BR do Mar pode expandir setor de
navegação de cabotagem no Brasil.
Atualmente em prazo de recebimento
de emendas, aguarda votação no Senado o projeto que institui o Programa de
Estímulo ao Transporte por Cabotagem (BR do Mar). O PL 4.199/2020, do
Poder Executivo, foi aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro do ano
passado. O senador Nelsinho Trad (PSD-MS) foi designado relator da matéria na
Casa. Navegação de cabotagem é o transporte aquaviário feito entre
portos do mesmo país. Entre as principais mudanças efetivadas pelo projeto está
a liberação progressiva do uso de navios estrangeiros para esse tipo de
transporte, sem a necessidade de contratar a construção de embarcações em
estaleiros brasileiros. O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros
(PP-PR), afirma que o projeto reduzirá o chamado “custo Brasil”. Para o
consultor do Senado Frederico Montenegro, o texto facilita a expansão das
operações de cabotagem e a entrada de novos interessados nesse mercado. Segundo
ele, aumenta a possibilidade de as Empresas Brasileiras de Navegação (EBN)
afretarem embarcações sem a obrigatoriedade de possuírem embarcações próprias,
como exigido pela legislação vigente. Montenegro ressalta que a mudança vem
acompanhada de incentivos para que as EBN mantenham e aumentem a frota própria,
o que contribui para um importante aspecto da navegação de cabotagem, que é a
disponibilidade do serviço. A partir da publicação da lei, as empresas poderão
fretar navios por tempo ou a casco nu (vazios) para uso na navegação de
cabotagem. Passado um ano da vigência da lei, poderão ser dois navios; no
segundo ano de vigência, três navios; e no terceiro ano da mudança, quatro
navios. Depois disso, a quantidade será livre, observadas condições de
segurança definidas em regulamento. O consultor explica que o afretamento por
tempo é aquele no qual o proprietário ou o armador coloca o navio completamente
equipado e em condição de navegabilidade à disposição do afretador por tempo
determinado. Esse afretador assume as gestões náutica e comercial do navio
mediante pagamentos durante o período do contrato. É um contrato de utilização
dos serviços do navio. Já o afretamento a casco nu se caracteriza pela
utilização (arrendamento) do navio, por um tempo determinado, no qual o proprietário
aluga seu navio sem tripulação. O navio passa a navegar com bandeira nacional e
submete-se a todas as regras trabalhistas e tributárias do país. É um contrato
de utilização do navio. O afretamento por tempo mantém todos os custos
relacionados a sua operação vinculados à bandeira do seu país de origem, por
isso é um afretamento mais barato se comparado ao afretamento a casco nu. Legislação No Brasil, o marco
regulatório do setor é definido principalmente pela Lei 9.432, de 1997,
que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário e dá outras providências.
Nessa lei, merecem destaque, segundo Montenegro, os dispositivos que criam
reservas de mercado para empresas brasileiras na navegação interior e na
cabotagem, os que criam incentivos para as empresas brasileiras de navegação na
aquisição de navios fabricados no Brasil e os que criam restrições ao
afretamento de embarcações registradas no exterior. Assim, atualmente, a
navegação de cabotagem brasileira está condicionada à aquisição de embarcações,
novas e usadas, pelas Empresas Brasileiras de Navegação. A definição de
embarcação brasileira dá-se em função do local de sua fabricação — e não do
local de registro — e a operação da marinha mercante é vinculada à construção
naval. Para incentivar a indústria naval, o setor conta com o Fundo da Marinha
Mercante (FMM) que tem como principal fonte de recursos o Adicional de Frete
para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), que incide tanto na cabotagem
como na navegação de longo curso. “A indústria naval só sobrevive, há décadas,
com a ajuda desses recursos”, explica o consultor. Montenegro afirma que os
motivos que levam os países a restringir a cabotagem para as suas embarcações
domésticas são a proteção da indústria naval, o desenvolvimento da marinha
mercante e a proteção da frota por questões de segurança nacional. Segundo ele,
alguns países conseguem manter esse mercado fechado por possuírem custos
operacionais competitivos ou por meio de política de subsídios. Esse não é o caso do Brasil, diz ele. Os custos
operacionais suportados pelas embarcações brasileiras são bem maiores que os
das estrangeiras, principalmente custos trabalhistas e tributários (incluindo o
preço do combustível). A indústria de construção naval, mesmo com todos os
incentivos e proteções a ela conferidos, também não é competitiva, avalia o
consultor. — É claro que o ideal,
quando se trata de navegação de cabotagem, é ter apenas embarcações nacionais
operando na costa brasileira. Toda a geração de riqueza atrelada ao setor seria
revertida internamente. Mas, infelizmente, esse cenário está longe de se tornar
uma realidade. É preciso, portanto, buscar alternativas para promover a
competição, aumentar a oferta de embarcações (ainda que estrangeiras) e permitir
o crescimento do setor que, mesmo com todos os entraves, vem crescendo mais de
10% ao ano — afirma. Redução dos custos
No entanto, adverte o consultor, a simples expansão
das operações de cabotagem e a entrada de novos interessados no setor não atendem
a um aspecto essencial da navegação de cabotagem: a regularidade e a
disponibilidade do serviço. Qualquer desequilíbrio no mercado de fretes mundial
pode levar as embarcações afretadas a tempo a atuar em outros mercados,
comprometendo a cabotagem brasileira, explica ele. Para Montenegro, o grande desafio que o BR do Mar
enfrentará é aliar a redução de custos que o afretamento a tempo promove e, ao
mesmo tempo, garantir que a cabotagem não fique à mercê da volatilidade do
mercado. Qualquer variação na demanda e nos preços dos fretes pode retirar
essas embarcações da costa brasileira. Para tentar resolver essa dificuldade, o
consultor ressalta projeto cria incentivos para que as EBN tenham frota
própria, garantindo assim a disponibilidade do serviço. — Embora o custo do frete seja um fator muito
importante, o que vai permitir a migração das cargas das rodovias para a
navegação de cabotagem é, sem dúvida, a regularidade do serviço: o dono da
carga precisa ter confiança e a certeza de que ela será entregue no porto e
chegará ao seu destino final, no tempo esperado. Para isso, é preciso haver
oferta constante do serviço (disponibilidade da embarcação). Caso contrário, o
embarcador manterá o transporte pelas rodovias que, apesar de mais oneroso, é
confiável — avalia Montenegro. Ele explica
que, para equilibrar a redução de custos (afretamento a tempo) e a regularidade
do serviço, o projeto permite que a EBN constitua uma subsidiária integral
estrangeira. Apesar de afretada a tempo, a operação será feita pela EBN, via
subsidiária, desde que respeite as convenções internacionais sobre o trabalho
marítimo. Indústria naval De
acordo com o consultor, embora o BR do Mar flexibilize a disponibilidade de
embarcação estrangeira na costa brasileira, a indústria naval não foi esquecida
no projeto. Além dos estímulos para que as EBN construam suas embarcações no
país, o projeto busca ainda alternativas de incentivo à indústria naval, por
meio do Fundo da Marinha Mercante (FMM), como a possibilidade de utilização dos
recursos para docagem e manutenção das embarcações nos estaleiros brasileiros.
Atualmente, a docagem de embarcações é realizada em outros países. Segundo Montenegro, a docagem é um processo fundamental
para aumentar a vida útil de um navio e serve para fazer reparos em defeitos
mais graves, que uma simples manutenção não é capaz de resolver, tal como
problemas no propulsor, eixos e leme ou até mesmo para fazer pinturas e limpeza
e tratamento do casco realizado em estaleiros. Adicionalmente,
o projeto permite o acesso dos recursos do FMM para que empresas estrangeiras
construam navios em estaleiros brasileiros e para a docagem de embarcações
estrangeiras afretadas. — É preciso
ressaltar que o cenário atual, no qual há forte proteção a essa indústria, não
é animador. Embora a lei que regula o setor seja de 1997, a indústria naval
brasileira tem entregado poucas embarcações para a cabotagem brasileira — diz
Montenegro. Ele afirma que, nos últimos dez
anos, de acordo com o Ministério da Infraestrutura, apenas quatro navios foram
construídos, excluídas as embarcações do setor petroleiro. — Ou seja, embora
o BR do Mar permita afretamentos de embarcações estrangeiras e possa
desestimular, num primeiro momento, a construção de navios nos estaleiros
brasileiros, a indústria de construção naval já não vinha entregando
embarcações, de toda a forma — pondera. Concorrência
Os principais objetivos do BR do Mar são, segundo o
texto, ampliar a oferta e melhorar a qualidade do transporte de cabotagem,
incentivar a concorrência e a competitividade na prestação do serviço, ampliar
a disponibilidade de frota, incentivar a formação e a capacitação de
trabalhadores brasileiros e estimular o desenvolvimento da indústria naval
brasileira. A empresa que quiser participar
do programa deverá cumprir requisitos como estar autorizada a operar como
empresa brasileira de navegação no transporte de cargas por cabotagem e
comprovar situação regular em relação aos tributos federais. Também deverá apresentar,
periodicamente, informações relativas à sua operação no Brasil com relação a
parâmetros criados pelo programa, como expansão, modernização e otimização das
atividades e da frota operante no país e valorização do emprego e qualificação
da tripulação brasileira contratada, entre outros. O programa será monitorado e avaliado pelo Ministério da
Infraestrutura, que deverá estabelecer os critérios a serem observados. Caberá
ao ministro conceder à empresa interessada a habilitação no BR do Mar. A empresa que perder a habilitação por descumprimento dos
requisitos exigidos não terá direito a obter nova habilitação pelo prazo de
dois anos. Fretamento O fretamento de navios estrangeiros poderá ser feito para
ampliação da capacidade de transporte, substituição de embarcação semelhante em
construção no Brasil, substituição de embarcação semelhante em construção no
exterior, em substituição a embarcação em reparo. Nos dois últimos casos, o
fretamento poderá ser feito por seis meses, prorrogáveis por até 36 meses.
Também poderá ser feito para atender exclusivamente
contratos de transporte de longo prazo e para prestação de operações especiais
de cabotagem pelo prazo de 36 meses, prorrogável por até 12 meses. Operações
especiais são, segundo o projeto, aquelas dedicadas ao transporte em tipo, rota
e mercado ainda não existentes ou consolidados na cabotagem brasileira. Caberá ao Executivo estabelecer a quantidade máxima de
embarcações fretadas. O texto estabelece
ainda que as embarcações fretadas deverão atender os requisitos estabelecidos
nos tratados e nos códigos internacionais em vigor no Brasil e nas Normas da
Autoridade Marítima. Tripulação
Os navios fretados deverão manter tripulação
brasileira equivalente a dois terços do total de trabalhadores em cada nível
técnico do oficialato, incluídos os graduados ou subalternos, e em cada ramo de
atividade. O comandante, o mestre de cabotagem, o chefe de máquinas e o
condutor de máquinas deverão ser brasileiros. Se
não houver tripulantes brasileiros suficientes para atingir o mínimo exigido, a
empresa habilitada poderá pedir à Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(Antaq) autorização para operar a embarcação específica com tripulação
estrangeira por até 90 dias ou por uma viagem, se a duração for maior que esse
prazo. Dos tripulantes embarcados em navios
habilitados no BR do Mar, não será exigido visto temporário, bastando a
apresentação da carteira internacional de marítimo.Direitos trabalhistas
As embarcações estrangeiras devem usar a bandeira
do país de origem. A bandeira do país vincula algumas obrigações legais, desde
comerciais, fiscais e tributárias até trabalhistas e ambientais. Em qualquer situação de afretamento prevista no projeto,
os contratos de trabalho dos tripulantes de embarcação estrangeira afretada seguirão
as normas do país à qual pertence a bandeira usada pelo navio. As empresas operadoras deverão seguir ainda regras
internacionais, como as estabelecidas pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e também a Constituição federal, que garante direitos como 13º
salário, adicional de um terço de férias, FGTS e licença-maternidade. (Fonte:
Agência Senado)
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