Demanda por treinamentos mais sofisticados na área da saúde fez surgir empresas especializadas em importar corpos dos EUA.
Quanta vida há em um cadáver? Para estudantes da área da saúde,
a possibilidade de estudar técnicas em um corpo com tecidos, músculos, pele e
ossos frescos significa aperfeiçoar o aprendizado de técnicas simples, como a
dissecação e sutura, até as mais complexas, como neurocirurgias. Até pouco
tempo, treinamentos usando cadáveres de pessoas que acabaram de morrer só
aconteciam fora do Brasil, mas a alta demanda da indústria médica acabou
criando um novo nicho de mercado, em que empresas importam corpos congelados
para a realização de treinamentos. É o chamado cadáver lab. Leia também: Inteligência
artificial já faz parte do dia a dia da medicina O
R7 apurou que um pé custa R$ 2 mil, um tronco, entre R$ 10 mil e 15 mil, uma
mão pode valer R$ 1 mil, e uma cabeça com pescoço cerca de R$ 25 mil. Os
valores não são cobrados pela peça, já que vender corpos humanos ou parte
deles é ilegal, mas pelo serviço dos bancos de tecidos, preparação do cadáver,
documentação, transporte e impostos. Larissa Nóbrega, gerente de projetos
do Instituto HLA (Health Learning Academy), especializado em treinamento
com cadáveres frescos explica que as empresas não pagam pelos membros em si.
"O que nós pagamos é como um aluguel, nós não podemos comprar cadáveres e
nem os bancos de tecidos podem vender. Ao mesmo tempo, a peça em si não tem um
valor certo, tudo depende de uma série de variantes. Por exemplo, um corpo
inteiro de uma pessoa de 80 quilos, obviamente, vai custar mais que uma pessoa
que pesa 60 quilos", comenta. O que é possível dizer é que os
cursos em cadáver lab também não são baratos. No HLA, um curso de até três dias
variam entre R$ 6 mil e R$ 40 mil por pessoa, dependendo da técnica e da
quantidade de peças necessárias para o treinamento. Apesar de cara, a
opção ainda é mais viável que enviar profissionais para treinamento nos Estados
Unidos. "Há sete anos, eu trabalhava como distribuidor de um marca-passo
cerebral para a doença de Parkinson e um medular para dor crônica intratável.
No entanto, para treinar os neurocirurgiões para a técnica, eu precisava
levá-los para os Estados Unidos, ficava muito caro e eu conseguia treinar
poucas pessoas", diz o presidente do HLA, Luciano González. "Por
isso, decidi criar o instituto e começar a importar os espécimes, hoje, estamos
rivalizando com os Estados Unidos em treinamento de cadáveres frescos",
completa Luciano González, que prefere chamar os cadáveres de "peças
anatômicas". Uma tentativa de tornar o tema menos mórbido e mais próximo
da linguagem da pesquisa científica. Leia também: Biocurativo
feito em impressora 3D é o futuro para tratar queimados
"Aqui no Brasil, a palavra cadáver tem uma conotação de morte. Nos Estados
Unidos, é um objeto de estudo. É totalmente uma questão cultural, a gente trata
as peças com todo o respeito do mundo, há um processo operacional padrão para
isso", completa o presidente do instituto. Atualmente, a empresa faz
importação para todo o Brasil e realiza treinamentos em Brasília (DF), Curitiba
(PA), Juiz de Fora (MG) e São Paulo. Entenda
o procedimento O método consiste no congelamento do corpo logo após a morte, e
é comum em países como os Estados Unidos. Antes de enviados, os tecidos são
testados para doenças infecciosas, como Covid-19, HIV, Hepatite B e C, e
utilizados só após resultados negativos. A rapidez no congelamento após a
morte preserva as características dos tecidos humanos, possibilitando que no
processo de descongelamento cirúrgico a estrutura do cadáver permaneça
praticamente inalterada, como se ainda estivesse vivo, chegando até mesmo a
sangrar. O que não é possível na aplicação em manequins de silicone ou material
sintético, por exemplo. E nem mesmo em cadáveres conservados por meio de
produtos químicos, como o formol que enrigece os tecidos do corpo. O cirurgião
plástico André Cervantes, diretor cientifico da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Plástica, afirma que esse é o melhor método para treinar todas as
especialidades cirúrgicas. "Antes existia uma restrição no Brasil quanto
ao uso de cadáveres frescos, mas que hoje é uma realidade, e que tem como
missão capacitar de uma forma melhor os médicos. Conhecendo a anatomia e
simulando procedimentos nessas peças, é possível prestar um serviço médico mais
seguro", diz o cirurgião, que também usa espécimes importados para
ministrar cursos em anatomia da face voltados para cirurgia plástica. Ele
explica que ainda há um ponto limitante na legislação brasileira quanto à
doação de corpos. Isso porque, atualmente, mesmo que uma pessoa queira doar seu
corpo para fins de estudo e pesquisa, é necessário que a conservação do cadáver
seja feita em formol. "Uma pessoa pode ter passado por todo o
trâmite para doar seu corpo em vida, mas esses corpos acabam sendo conservados
em formol. Isso é ruim porque a característica do tecido muda completamente,
fica mais duro e mais escuro, faz parte do processo da reação química. Isso é
diferente do que chamamos de fresh frozen cadavers, que são pessoas
que foram congeladas assim que morreram", detalha. Leia também: Cientistas
estudam na Antártida moléculas contra o câncer Imediatamente quando começa o processo de putrefação,
ou quando o trabalho de pesquisa é encerrado, as peças são incineradas e
devolvidas ao banco de tecidos. Doação de
corpos no Brasil Atualmente, duas legislações tratam do tema no Brasil. A Lei
8.501, de 1992, dispõe sobre a destinação do cadáver não reclamado para fins de
ensino e pesquisa. Já a Lei 10.406, de janeiro de 2002, estabelece que qualquer
pessoa pode dispor de seu próprio corpo para uso científico após a morte. Dez
anos após a criação da última regra, ainda não há uma normatização nacional
para as doações, por isso a forma de doar pode variar dependendo do
estado. Professora de anatomia por 45 anos, Jussara Rocha Ferreira
explica que a qualidade das peças anatômicas usadas em laboratórios está
diretamente ligada ao nível da educação oferecida nas universidades
brasileiras. Ela explica que há peças em diferentes estados de conservação
e até mesmo os corpos mais antigos são utilizados pelos alunos. Na coleção de 6
mil ossos do acervo da UnB (Universidade de Brasília), por exemplo, há peças
que são estudadas há mais de 50 anos. "O direito à formação profissional é
dever do estado. Você não pode fazer com que profissionais de medicina saiam da
faculdade sem competência para exercer a profissão", comenta a professora,
que foi a responsável pela catalogação dos acervos dos museus de Anatomia
Humana tanto na UnB quanto na Universidade Federal de Goiás. Para ela, existe uma lacuna na legislação brasileira e
falta regulamentação nacional da doação de corpos no Brasil. "É necessário
que os estados sentem à mesa para regulamentar o uso de corpos para pesquisa a
nivel nacional. É algo tão básico, mas, infelizmente, não damos o devido valor
ao tema, nem estamos civilizados o suficiente para adentrar nessas
questões", diz. Doações no Distrito
Federal
Em 2021, 11 corpos foram doados a instituições de ensino no Distrito Federal.
Na capital do país, o trâmite é regulamentado por uma portaria do Ministério
Público do DF de 2010. Excluindo as mortes violentas e por acidente, que
seguem técnicas específicas de perícia, não existem causas que dificultam a
doação de corpos. Em primeiro lugar, explica o MP, é necessário que o
doador manifeste em vida a vontade de doar o corpo para uma instituição de
ensino. Para isso, basta informar a família sobre o desejo e procurar a
promotoria Pró-Vida, onde vai preencher uma ficha e receber orientações. Após
a morte, os familiares devem informar ao hospital, IML ou Serviço de
Verificação de Óbito que há intenção de doação do corpo, e, na sequência,
entrar em contato com a promotoria por telefone ou e-mail. Leia também: Silicone com chip
guarda informações de pacientes por até 20 anos A
promotoria mantém uma lista com oito instituições com cursos de medicina e
enfermagem cadastradas e aptas a receber os cadáveres no DF. Os corpos que
chegam são distribuídos na ordem da lista de faculdades, da primeira até a
última, depois volta para o início.Após o falecimento, o velório do doador pode
ser realizado normalmente. O que muda é que ao invés de se dirigir para um
cemitério ou crematório, o corpo vai para a instituição de ensino escolhida.
"É importante destacar que o interessado deve comunicar e discutir
amplamente a sua intenção com os familiares mais próximos, uma vez que serão
eles que acionarão a estrutura do MPDFT, informando o óbito e tomando os
procedimentos iniciais para a doação", enfatiza o órgão.( Fonte R 7
Noticias Brasil)
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