Mariana Freitas está há cinco meses curada da doença após
participar de uma pesquisa na maternidade escola da UFRJ.
O que deveria ser o início de um
sonho, acabou se tornando um processo doloroso para a brasileira Mariana
Freitas, de 25 anos. A jovem descobriu, em sequência, uma gravidez, uma
gestação molar e um câncer de placenta. Em meados de maio de 2021, por
meio de um exame de sangue, ela recebeu a notícia de que estava grávida. Embora
não estivesse nos planos, já que ela havia acabado de mudar de emprego, a
gestação foi bem recebida. Porém, após o exame transvaginal não conseguir
localizar o feto, as desconfianças começaram. Ela esperou em torno de três dias
para fazer um novo exame de sangue (chamado também de beta, pois mede o
hormônio HCG e indica gravidez). "Eu fiquei um pouco angustiada. Eu fui lá
no hospital de novo, colhi um segundo beta e, assim, o meu beta triplicou, ele
aumentou muito. E aí o médico logo falou para mim, 'você está super
grávida'", lembra Mariana. E acrescenta: "Eu fui para casa com aquela
informação de que eu estava grávida. Só que eu continuava passando muito mal.
Comecei a fazer home office, e esperei dar uns 10 dias para fazer meu [segundo]
transvaginal, para saber a idade gestacional." Os enjoos continuaram
aumentando, a ponto de, segundo Mariana, viver "à base de Vonau
[medicamento utilizado para prevenir e tratar náuseas e enjoos]". Nesse
momento, os pais e as pessoas próximas ao casal já sabiam da gravidez. No dia
do transvaginal, no entanto, ela acabou sendo surpreendida. "Minha mãe me
acompanhou, mas ela teve que ficar do lado de fora e, assim que a médica
começou a fazer o exame em mim, ela falou, 'você está sozinha?', e respondi
'não, minha mãe está lá fora'. E a médica continuou, 'ah, então vamos chamar
ela porque não tem batimento cardíaco'", conta Mariana.A notícia, dita de
forma fria e "brutal", como ela caracteriza, foi apenas o início do
que viria a ser um longo processo."Era uma gestação muito no início, mas,
por mais que tenha sido só de 10 dias, eu sempre quis ser mãe, então eu estava
muito feliz com aquilo. Acreditei mesmo que eu estava grávida, meu esposo ficou
super feliz", lamenta. As duas opções que restavam para ela naquele
momento, segundo a médica, eram esperar o sangramento começar e o corpo expelir
o feto ou fazer uma curetagem."Nesse mesmo dia eu fui para casa e vomitei
muito, não era para eu estar assim, porque, se eu estava em um processo
abortivo, era para o meu beta estar diminuindo e, automaticamente, diminuindo o
enjoo. E o meu não passava, na verdade, ele só piorava", diz Mariana.Ainda
nesse dia, ela decidiu, então, procurar uma outra rede hospitalar para
investigar os enjoos. Lá, fez mais um exame de beta e um ultrassom."Descobri
[em junho] que o meu beta continuava subindo e, na ultrassonografia, viram que
era uma gestação molar. Tinha várias bolinhas no meu útero", relembra.Segundo
Antônio Rodrigues Braga Neto, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro) e da UFF (Universidade Federal Fluminense), que acompanhou o caso de
Mariana, "gestação molar é uma anomalia da gravidez em que há um erro na
fertilização no momento em que o espermatozoide se encontra com o óvulo."Também
conhecida como doença trofoblástica gestacional, existem dois tipos: a mola
completa, onde não há formação de bebê (caso de Mariana), e a mola parcial, em
que há formação de bebê. Ambos os casos envolvem alterações genéticas, que
impedem que o feto sobreviva."Nesse mesmo dia eu fui internada no
hospital. Entrei em jejum absoluto, porque eu ia fazer uma aspiração. O
procedimento era: eu faço, tira esse material que está no útero, leva para
análise e, nesse meio tempo, o beta tem que cair até zerar", explica
Mariana.Porém, o beta de Mariana diminuiu e voltou a subir. Isso ocorreu porque
a mola se tornou invasora, condição chamada de câncer de placenta ou neoplasia
trofoblástica gestacional. Segundo o manual MSD, tumores trofoblásticos
localizados na placenta são muito raros. Os hospitais particulares não tratam
esse tipo de condição, então ela foi direcionada para um centro de pesquisa do
SUS (Sistema Único de Saúde) – maternidade escola da UFRJ."Eu fui muito
acolhida. Primeira coisa que eu tive que fazer foi conversar com a psicóloga e
com a enfermeira. E, na primeira consulta [no mesmo dia], eu fiquei horas lá,
porque eu já fui com um pré-diagnóstico. Já fui encaminhada, eu já tinha sido tratada,
e já tinha feito o primeiro esvaziamento uterino", diz Mariana.Após
diversos exames, conversas e uma análise do caso, ela foi convidada a
participar de uma pesquisa,
guiada pelo médico e aluno de doutorado de Neto, Marcio Barcellos."Era uma
pesquisa de um centro de pesquisa de Harvard e a escola maternidade, e a
pesquisa dizia que 50% das mulheres que fazem uma segunda aspiração não
precisam ir para quimioterapia. Eu já estava com encaminhamento da quimio na
minha mão, a partir do momento que eu fui diagnosticada com câncer",
conta. Mariana, então, aceitou fazer parte da pesquisa e foi encaminhada para
uma segunda aspiração, dessa vez, no SUS, no dia 16 de julho. Caso o beta não
diminuísse depois do procedimento, ela seguiria para a quimioterapia."Ambas
as estratégias de tratamento [aspiração e quimioterapia] são aceitáveis, porque
não se sabe qual é a mais efetiva. O objetivo do estudo é avaliar qual é a
melhor estratégia para cada paciente", explica Neto.O professor
complementa que a mulher assina um termo de consentimento livre, concordando em
participar do estudo, e é randomizada para um dos grupos de tratamento. Ela permanece
em acompanhamento ininterrupto e gratuito."Fiz a aspiração. Tive um
tratamento super humano, tinha cuidado, zelo com a pessoa que está ali, tanto
que depois que eu saí da aspiração me colocaram em um quarto compartilhado, mas
que não tinha mulheres que tinham acabado de ter bebê. Na primeira aspiração
que eu fiz, me colocaram no andar da maternidade, então eu passei a madrugada
toda escutando bebê chorando depois de ter feito uma aspiração", lembra
Mariana. Depois do processo, ela voltou semanalmente colher o beta no hospital
e observou ele diminuir de forma gradativa, até finalmente zerar.Depois de
zerar, ela esperou um ano para observar se a remissão do câncer ia acontecer e
para obter a tão esperada alta absoluta."No final de setembro de 2022 eu
tive, oficialmente, a minha alta", celebra.Momento antes dessa vitória,
porém, ela enfrentou um sentimento que foi reprimido durante todo o processo: o
luto."Só fui sofrer pelo luto em março do ano passado, quase um ano depois
que eu descobri isso tudo, porque eu fui parar para pensar 'caraca, eu perdi
uma gestação'. Caiu com tanta força na minha cabeça que eu fiquei meio
inerte", conta.E acrescenta: "É uma situação engraçada, porque eu
nunca escutei o batimento do bebê, minha gestação molar foi completa, então nem
teria batimento. Eu não vi nada, mas eu sentia que eu tinha, que ele viveu em
mim, fica essa sensação de vazio, e eu só fui vivenciar isso quase um ano
depois."Mariana aconselha que todas as mulheres, até mesmo as que tiveram
uma gestação comum, façam uma coleta de sangue durante e após a gravidez, para
evitar uma situação parecida com a que ela viveu."Minha gravidez se tornou
um câncer, mas isso pode acontecer até com uma pessoa que teve uma gestação
normal, então, a pessoa que teve um bebê 100% saudável, ela pode ter a mola
invasora mesmo o bebê já nascido, porque é um câncer de placenta", alerta.Vale
ressaltar que, quanto antes acontecer a descoberta da doença, melhor para o
tratamento e encaminhamento especializado."A condição [câncer de placenta]
é plenamente curável, e mais especial ainda: sem precisar retirar o útero, na
imensa maioria das vezes! Mas para esse padrão de excelência, é crucial que as
pacientes sejam atendidas em centros de referência", diz Neto.Como ainda é
incerto quais pacientes conseguem se beneficiar da segunda aspiração, a procura
dos centros é essencial. No Rio de Janeiro são a Maternidade Escola da UFRJ e o
Hospital Universitário Antônio Pedro, da UFF.Pacientes diagnosticadas com
neoplasia trofoblástica gestacional podem procurar orientação no grupo do
Facebook "Associação
Brasileira De Doença Trofoblástica Gestacional". (
Fonte R 7 Noticias Brasil) *Estagiária
do R7, sob supervisão de Giovanna
Borielo