Diplomacia de confronto chinesa
já atinge mais emergentes, diz analista.
Países que recebem financiamento têm optado por
“autocensura” para não serem alvo de represálias públicas.
A
política de confronto dos diplomatas chineses nas redes sociais ou em
declarações públicas a respeito de outros países, sobretudo ocidentais, já tem
como consequência uma espécie de autocensura de nações que dependem de
investimento ou financiamento da
China.A avaliação é da pesquisadora francesa Nadège Rolland, do Escritório
Nacional de Pesquisa sobre a Ásia em Washington (EUA).Rolland define como
“bullying seletivo” a recente tática chinesa de responder de forma contundente
a eventuais críticas feitas pela comunidade
internacional e alerta que os países emergentes ou em
desenvolvimento serão os mais afetados por esse tipo de diplomacia. “Quanto
mais assimétrico o relacionamento, maior a pressão possível”, afirma. A resposta
inflamada às críticas é parte da chamada diplomacia chinesa
“wolf warrior” (lobo guerreiro, em inglês), que ganhou tração sobretudo desde o
início da pandemia do novo coronavírus, em 2020. Essa política foi batizada em
referência ao filme chinês homônimo, no qual um policial defende a honra
nacional salvando seus concidadãos de ameaças impostas pelo Ocidente.O objetivo
da chancelaria chinesa, na avaliação da pesquisadora, seria duplo. Para os
diplomatas, “provar seu patriotismo, portanto melhorando suas credenciais
nacionalistas em casa”. Já internamente, o confronto direto com potências
estrangeiras seria “forma de aprimorar a legitimidade [do
Partido Comunista Chinês] em face de um crescimento econômico mais modesto” nos
últimos anos.Rolland é especialista em assuntos políticos e de segurança, foi
assessora do Ministério da Defesa da França e hoje pesquisa as principais
estratégias de expansão da esfera de influência chinesa em todo o mundo. Veja
na íntegra sua conversa com A Referência.O que está por
trás da chamada diplomacia chinesa de “wolf warrior”, levando em conta a
estratégia de longo prazo de política externa da China?
A chamada “diplomacia wolf
warrior”, cujo nome surge de um filme de ação, apareceu há menos de dois anos.
Tornou-se especialmente proeminente a partir de 2020, quando diplomatas
chineses passam a usar mais a mídia, seja em plataformas como o Twitter ou em
entrevistas na imprensa tradicional, para lançar ataques virulentos contra
indivíduos ou países específicos. Em janeiro de 2020, por exemplo, o embaixador
chinês na Suécia disse em uma entrevista na TV que “tratamos nossos amigos como
um bom vinho, mas, para nossos inimigos, temos tiros”. Há apenas algumas
semanas, a conta oficial da embaixada chinesa na França insultou um pesquisador
francês, chamando-o de “bandidinho pequeno” porque ele havia defendido uma
visita planejada de legisladores franceses a Taiwan.
Contas oficiais chinesas no Twitter também têm sido usadas para espalhar teorias
da conspiração sobre a origem do novo coronavírus. O que leva a essas
manifestações públicas? As reações “wolf warrior”
mais virulentas em geral são desencadeadas por comentários estrangeiros sobre
políticas da China em Hong Kong, Tibet, Xinjiang ou
Taiwan, consideradas interesse nacional fundamental, ou em qualquer coisa que
possa questionar o Partido Comunista chinês em sua envergadura moral ou em sua
performance, como a origem da pandemia. É o caso da atual disputa entre
a Austrália e a China, para citar um exemplo recente?
Sim. A China decidiu impor sanções econômicas
unilaterais na Austrália, aumentando as tarifas de importações de alimentos e
minério de ferro vindos do país, depois que Camberra pediu uma investigação
internacional independente a respeito das origens do surto que iniciou a
pandemia. Em uma entrevista, o embaixador da China na Austrália respondeu então
que “por que devemos consumir vinho australiano? Comer carne australiana?”.
Algumas semanas depois, foram anunciadas tarifas de mais de 200% no vinho
australiano, além de uma lista de 14 exigências para
que Camberra “consertasse seu relacionamento” com Beijing. Qual o
objetivo do governo chinês ao permitir esses comentários públicos? Seria uma
tática para consumo interno do público chinês? Muitas
das plataformas de mídias sociais usadas por esses diplomatas, como Twitter e
Facebook, não são permitidas na China, logo o público interno não
tem acesso a elas. A audiência não é a população chinesa, mas duas outras. A
primeira é o PC em si: ao mostrar uma postura combativa, os diplomatas chineses
provam seu patriotismo, portanto melhorando suas credenciais nacionalistas em
casa. Vale observar que o nacionalismo tem sido usado de forma consistente como
um substituto para a erosão dos ideais comunistas desde o início dos anos 1990.
Mas, desde 2008, essa tática passou a ser usada como forma de aprimorar a
legitimidade do governo em face de um crescimento econômico mais modesto.
Também enviam um sinal ao exterior de
que a China é forte, não aceitará sermão de nenhum outro país e isso é o que
acontece quando essas outras nações não respeitam essa diretriz. Qual é
a consequência mais evidente dessas investidas? Esse
“bullying seletivo” cria uma espécie de autocensura também entre países que não
são alvos diretamente: se não quiserem ser os próximos nessa lista de abuso
verbal ou coerção econômica, terão de acomodar os desejos da China ou receber
as consequências. Há uma expressão chinesa que descreve essa tática: “matar um
frango para assustar os macacos”. Veremos táticas similares contra
outros países ocidentais, como os EUA ou membros da UE (União Europeia)? Medidas econômicas coercitivas estão entre as favoritas
de Beijing há pelo menos uma década, desde a imposição de bloqueios no envio de
minerais de terras-raras ao Japão em 2010 ou boicotes à Coreia do Sul com a
instalação do sistema de defesa de mísseis Thaad, apoiado pelos EUA, em 2017. Essa tática continuará
a ser uma importante ferramenta para Beijing, sobretudo à medida em que as
assimetrias econômicas deem ao país um maior poder de barganha política. À
medida em que cresce o poder da China, os países ocidentais não serão as únicas
vítimas da agressividade chinesa. Quanto mais assimétrico o relacionamento,
maior a pressão possível. Países emergentes e em
desenvolvimento estarão cada vez mais suscetíveis às pressões
da diplomacia chinesa no futuro, com menor margem de manobra para evitar
possíveis impactos.( Fonte A Referencia Noticias Internacional)
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