Quase 10 mil tipos foram identificados até agora. 'É cruel: elas demoram
para ser diagnosticadas e, muitas vezes, tiram cedo a vida do paciente.
Precisamos vencer a guerra da desinformação'.
Cerca de 9.600 doenças raras
foram identificadas até agora no mundo. Uma certeza: há muitas outras a
descobrir. Das menos violentas às mais agressivas, ao menos uma delas afeta em
torno de 13 milhões de brasileiros, atesta uma pesquisa da associação de
estudos da indústria farmacêutica no país. A União Europeia teria entre 24
milhões e 26 milhões de pacientes, e o mundo, mais de 350 milhões. Uma doença é considerada rara quando atinge até 65
pessoas em cada grupo de 100 mil. Ou 1,3 em cada 2.000, 6,5 em cada 10 mil ou
ainda 13 em cada 20 mil. Individualmente, elas atingem grupos menores. Mas,
como são muitas — 9.600 mapeadas, fora as até agora desconhecidas —, a soma dos
pacientes com ao menos uma delas produz números relevantes LAUDA SANTOS Os números podem parecer exagerados, sobretudo quando termo em
questão é raro, mas há explicação. Uma doença é considerada rara quando
atinge até 65 pessoas em cada grupo de 100 mil. Ou 1,3 em cada 2.000, 6,5 em
cada 10 mil ou ainda 13 em cada 20 mil. Individualmente, tais doenças atingem
grupos menores. Mas, como são muitas — 9.600 mapeadas, fora as até agora
desconhecidas —, a soma dos pacientes com ao menos uma delas produz números
relevantes. Uma dessas doenças, a artrite reumatoide juvenil (ARJ), genética,
hereditária, acompanhou desde o nascimento Laís Vargas, filha da
ex-secretária-executiva Lauda Santos. Diagnosticada com ARJ aos 3 anos, Laís
morreu aos 27, no dia 7 de abril de 2016, no destaque preciso e inesquecível,
de dia, mês e ano, como costumam ser os de mãe. “Teria feito 34 anos agora, no
dia 7 de março”, contabiliza Lauda, 65 anos, paulista de Franca radicada em
Brasília, após um suspiro seguido de pausa. A missão de ajudar pacientes e sua
família foi assumida por Lauda Santos ainda em 1992, ano do diagnóstico de sua
filha. Primeiro, aqueles com doenças reumáticas e, a partir de 2013, aqueles
com problemas raros de maneira geral. Participa intensamente de trabalhos
voluntários direcionados ao acolhimento dessas pessoas, com a indicação de
rotinas, procedimentos e serviços de saúde especializados. Lauda é presidente
da Associação Maria Vitoria de Doenças Raras e Crônicas (Amaviraras) e
cofundadora e vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de
Doenças Raras (Febrararas). Recentemente, ela e seu time inauguraram, na
capital federal, o Espaço Mundo Raro, para acolhimento de pacientes com alguma
condição rara ou crônica. Entre os dias 26 e 29 de outubro de 2021, Brasília
foi sede da 4ª edição do Congresso Ibero-americano de Doenças Raras, com
especialistas e pesquisadores do Brasil, Argentina, Portugal, Espanha,
Inglaterra e Estados Unidos, além de pacientes, familiares, estudantes e
parlamentares. Lauda organizou os momentos mais importantes das palestras do
encontro e os reuniu no livro Olhar Raro — IV Congresso
Ibero-americano de Doenças Raras (Editora Escreva, 216 págs.,
R$ 79,90 a edição impressa e R$ 29,90 o ebook), que acaba de ser lançado. Nessa
conversa com o R7 ENTREVISTA, ela
relembra sua caminhada em busca de qualidade de vida para a filha Laís. Destaca
pontos essenciais do problema. E, mais importante, oferece dicas e conselhos
preciosos a quem tem diagnóstico, conhece ou tem na família algum paciente ou
desconfia de que pode estar envolvido ou diante de um caso de doença rara ainda
não identificada. Servico público de primeira. Acompanhe: Comprava dólares, levava ao edifício da antiga companhia
aérea Varig, em Brasília, e os comissários de bordo traziam o remédio de minha
filha Laís dos Estados Unidos. Veja o improviso a que famílias eram submetidas
em situações tão graves. Muitas ainda encontram obstáculos semelhantes. Laís
tomava uma dose por semana. Cada uma custava 248 dólares. No câmbio atual
seriam cerca de R$ 1.350. Quatro mensais custariam perto R$ 6.000. Caro, mas eu
ganhava um salário digno e agradecia por poder comprar. Hoje, no Brasil, ainda
há pacientes de doenças raras com custos de tratamento tão altos que fazem
valores como esses parecerem quase nada LAUDA
SANTOS O rótulo doenças raras nos leva, como leigos, a achar que são
coisas de pouca gente. Mas, como são muitas, quase 10 mil mapeadas até agora,
fora as ainda não identificadas, no total os números são impressionantes. Lauda Santos – Essa
interpretação é comum e gera uma confusão que atrapalha e retarda a criação de
consciência e conhecimento maiores sobre o assunto, e sua importância, na
sociedade. Como são quase 10 mil doenças raras identificadas no mundo até
agora, fora as desconhecidas, a soma dos pacientes de todas elas impressiona. E há o desconhecimento, em muitos casos,
também do profissional de saúde. Exato. Oitenta por cento das
doenças raras são de cunho genético e hereditário. Setenta e cinco por cento
delas, ou três em cada quatro casos, afetam crianças. Trinta por cento dos
pacientes, três em cada dez, morrem até os 5 anos de idade. Existem as
progressivas, as crônicas e as degenerativas. Parte importante não tem cura e
leva, muitas vezes, à morte cedo, abreviando a vida do paciente. Por outro lado,
o desconhecimento do público, e muitas vezes também dos profissionais de saúde
responsáveis pelo atendimento, faz o diagnóstico demorar muito tempo — cinco,
oito, dez anos, com frequência — a partir dos primeiros sintomas. É um paradoxo
cruel: doenças que tiram a vida precocemente, anos e até décadas antes do que
seria esperado, demorando anos para ser diagnosticadas e tratadas. Isso,
infelizmente, não é raro ocorrer. Quem
desconfia de doença rara, em si ou outros, deve antes de tudo buscar informação
confiável. Os contatos das nossas instituições estão na internet. Pelos números
do Ministério da Saúde, há cerca de 250 pontos de serviços com ações e serviços
de assistência e diagnóstico. Terão níveis de oferta e profundidade diferentes,
mas todos poderão orientar ao menos os primeiros passos sobre o que fazer
diante da desconfiança. Capitais e cidades mais bem estruturadas possuem
centros com maior capacidade LAUDA
SANTOS Questão dura. Sem dúvida. Mas que pode ser
amenizada com diagnóstico precoce e tratamento adequado. Eles aumentam a
expectativa e a qualidade de vida, a rotina, o que é fundamental nessas doenças
que afetam músculos, cérebro, sistema nervoso. Como em toda patologia grave,
pacientes com doença rara diagnosticados e tratados a tempo vivem mais e sofrem
menos. Mas, para que isso seja possível, é fundamental vencer a guerra da
desinformação da sociedade. Ganhar essa guerra é a motivação principal para o
meu trabalho, o pessoal do congresso, que está na 4ª edição, e agora o livro. O que deve fazer alguém que tenha ou
conheça uma pessoa com uma doença cujos sintomas não recuam com o tratamento
conhecido daquele problema e desconfie da possibilidade de uma doença rara?
Antes de tudo, buscar informação confiável. Para quem tem acesso à internet,
nossos contatos, os da Amaviraras e da Febrararas, podem ser encontrados com
facilidade. Além disso, pelos números do Ministério da Saúde, há cerca de 250
pontos de serviços com ações e serviços de assistência e diagnóstico.
Certamente terão níveis de oferta e profundidade diferentes, dependendo da
situação e do suporte dado onde estiverem localizados, mas todos poderão
orientar ao menos os primeiros passos sobre o que fazer diante da desconfiança.
Capitais e cidades mais bem estruturadas possuem centros com maior capacidade.
Mas o primeiro passo fundamental é buscar informação confiável em um centro de
saúde. Procurar o médico ou o especialista, sentar e conversar. Depois disso,
quem der os primeiros esclarecimentos também terá como indicar os primeiros
procedimentos e caminhos. Fale
sobre o trabalho na Amaviraras. O livro reafirma também as
ações da Amaviraras em todo o país, no diálogo com o poder público, o terceiro
setor, pacientes e profissionais. Os desafios são imensos, relacionados a
políticas públicas, trajetória do paciente e familiares desde o diagnóstico até
o tratamento, infraestrutura de acesso das pessoas com doenças raras aos
serviços públicos de saúde, entre outras demandas indispensáveis. Exibimos neste último congresso um documentário
internacional sobre um paciente com a síndrome de Moersch-Woltman, conhecida
como síndrome do homem de pedra, a SHP. É uma doença raríssima, que ataca o
sistema nervoso. Na maioria dos casos, os sintomas começam a surgir a partir
dos 40 anos. Uma rigidez progressiva vai tomando conta da coluna vertebral, da
musculatura, braços, pernas do paciente. O corpo endurece, literalmente; daí o
nome popular da doença. Precisamos dar muita atenção a casos como esse LAUDA SANTOS Dê outros exemplos de doenças
raras. São muitas, como falamos, não seria possível envolver todas
aqui. Mas vamos ilustrar. O cavernoma cerebral, conhecido também como angioma
cavernoso, é raríssimo, inclusive na grande população brasileira. Trata-se de
um entrelaçamento anormal de veias no cérebro ou na medula que pode provocar
sequelas neurológicas, de equilíbrio, visão, atenção e outros sintomas. A
autora do prefácio do livro, a neurocirurgiã brasileira Ana Maria Ribeiro de
Moura, é uma das maiores especialistas do mundo na síndrome de Hallervorden-Spatz,
doença rara degenerativa do sistema nervoso associada à enzima pantotenato
quinase, a PKAN, causada pelo acúmulo de ferro nos núcleos cerebrais. O nanismo
é uma doença rara um pouco mais percebida, até pelas características impostas
ao corpo das pessoas, mas ainda longe de ser conhecida pelo público como
deveria. A hemofilia, que atinge a coagulação do sangue, é outra mais pública.
Exibimos neste último congresso um documentário internacional sobre um paciente
com a síndrome de Moersch-Woltman, conhecida como síndrome do homem de pedra, a
SHP. É uma doença raríssima, que ataca o sistema nervoso. Na maioria dos casos,
os sintomas começam a surgir a partir dos 40 anos. Uma rigidez progressiva vai
tomando conta da coluna vertebral, da musculatura, braços, pernas do paciente.
O corpo endurece, literalmente; daí o nome popular da doença. Precisamos dar
muita atenção a casos como esse. Muitas vezes
o desconhecimento atinge também a classe médica. Dei uma bicicleta para minha
filha aos 3 anos. Ela deu duas voltas, largou a bicicleta e começou a chorar
com dor num tornozelo, que inchou, ficou vermelho, quente, passou para o outro
tornozelo, pegou os joelhos e foi até o quadril. Ela tinha artrite reumatoide
juvenil, a ARJ, um reumatismo genético raro. Levei ao primeiro médico na mesma
semana. Diagnóstico: amigdalite LAUDA
SANTOS Como foi o caminho até chegar ao diagnóstico da doença reumática
rara de sua filha? Nesse ponto é bom destacar que, pela
quantidade de doenças raras, muitas vezes o desconhecimento atinge também a
classe médica. O sonho da Laís, aos 3 anos, era ter uma bicicleta pequena com
aquelas cestinhas, para carregar as bonecas. Comprei. Ela deu duas voltas,
largou a bicicleta e começou a chorar com dor num tornozelo, que inchou, ficou
vermelho, quente, passou para o outro tornozelo, pegou os joelhos e foi até o
quadril. Eu a levei ao primeiro médico na mesma semana. Diagnóstico do médico:
amigdalite. Só que não.
Pois é. Resolvi levá-la a um ortopedista. Imaginei que ela tivesse batido o
tornozelo em algum ponto da bicicleta, gerando alguma inflamação. Felizmente,
esse rapaz desconfiou de algo, colheu sangue para exame e me pediu para
esperar. Não deu outra: o exame acusou positivo para a questão do reumatismo.
Ele virou para mim e disse: “Eu paro por aqui. A senhora terá que procurar um
reumatologista, porque eu sou o mago dos ossos, mas o mago disso que sua filha
tem não sou eu, é um reumatologista”. Achei um bom reumatologista, e tivemos o
diagnóstico. Aí começou mais um sacrifício, infelizmente ainda muito comum para
pacientes de doenças raras e sua família: importar remédios que não são
fabricados no Brasil. Passou
por isso? E como. O remédio, o Solganol, era chamado por nós
popularmente de Sal de Ouro. Eu comprava os dólares, levava no edifício da
antiga companhia aérea Varig em Brasília e o comissário de bordo trazia o Sal
de Ouro dos Estados Unidos para mim. Veja o improviso a que algumas famílias
precisavam se submeter diante de situações tão graves. Muitas ainda encontram
obstáculos semelhantes. A Laís tomava uma dose de Sal de Ouro por semana, por
seringa. Cada uma custava 248 dólares. Hoje seriam mais ou menos R$ 1.350. As
quatro mensais custariam atualmente cerca de R$ 6.000. Caro, mas eu era
secretária-executiva, ganhava um salário digno e agradecia por poder comprar.
Mas no Brasil, ainda hoje, há doenças raras com custo de tratamento tão alto
que faz esses valores parecerem quase nada. Por isso precisamos expandir a
comunicação e o relacionamento com o poder público e o terceiro setor. Muito obrigado. Eu é que
agradeço o espaço para divulgar essas coisas importantes. Acho que ajudará
muita gente do público do R7.( Fonte R 7 Noticias
Brasil)
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