no mercado".( Fonte BBC News Brasil)