“Mundo precisa aprender lições sobre relações
raciais”, diz historiadora
A
historiadora brasileira, Ana Lúcia Araújo, aborda o poder da educação na
desconstrução do racismo.
ONU News: Esta memória não deixa de parte
o Brasil e também os países da África lusófona. Como esta obra faz refletir
estas realidades? Ana Lúcia
Araújo (ALA): No Brasil, e no caso o
Brasil-Portugal, o comércio de escravos luso-brasileiro foi o que teve o maior
volume na história do comércio atlântico de escravizados. O Brasil, sozinho, importou
praticamente 5 milhões de africanos escravizados. E essa foi uma história que,
no caso do Brasil, durante muitos anos ficou velada. No caso de
Portugal também. Vemos só agora, em Portugal, toda essa questão emergindo sobre
a participação no comércio de escravizados. E em seguida com a presença
portuguesa também em termos da colonização da África e a questão do racismo.
Então, Portugal agora, eu
diria principalmente nesta última década, está começando a discutir essa
questão. Tem um memorial que está programado para ser inaugurado em Lisboa no
próximo ano. O Brasil começou essa discussão um pouco antes. Mas durante
muito tempo existia no Brasil essa ideia que o país era livre dessa questão do
racismo. Que era o país onde predominava a ficção da democracia racial. Mas
todos esses mitos aí têm sido desmantelados. No caso do Brasil,
não só o ensino da história da África, como sabe a história afro-brasileira, e
o ensino da história da escravidão têm sido agora desenvolvidos, eu diria nas
últimas duas décadas principalmente. E também vários projetos para museus,
exposições ou monumentos. Então, faz parte dessa questão de ver como é que os
grupos organizados, que se identificam como descendentes de escravizados, e
outros grupos que se identificam como sendo brancos, encaram esse
passado. Em meu livro, tem alguma coisa sobre o Brasil, mas também
examino o caso da África Ocidental, principalmente na República do
Benim. Lá, por exemplo, existia um grande traficante de escravos de
origem brasileira que se chama Francisco Félix de Souza. Ele trabalhou no Forte
Português do Porto de Ajudar no país que é atualmente a República do Benin.Ele
tem descendentes em outros países, mas a maneira como eles se relacionam com
esse passado escravagista é claro que é diferente da maneira como os
descendentes daqueles que foram escravizados se relacionam com esse
passado. Tento colocar como esses diferentes grupos veem esse passado e
se organizam para lembrar esse passado através de memoriais, através da criação
de monumentos e também as divisões internas que a gente vê em certos países,
principalmente, no caso aqui dos Estados Unidos, mas também na França e na
Inglaterra, em relação a essa questão dos monumentos. Principalmente monumentos
que homenagearam esses escravistas e que agora estão sendo derrubados a partir
desse movimento que nós temos visto principalmente nos últimos meses. ONU News: E como
este estudo interpreta esta reflexão que resulta nesses atos? ALA: Vale a pena
lembrar que cada país e cada nação teve um papel específico nesse comércio
atlântico de escravizados e mantém hoje uma relação específica com as
suas populações afrodescendentes. Claro que existem elementos em comum entre a
questão do racismo na França, no Brasil, em Portugal, nos Estados Unidos ou na
própria Inglaterra. Mas o que esse movimento nos mostrou, nos últimos meses, é
que todas essas sociedades, quando se trata do espaço público, mantiveram
imagens que reforçam essa ideia do passado escravista, do passado colonial e,
inclusive, da questão da supremacia branca. Então, esses monumentos foram
criados a partir principalmente do século 19. No caso dos Estados Unidos, a
maioria foi criada entre o final do século 19 e começo do século 20. São
monumentos que, em vez de contar a história das atrocidades que foram cometidas
contra uma grande parte da população, comemorava aqueles que cometiam esses
crimes. É uma questão que ficou lá presente no espaço público sem nunca ser
questionada a fundo. Ultimamente, por causa do acirramento desses
conflitos raciais, a população negra está sendo mais vitimizada pela questão da Covid-19,
pela questão da pobreza – na última crise de 2008, aqui nos Estados Unidos, foi
também a população negra a mais afetada. Tudo isso leva a questionar o primeiro
alvo que está mais visível no espaço público que são esses monumentos.( Fonte R
7 Noticias Internacionais)