Registros de violência sexual cresceram 30% entre vítimas de 0 a 17 anos
em 2022; especialistas alertam para subnotificação de crimes.
O estado de São Paulo registrou
uma quantidade alarmante de ocorrências de abuso sexual infantil nos últimos
três anos, período que coincide com a pandemia da Covid-19. Ao todo, foram
44.026 ocorrências de 2020 a 2022, o que significa 40 casos por dia em média, e
o número está sujeito a aumentar já que os especialistas asseguram que há
subnotificação de casos. Foram 13.472 casos em 2020, 13.236 em 2021, e um salto
para 17.318 em 2022, o que significa um aumento de 30,8% em
relação ao ano anterior, de acordo com um levantamento feito pela SSP
(Secretaria de Segurança Pública) e obtido com exclusividade pelo R7 via
Lei de Acesso à Informação (veja os dados no quadro abaixo).
A delegada e coordenadora das DDMs (Delegacias de Defesa Mulher), Jamila Jorge
Ferrari, explica que nos dois primeiros anos da pandemia, com o isolamento e as
escolas fechadas, boa parte dessas crianças "não tinha quem ficasse
observando os pequenos indícios", já que "os professores são uma das
maiores fontes de informação de abuso". Para a delegada, o aumento
expressivo em 2022 ocorreu porque as vítimas voltaram a conviver em
sociedade com o relaxamento das regras de quarentena.
Pessoas com quem tiveram contato na escola, curso ou no trabalho, em casos de
adolescentes, notaram as evidências e fizeram as denúncias, avalia. "A
gente sabe que a violência sexual, principalmente de crianças e adolescentes, é totalmente
subnotificada e, quando fecharam as escolas e todo o
resto, a preocupação foi ainda maior porque, a partir disso, se os abusos
ocorrem em casa, para quem essas vítimas vão recorrer? E a maioria,
infelizmente, acontece dentro dos próprios lares", afirma Ferrari. Abuso sexual em casa Ainda segundo os
dados, mais de 70% dos casos de abuso nos últimos três anos foram
cometidos por uma pessoa com algum grau de parentesco com a vítima. Para
Gledson Deziatto, que é conselheiro tutelar na zona oeste de São Paulo e
acompanha essas situações de perto, os números mostram que "uma parte
significativa dos lares em São Paulo não está mais seguro, além de revelarem
que muitas famílias são perversas". O conselheiro, que trabalha há mais de
12 anos recebendo essas denúncias e orientando as famílias, conta que um dos
casos que mais marcaram sua carreira foi o de uma menina de 9 anos que era
obrigada pela mãe a manter relações sexuais com homens por R$ 5.
"A menina ficava em um barraco e qualquer homem que quisesse entrar para
abusar dela precisava pagar para a mãe", diz. Diversas formas de abuso "Muita
gente acha que, para ser abuso, precisa haver a penetração, mas não
necessariamente. O abuso ocorre sempre que um adulto se aproveita do corpo
de uma criança ou adolescente para obter prazer", explica o cientista
social e coordenador do Grupo de Trabalho de Enfrentamento às Violências do
Movimento Agenda 227, Lucas Lopes. A maioria dos boletins de ocorrência por
abuso entre 2020 e 2022 foi registrado como estupro de vulnerável (artigo 217-A
do Código Penal), quando há a conjunção carnal ou ato libidinoso, com pena de 8
a 15 anos de reclusão ao acusado. O segundo do ranking é a importunação sexual
(artigo 215-A), que é qualquer ato feito para satisfazer a própria lascívia que
seja realizado sem o consentimento da vítima. Um exemplo disso é de um homem
que foi preso após ser gravado por câmeras de segurança se
masturbando em frente a duas crianças de 7 e 8 anos, que
brincavam em frente a uma casa, na zona sul de São Paulo. Quando as meninas
perceberam a presença do homem, começaram a gritar. Na sequência, vem o crime
de satisfação de lascívia mediante presença da criança ou do adolescente
(artigo 218-A), quando o abusador obriga a vítima a presenciar algum ato sexual
a fim de se satisfazer, com pena de dois a quatro anos de reclusão. Ato
obsceno, corrupção de menores, favorecimento de prostituição ou exploração
sexual de vulnerável também estão entre os principais crimes de abuso. Para
Lopes, o problema do Brasil é que existem diversas leis contra essa
violência, mas nenhum tipo de prevenção. "Tudo o que a gente faz, mas
de forma deficitária, são leis que são aplicadas só depois que o ato ocorreu. O
responsável pode ser preso, mas e o trauma que essas milhares de crianças vão
levar para a vida?", questiona. Ainda segundo o cientista social, há muita
subnotificação de dados, porque algumas crianças não conseguem denunciar e não
são orientadas sobre como agir nesses casos e devido à falta de políticas
públicas preventivas contra esse tipo de crime. Possíveis soluções O advogado Ariel de Castro
Alves, que recentemente assumiu a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente, ressalta a importância da implantação das medidas previstas na
lei nº 13.431 de 2017. O regulamento visa um sistema de garantia de
direitos, tanto das vítimas quanto das testemunhas.Com o cumprimento da lei
nas cidades, haverá a criação de delegacias de proteção especializadas, centros
de atendimentos integrados às vítimas e testemunhas, incluindo procedimentos
como escuta protegida, depoimento especial, medidas de proteção, além de assistência
psicológica e jurídica para essas pessoas."Os casos deveriam ser apurados
pelas delegacias especializadas da criança e adolescente, mas, em vários
estados, como São Paulo, elas não existem, e essas ocorrências passam a ser
apuradas por delegacias comuns ou pelas delegacias de defesa da mulher",
explica Castro.Além dessas unidades especializadas, as equipes da Agenda 227,
que é uma entidade de assistência social, sugeriram ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) algumas ações para combater a violência sexual contra
crianças e adolescentes. Lucas Lopes, que é o coordenador do grupo, disse à
reportagem que, a curto prazo, uma das medidas é falar mais sobre o
abuso infantil em escolas, desde a primeira infância até a educação
básica, e em outros espaços públicos de convívio."Precisamos colocar o
tema na agenda pública e não depende de orçamento ou recurso nenhum, mas,
talvez, seja o mais difícil, porque causa vergonha. É necessário orientar esse
público que há partes em que as pessoas não podem tocar, que há órgãos que vão
lutar pelos direitos delas e que elas não precisam crescer com esse
trauma", afirma.Uma outra proposta que a Agenda 227 traz é o
compartilhamento de dados e relatórios, o que, segundo Lopes, "é bastante
incipiente no Brasil" porque não há um investimento nesse sentido. Para o
especialista, saber a idade, condição física e sensorial, cor da pele, região
onde mora, se a criança pertence a grupos originários ou não, como e onde
ocorreu o crime e o grau de parentesco do abusador com a vítima ajudam os
órgãos a criar políticas de prevenção melhores e customizadas para combater
esse tipo de violência. Confira neste link as
demais propostas contra o abuso infantil.( Fonte R 7 Noticias Brasil)
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