Primeira Assembleia Constituinte eleita pelo povo chileno terá a missão
de reescrever as leis do país.
Após uma longa crise de
legitimidade de suas instituições e políticos, o Chile inicia no próximo domingo o processo para redigir a
nova Constituição, a primeira mediante um processo inclusivo e democrático, uma
experiência social que começa com grandes expectativas. Este processo
inédito não só representa uma oportunidade histórica para o país sair de uma
dura crise social, como também pretende enterrar a Constituição redigida
durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e que é apontada como a base
de um Estado ausente, "subsidiário" do setor privado no contexto de
uma economia ultraliberal e promotor da desigualdade. Para muitos, este
processo também significa o fim da "transição", como se denomina a
transferência do poder desde a ditadura ao presidente eleito Patricio Aylwin,
17 anos depois do golpe de Estado de 1973. O novo capítulo começa com um claro
sinal de abertura após a eleição por voto popular dos 155 integrantes da
Convenção paritária — um feito inédito no mundo —, junto com a inclusão de 17
vagas reservadas aos povos originários, algo histórico também no Chile. "A
Constituição de 1833 foi feita no âmbito de uma república oligárquica e a de
1925, de democracia limitada" quando, por exemplo, apenas os homens podiam
votar. "Esta é a primeira vez que a cidadania pôde eleger um corpo para
escrevê-la", disse à AFP Claudio Fuentes, analista político e acadêmico da
Universidade Diego Portales (UDP). Coletiva
e sem figuras conhecidas A composição da Convenção é heterogênea, com
desconhecidos de diferentes origens demográficas, étnicas e profissionais, com
um forte sentido "ecocentrista". Aproximadamente 40% dos
Convencionais são independentes - em sua maioria com afinidades de centro
esquerda - e que basicamente buscam construir um Estado garantidor de direitos
sociais. "Isto não deve ser lido a partir da ótica tradicional da direita
ou da esquerda", advertiu à AFP Marcela Ríos, representante assistente do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Chile. Segundo afirma
Ríos, neste processo, parte muito importante dos novos atores se apresenta como
diferentes das elites tradicionais. "Houve há muito tempo uma ruptura
muito profunda entre a sociedade e as instituições, baixa confiança nas
instituições, questionamentos sobre o papel dos partidos políticos", e é
desse lugar que hoje nasce este processo de mudança, afirmou, ao apontar
diferenças substanciais entre os processos constituintes celebrados na
Venezuela em 1999, na Bolívia em 2006 e no Equador em 2007. Nos palácios Dos milhares de manifestantes
que tomaram as ruas do Chile após a convulsão social — com episódios de
violência extrema — em 18 de outubro de 2019, cerca de vinte serão empossados
no domingo no pátio da antiga sede do Congresso em Santiago, um local escolhido
por razões sanitárias. Depois, as sessões serão celebradas tanto nos salões do
antigo Congresso quanto no palácio Pereira, no centro de Santiago, um edifício
neoclássico construído em meados do século XIX. Ali vão deliberar durante nove
meses, prazo prorrogável por mais três meses, até apresentarem uma nova
Constituição, que será aprovada ou rejeitada em um plebiscito em 2022. Trata-se
de uma Convenção Constituinte que "se parece ao Chile real", afirmam
analistas, com integrantes que são ativistas ambientais, líderes comunitários,
advogados, professores, jornalistas e economias, junto de representantes de
partidos políticos tradicionais em minoria e sem que nenhuma força política
conte com o terço necessário para o veto, segundo um regulamento que exige a
aprovação das decisões por 2/3 dos participantes. É integrada por pessoas
"que trabalharam muito por suas comunidades locais e agora chegam a um
espaço de discussão mais aberta", afirma Cristina Dorador, acadêmica e
pesquisadora da Universidade de Antofagasta, constituinte eleita pelo Movimento
Independente do Norte pela Região de Antofagasta, 1.340 km a norte de Santiago.
Nos extremos ideológicos, destacam-se a direitista Marcela Cubillos,
ex-ministra do gabinete de Sebastián Piñera, a segunda mais votada, apesar de
sua bancada política ter sido uma das grandes derrotadas nas eleições de maio. Cubillos,
que fez campanha pelo Repúdio ao plebiscito por uma nova Constituição, disse
que assume para defender o que foi alcançado em três décadas de democracia. "Pode
parecer que no Chile só existe um diagnóstico, quando a direita não tem sido
capaz nem mesmo de defender que estes 30 anos foram os melhores da história do
Chile, e aceitou em silêncio o discurso da esquerda que quer nos fazer pensar
que foram os piores 30 anos da histórica nacional", disse em entrevista ao
jornal La Tercera. O jogo está por se definir, as expectativas são altas e o
maior desafio é que um grupo de desconhecidos chegue a acordos a partir deste 4
de julho, quando deverão eleger seu presidente e vice no primeiro dia que se
celebra simbolicamente o dia em que foi instalado em 1811 o primeiro Congresso
Nacional, dez meses depois de iniciado o processo que levaria à independência
do Chile.( Fonte R 7 Noticias Internacional)