A decisão da corte, porém, criou algumas lacunas que deverão ser resolvidas com outros debates e leis aprovadas pelo Legislativo.
(FOLHAPRESS) - Após a decisão do STF
(Supremo Tribunal Federal) que descriminaliza o porte de maconha para uso
próprio, pairam dúvidas sobre quais serão os efeitos para a atividade policial
cotidiana relacionada ao tema.Especialistas apontam que na teoria haverá poucas
mudanças em relação às abordagens feitas pelos agentes –quem for encontrado com
Cannabis, mesmo que seja considerado usuário, deverá ser levado a delegacia,
ter a droga apreendida e terá que se apresentar a um juiz criminal, que
determinará sanções administrativas. A decisão da corte, porém, criou algumas
lacunas que deverão ser resolvidas com outros debates e leis aprovadas pelo
Legislativo. Uma das consequências, dizem os especialistas, é uma possível
desmotivação do trabalho policial. Segundo essa visão, um agente que ver alguém
fumando um cigarro de maconha na rua pode preferir fazer vista grossa em vez de
abordar o usuário. Isso porque a pessoa no máximo deverá sofrer alguma sanção
administrativa, como a bronca de um juiz, se maiores consequências. Para o
advogado e especialista em direito penal Raul Marcolino, a desmotivação entre
policiais militares, responsáveis pela ação ostensiva, pode ser explicada pelo
exemplo da compra e do uso de cigarros contrabandeados. "O policial vê uma
pessoa fumando um cigarro comum e não consegue saber se é ou não
[contrabandeado]. Na prática é liberado, mas vem do contrabando em grandes
quantidades, que é crime", disse ele. "Já descriminalizou,
despenalizou, não tem pena prevista nas situações, daqui a pouco está liberado
[a maconha]." Para André Pereira, que preside a Associação dos Delegados
de Polícia do Estado de São Paulo, a decisão do STF de mudar a análise do
assunto da esfera criminal para a administrativa também gera dilemas sobre quem
faz o laudo da droga, hoje a cargo do Instituto de Criminalística. A questão
pode parecer menor, mas envolve a atribuição legal de uma série de agentes
públicos. Ele afirma que as mudanças estabelecidas pelo Supremo serão aplicadas
pelos policiais, que devem ser basear no que já existe na lei 11.343 de 2006, a
Lei de Drogas. "A legislação de drogas já faz o detalhamento desse tema
[do usuário]. Os órgãos de execução das políticas vão ter que se adaptar,
fazendo essa mescla do que está em vigor com a decisão do Supremo." Mas
ele lembra que também é preciso esperar a regulamentação do Legislativo para
que os órgãos de gestão, como as secretarias estaduais de segurança pública,
atualizem seus protocolos. Até que haja uma nova regulamentação por lei,
segundo a tese anunciada pelos ministros, o encaminhamento segue o modelo
atual. Se uma pessoa é abordada e os policiais encontram drogas, ela é levada à
delegacia. A autoridade policial (ou seja, o delegado) vai avaliar as
circunstâncias da abordagem, a quantidade da droga –que agora tem um critério
de 40 gramas para separar usuário de traficante– para determinar se e a pessoa
de fato está com maconha para consumo próprio se há indícios de crime. No caso
do usuário, tema em questão no Supremo, a pessoa abordada vai assinar um termo
circunstancial e será liberada. As sanções previstas são uma advertência dada
por um magistrado de juizado especial criminal ou cursos sobre os danos
decorrentes sobre o uso de drogas. Não é mais possível determinar, por exemplo,
a prestação de serviços comunitários. Como não é mais criminalizada, a conduta
precisa ser regulada em lei para indicar, por exemplo, que ente aplicaria essas
sanções ao usuário abordado com drogas. "Se é administrativo, abre-se a
possibilidade de que seja algo legislado por prefeituras ou pelo estado,
quebrando o monopólio federal no tratamento da questão", diz Rodrigo
Azevedo, professor da PUC-RS e associado do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. Mas a Lei de Drogas impede que o tema seja tratado dessa forma
fragmentada, segundo o pesquisador. O outro problema apontado por Azevedo é a
restrição da decisão à maconha. "O artigo que trata do porte para uso
pessoal [artigo 28 da Lei de Drogas] não fala em maconha. Por que não outras
drogas? Isso não se sustenta." A questão também foi citada pelo Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em um cálculo baseado no Atlas da
Violência 2024 que trata dos custos destinados a presos por tráfico de drogas
que seriam classificados como usuários a partir da definição de critérios específicos.
O cálculo considera que o custo para presos condenados com 25 gramas de maconha
e 10 gramas de cocaína seria de R$ 1,3 bilhão, relativo a 5,2% da população
prisional. Já em outro cenário, o custo para os sentenciados com 100 gramas de
maconha e 15 gramas de cocaína –8,2% dos presos– chegaria a R$ 2 bilhões. Segundo
o instituto, a cocaína é a droga mais comumente referenciada em processos
criminais por tráfico de drogas, chegando à parcela 70,2% dos processos, com
uma quantidade mediana de 24 gramas. A segunda é a maconha, que aparece em 67%
dos casos, com mediana de 85 gramas. Para o advogado Marcolino, o uso de
maconha é como o jogo do bicho no Brasil. "Sabe-se que existe, o bicho é
contravenção penal, mais grave que uma sanção administrativa, mas ninguém faz
nada porque é enxugar gelo. É uma realidade." Leia Também: Descriminalização
da maconha: STF define 40 gramas para diferenciar usuário de traficante
Leia Também: Maconha
é droga mais usada do mundo, aponta relatório da ONU.( Fonte Jornal
Contexto Noticias)
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