Após ação da Polícia Civil para tirar usuários da Praça Princesa Isabel, ações sociais têm dificuldades de localizar os usuários, que se dispersaram por todo o centro de São Paulo.
A dispersão dos usuários de drogas pelas ruas do centro de São
Paulo nas últimas semanas dificulta a ação de entidades de assistência social,
que precisam 'caçá-los' pelos novos endereços da Cracolândia, como a Praça
Marechal Deodoro, a Rua Helvetia e até na Mooca, na zona leste, para entregar
marmitas e cobertores. Essas dificuldades se juntam às carências das pessoas em
situação de rua, número que tem crescido ano a ano - situação ainda mais
dramática com a chegada do frio. Na madrugada de quarta-feira (18), dezenas de
pessoas em situação de rua recorreram a cobertores finos e curtos, muitas vezes
úmidos, e tentaram dormir nas calçadas de inúmeros endereços da região central,
principalmente no Pateo do Colégio, na região da Sé. Adriano Silva, de 38 anos,
disse que não poderia levar seus pertences a um abrigo - a Prefeitura afirma
ter aberto duas mil vagas extras. Ele tem uma barraca, duas camisetas e um
moletom preto. "Como vou para o abrigo sem minhas coisas? Quando eu
voltar, não tem mais nada", diz. Essas barracas, moradias provisórias que
se tornaram símbolos do aumento dos sem-teto em São Paulo, são o abrigo
possível. Na calçada da Avenida Duque de Caxias, uma delas servia para quatro.
Não ao mesmo tempo. Como não havia espaço, eles se revezavam, duas horas para
cada um, mais ou menos. Ali, nenhum dos quatro diz usar crack, apenas álcool.
"Rezo para não chover" diz o peruano Cristian Torres, há cinco anos
no Brasil, que já foi preso por agressão doméstica. "Meu jeito de viver o
frio é a cachaça", diz. Nas tendas emergenciais montadas pela
Prefeitura na Marechal Deodoro, um dos pontos de atendimento da Operação Baixas
Temperaturas, o idoso Fabiano Duarte lamentou ter conseguido só um cobertor
para enfrentar 7ºC. Ele ainda vai dividir a coberta com a mulher em uma maloca
no Largo do Arouche. Os funcionários, segundo ele, argumentam que era só um por
pessoa, pois a demanda era muito grande. Procurada pela reportagem, a
Prefeitura não comentou sobre os critérios de distribuição dos cobertores. Além
das cobertas, as tendas oferecem sopas, bebidas quentes e transporte para
pernoite em centros de acolhida, além de vacinas contra covid-19 e gripe
(influenza). São locais de passagem. Até o início da madrugada, 20 pessoas
foram encaminhadas para os centros de acolhida. Com um rombo enorme na bermuda
jeans e tênis pretos maiores que seu número, Duarte não pediu cobertor pela
segunda vez. Ele admite o uso de crack há muito tempo, mas não sabe mais a
idade. Sabe sim que seu aniversário é em agosto. Os cabelos grisalhos, as rugas
na testa, os dois dentes que restaram, a postura arqueada e as dores no joelho
dão sinais de que ele já passou dos 60. Usuários de drogas buscam apoio porque
a assistência agora custa mais a chegar após uma operação policial na Praça
Princesa Isabel, no dia 11, que dispersou o chamado fluxo de usuários de droga
por vários pontos da cidade. Representantes da Missão Batista Cristolândia,
entidade assistencial ligada às igrejas evangélicas, afirmam que interromperam
as entregas de marmitas e cobertores por quatro dias porque não sabiam onde
encontrar os dependentes químicos. Na sede, a entidade oferece alimentação,
banho, corte de cabelo e uma vaga em um abrigo assistencial. Após operação na
Princesa Isabel, a polícia prendeu ao menos nove acusados de tráficos de drogas
e dispersou usuários por vários pontos da região central. Segundo a Prefeitura,
a dispersão facilita o oferecimento de serviços de apoio e tratamento para os
dependentes químicos. Em um desses movimentos de dispersão, Raimundo Nonato
Rodrigues Fonseca Junior, de 32 anos, foi baleado nos arredores da Princesa
Isabel na quinta-feira, 12. Três policiais civis se apresentaram como autores
de disparos. Uma perícia vai apurar se o tiro que causou a morte do homem saiu
da arma de algum dos oficiais. Representantes
de entidades sociais reconhecem que a morte violenta traz prejuízos ao trabalho
de campo, principalmente para a busca ativa dos usuários. "Os voluntários,
principalmente os mais jovens, têm receio e preocupação. Não sabem como os
usuários vão reagir", conta o pastor Hélbio Marques, coordenador das
Cristolândias de São Paulo. Convivência com
moradores de rua cria 'código de ética' Espalhados pelo centro, os usuários
também têm dificuldade para dividir espaços com quem já mora na rua. A situação
mais delicada ocorre na Marechal Deodoro. Essas diferenças acontecem mesmo
com um código de conduta dos usuários: não usar droga na frente das crianças.
Uma gíria indica a presença de menores: "olha o anjo". Quem conta é a
mulher trans e usuária de crack Paola Fernandes, de 29 anos, que vive nas ruas
há quatro anos, dois deles na Cracolândia. "Quando eu uso, entro na
barraca e ninguém me vê. A gente respeita quando tem família", diz Paola,
que vive numa barraca embaixo do Minhocão.Com a crise socioeconômica e a
pandemia, aumentou o número de famílias sem-teto em São Paulo. Em 2019, 20% da
população de rua dizia estar com algum parente - essa parcela subiu para 28,6%.
Levantamento inicial da Prefeitura aponta que há mais de 500 pontos com
concentração de crianças e adolescentes na capital.Na falta de barraca, usuários também recorrem a
cobertores e guarda-chuvas para evitar a visibilidade. Morador da Cracolândia
há mais de 30 anos, Jailson Antonio de Oliveira conta que não usa crack na
frente das crianças porque pensa em seus filhos. São três: o casal de gêmeos de
25 anos, e o caçula, de 23. Eles foram à Cracolândia, mas agora estão
afastados. Por cinco anos, Oliveira trabalhou formalmente em um hotel do centro
e diz que só usava cigarro e álcool. Foi aí que fez sua família. Mas o fim do
casamento foi o empurrão para a recaída da qual não saiu mais. Agora, quer ser
internado. "Quero voltar a ser o que eu era".Carlos Bezerra Junior,
secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, afirma que a
Prefeitura desenvolve um censo específico para crianças e adolescentes nas
ruas. Dados iniciais apontam 526 pontos de ocupação. Bezerra afirma que ainda
não é possível estimar a quantidade de crianças nas ruas nem os locais de maior
concentração. "A partir desse quadro é possível criar políticas públicas
mais adequadas e de prevenção".Prefeitura
e Estado dizem ampliar atendimento O Governo do Estado informou que acolheu 30
pessoas na noite de terça-feira (17) no alojamento estruturado na Estação Pedro
II do Metrô na primeira noite da ação Noites Solidárias. Foram 22 homens,
quatro mulheres e quatro crianças acolhidos na Estação. Elas receberam colchões
para passar a noite, kits de higiene, cobertores e refeições gratuitas
entregues pelo Programa Bom Prato Móvel.No decorrer desta semana, outros 500
cobertores e 2 mil sacos de dormir serão doados pelo Fundo Social de São Paulo
serão enviados para a prefeitura de São Paulo, para atendimento previsto em dez
tendas espalhadas por toda a capital.Na terça, a Defesa Civil distribuiu 500
colchões, 354 cestas básicas, cerca de mil litros de água sanitária e 200 kits
de higiene pessoal em centros de acolhimento da cidade.A Prefeitura desenvolve
as ações da Operação Baixas Temperaturas para ampliar os serviços de
atendimento e segurança alimentar da população em situação de rua. As medidas
incluem a expansão de vagas na rede socioassistencial, ampliação dos recursos
humanos - agentes sociais de equipes de saúde, distribuição de cobertores,
sopas e bebidas quentes, além de disponibilizar transporte (ida e volta) para
pernoite nos Centros de Acolhida. De acordo com a Prefeitura foram realizados
386 atendimentos e 280 encaminhamentos para abrigos.Segundo o secretário
municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Carlos Bezerra Júnior, a
Prefeitura está incrementando as equipes que fazem a abordagem no território,
com diferenciação dos encaminhamentos. As famílias com crianças são
encaminhadas prioritariamente para hotéis. "Criamos neste ano 1,5 mil vagas
em hotéis para acolhimento. Entregaremos 320 vagas na próxima semana",
afirma. Para os dependentes químicos, a procura por tratamento cresceu 28% para
os vários serviços, acrescenta o secretário.( Fonte R 7 Noticias Brasil)