A regente Leopoldina sancionou o decreto que separou o Brasil de Portugal, num ato corajoso que d.Pedro só veio a saber dias depois. No domingo, 7, o país comemora 203 anos de Independência.
Era a sétima vez que o príncipe Dom Pedro interrompia a viagem para São Paulo desde que deixou a cidade de Santos, no litoral paulista. Para subir a Serra do Mar, Sua Alteza teve de deixar os cavalos para trás e montar no lombo de um burro, único animal com tração suficiente para aguentar a subida íngreme das montanhas conhecidas como “Muralha” que levavam ao Planalto Paulista. Acompanhado por uma comitiva de cerca de 30 homens, o príncipe regente tinha 24 anos, usava roupas de tropeiro e lutava contra uma diarreia infernal e ininterrupta — nobres também não escapam de problemas comezinhos — que, por muito pouco, impediu que bradasse o famoso grito “Independência ou Morte” às margens do Ipiranga. A viagem a São Paulo tinha o objetivo de resolver uma disputa familiar que envolvia seu ministro José Bonifácio de Andrada e Silva, um aliado no plano de concretização da Independência do Brasil. No dia 6 de setembro, José Bonifácio ofereceu um jantar à comitiva que acompanhava o príncipe. O prato principal era javali. Segundo testemunhas, dom Pedro se refestelou. Na mesma noite, dom Pedro conheceu sua futura amante Domitila de Castro Canto e Melo, a futura Marquesa de Santos. Na manhã do dia 7 de setembro, dom Pedro deixou a cidade de Santos com terríveis cólicas. Era o prenúncio de um desarranjo intestinal que Vossa Majestade jamais havia sentido.O coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, futuro Barão de Pindamonhangaba, que acompanhou o príncipe na empreitada até São Paulo, contou em suas memórias que a intervalos regulares “Dom Pedro se via obrigado a apear do animal que transportava para prover-se no denso matagal que cobria as margens da estrada”. No fim da tarde do dia 7 de setembro de 1822, o futuro imperador, a guarda de honra improvisada e alguns conselheiros chegaram ao Riacho do Ipiranga. Estavam exaustos e ali mesmo resolveram descansar enquanto Pedro se “aliviava” pela sétima vez. Às 16h30, dois mensageiros encontraram o séquito e entregaram ao príncipe diversas cartas. Uma era de sua mulher, Leopoldina, as demais de José Bonifácio, de dom João VI, seu pai, e de um amigo próximo, Henry Chamberlain. Todas traziam a mesma mensagem: era chegada a hora da separação política do Brasil e Portugal. Há dois relatos sobre o que se passou em seguida: do padre Belchior Pinheiro de Oliveira e do comandante da guarda de honra, Manuel Marcondes de Oliveira e Melo, Barão de Pindamonhangaba. Os dois acompanhavam dom Pedro e mais tarde relataram em suas memórias o momento histórico.O padre Belchior relatou: “Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis, pisou-os e deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois virou-se para mim e perguntou o que deveria fazer. Eu respondi prontamente que, se ele não se fizesse rei do Brasil, seria prisioneiro das cortes, e talvez deserdado por elas. E que não havia outro caminho senão a Independência e a separação”. Caminhando, o príncipe disse: “As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações; nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal”. Por fim, virou-se para seu ajudante de ordens: “Diga à minha guarda que eu acabo de fazer a Independência do Brasil. Estamos separados de Portugal”. Depois, proclamou novamente a Independência, diante da guarda de honra. O segundo relato testemunhal foi do Barão de Pindamonhangaba, que registra o fato histórico mas de forma mais teatral: “Diante da guarda, que descrevia um semicírculo, o príncipe-regente estacou seu animal e, de espada desembainhada, bradou: ‘Amigos! Estão para sempre quebrados os laços que nos ligavam ao governo português! E quanto aos torpes daquela nação, convido-os a fazer assim’. E arrancando do chapéu que ali trazia a fita azul e branca, a arrojou no chão, sendo nisso acompanhado por toda guarda que, tirando dos braços o mesmo distintivo, lhe deu igual destino….. E viva o Brasil livre e independente!’, gritou dom Pedro”. O Barão de Pindamonhangaba acrescentou: “Ao que desembainhando também nossas espadas, respondemos: ‘Viva o Brasil livre e independente. Viva Dom Pedro, seu defensor perpétuo!’…E bradou ainda o príncipe: ‘Será nossa divisa de ora em diante: Independência ou Morte!’…Por nossa parte, e com o mais vivo entusiasmo, repetimos: ‘Independência ou Morte!’” De todas as cartas que recebeu às margens do Ipiranga, a de José Bonifácio foi a que mais tocou o futuro imperador. O patriarca da Independência praticamente implora a Pedro que efetive a separação. Eis o que disse José Bonifácio, que era um cientista: “Senhor, ninguém mais do que sua esposa deseja sua felicidade e ela lhe diz em carta, que com esta será entregue, que Vossa Alteza deve ficar e fazer a felicidade do povo brasileiro, que o deseja como seu soberano, sem ligações e obediências às despóticas cortes portuguesas, que querem a escravidão do Brasil e a humilhação do seu adorado príncipe regente. Fique, é o que todos pedem ao magnânimo príncipe, que é Vossa Alteza para orgulho e felicidade do Brasil. E, se não ficar, correrão rios de sangue, nesta grande e nobre terra, tão querida do seu real pai, que já não governa em Portugal, pela opressão das cortes; nesta terra que tanto estima Vossa Alteza e a que tanto Vossa Alteza estima.” Do Ipiranga, Pedro e sua comitiva seguiram para São Paulo. Na capital paulista, dom Pedro convocou novas eleições e governou a província interinamente, recompondo o poder que ali andava ameaçado. Durante este período, dom Pedro ficou no Pátio do Colégio, então sede do governo paulista. Foi lá que, pela primeira vez, passou a ser chamado de Imperador do Brasil. Por diversas noites, Pedro ia ao Teatro da Ópera, ostentando uma braçadeira de ouro confeccionada às pressas em que se lia: “Independência ou Morte”. E assim deu-se a Independência do Brasil. Leopoldina, o cérebro da Independência do Brasil Logo após o retorno de Dom João VI e da família real para Portugal (a contragosto do Rei, que manifestou por várias vezes a vontade de permanecer no Brasil e tornar o Rio de Janeiro, definitivamente, a capital do Reino de Portugal, Brasil a Algarve), dom Pedro permaneceu por aqui com o título de príncipe regente. Desde então, todas às vezes que viajava (e foram várias) era a princesa Leopoldina, sua esposa, que assumia o comando do país como regente. Diferentemente da figura passiva e caricata que acabou sendo eternizada em pinturas, folhetins como uma mulher sem opinião própria, sem atitude, que servia apenas como parideira de príncipes e princesas, foi dona Leopoldina quem verdadeiramente arquitetou a Independência do Brasil. Arquiduquesa da Áustria, Leopoldina, primeira mulher de dom Pedro I e mãe do imperador dom Pedro II e da rainha de Portugal, dona Maria II, recebeu educação exemplar e tinha tino aguçado para política. Em setembro de 1822 quem comandava o país era ela. E foi como regente que sancionou o decreto que separou o Brasil de Portugal, num ato corajoso que d. Pedro só veio a saber dias depois, quando recebeu a carta escrita pela esposa às margens do Ipiranga. Segundo historiadores e biógrafos, Leopoldina teve papel fundamental ao convencer Pedro a romper definitivamente com Portugal ao perceber que havia clima político no Brasil para transformá-lo numa República. Antenada politicamente, a princesa entendeu que a única forma de manter o Brasil monárquico era fazer com que Pedro ficasse no país para liderar a instalação de uma monarquia dos Bragança. Dom Pedro era indeciso e por muitas vezes usou a esposa conseguir firmeza em suas decisões. Foi neste sentido que Leopoldina atuou para que rompesse com Portugal. Maria Leopoldina foi criada numa das mais tradicionais monarquias da Europa: os Habsburgo-Lorena. Era uma das treze filhas da imperatriz Maria Tereza e do imperador Francisco II da Áustria. Amiga pessoal do escritor Goethe do compositor e Frans Schubert, a arquiduquesa foi qualificada pela família para assuntos políticos e, muito mais que o marido, tinha noção da importância em estabelecer o Brasil, após a Independência, como um Império. Algo que marcou a infância de Leopoldina foi a queda da monarquia francesa que teve sua tia-avó Maria Antonieta guilhotinada. Um mês antes do grito do Ipiranga, enquanto Pedro se embrenhava pelo Vale do Paraíba em busca de apoio militar para lutar contra os portugueses, Leopoldina escreveu uma carta para a irmã na qual dizia que o Brasil era grande demais, poderoso e, conhecendo sua força política, incapaz de voltar a ser colônia de uma corte pequena como a de Portugal”. No mesmo período, Leopoldina também enviou uma carta para o pai, Imperador Francisco II, na qual afirma: “…será maior ingratidão e erro político crassíssimo se nosso empenho não fosse manter e fomentar a sensata liberdade e consciência de força e grandeza deste lindo e próspero reino, que nunca poderá ser subjugado pela Europa”. Na mesma correspondência, a princesa qualifica Portugal como “pátria mãe infiel”. Quando ela morreu, em 1826, uma grande comoção popular tomou conta do Brasil inteiro durante semanas a perda da soberana, imperatriz Leopoldina. Ela só tinha 29 anos.(Fonte Jornal Opção Noticias)