Desabastecimento afeta mais da metade dos estados e representa risco
para pacientes que dependem, por exemplo, de diálise.
O Brasil vive uma crise de
desabastecimento de remédios e insumos utilizados em cirurgias e exames que
está fazendo com que milhares de procedimentos sejam comprometidos. De
acordo com uma pesquisa recente divulgada pela CNSaúde (Confederação Nacional
de Saúde), das 14 unidades da federação que responderam ao questionário, todas
estavam em falta de algum medicamento ou insumo básico, como soro fisiológico,
por exemplo. “Se reportarmos desde o início da pandemia, nós temos vivido
vários momentos com falta de alguma classe de insumo médico. Agora, quando
chegou, enfim, em 2022, em fevereiro, os secretários municipais emitiram uma
nota falando sobre a dificuldade de comprar alguns produtos”, afirma ao R7 o
presidente da CNSaúde, Breno Monteiro.E complementa: “No [setor] privado, isso
demorou um pouco mais a chegar, até que em junho nossos associados começaram a
reportar esse problema grave". A pesquisa mostrou que a maioria dos
estabelecimentos, principalmente hospitais, está com dificuldades de adquirir
os medicamentos neostigmina (50,5%), aminofilina (41%), metronidazol bolsa
(41,9%), amicacina injetável (40%), atropina (49,5%), dipirona injetável
(62,9%) e outros (32,5%).Metade das instituições de saúde que
reportaram, por exemplo, falta de neostigmina (medicamento indicado para várias
doenças musculares) está com estoques abaixo de 25%.De acordo com dados do
SindHosp (Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São
Paulo), no período de 1º a 14 de julho 67 hospitais privados também relataram
falta de medicamentos, sendo que apenas cerca de 10% das instituições não
estavam enfrentando esse déficit.Alguns exemplos dos remédios mais em falta nas
organizações de São Paulo são a dipirona (14,53%), antibióticos em geral
(11,69%) e ocitocina (10,48%).Em entrevista ao R7 em maio deste ano, o presidente do
Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), Wilames
Freire Bezerra, já caracterizava a
falta de dipirona como alarmante. "Estamos
recebendo manifestações de muitos municípios do país. Há essa preocupação, até
porque estamos em um momento de retomada dos processos de cirurgias eletivas,
de movimentação dos centros cirúrgicos, e isso nos preocupa", alerta
Bezerra.A falta foi atribuída à interrupção de produção do principal fabricante
do princípio ativo, responsável por cerca de metade do quantitativo distribuído
no país, e a situação ainda não se regularizou. Soro fisiológico e
contraste radiológico Também foram apontados na lista de desabastecimento o
soro fisiológico e o contraste radiológico. Segundo a CNSaúde, o insumo mais
preocupante no país é o soro, que já está em menor proporção em cerca de 87%
das unidades.No entanto, em São Paulo, o SindHosp apontou o contraste como o
principal insumo em falta, reportado por 13,31% dos hospitais, seguido pelo
soro (12,90%).O conselho também descobriu que 40% das instituições indicam o
mercado com preços 100% acima do usual como um dos motivos para a dificuldade
de acesso ao soro.“87% dos associados não têm estoque [de soro] para os
próximos 30 dias. O contraste radiológico — quase metade do mercado brasileiro
é abastecido por empresas chinesas que sofreram lockdown no mês de maio e
pararam de produzir esse insumo — parou de chegar ao Brasil e desabasteceu
nossas unidades”, diz Monteiro. Outro fator que piora a situação, segundo o
presidente, é o prazo de 30 dias que os vendedores estipulam para entrega do
insumo, que aumenta a lacuna entre a necessidade e o recebimento do produto.O
resultado não é positivo tanto para os pacientes quanto para os hospitais, que,
possivelmente, terão que priorizar tratamentos.“O hospital cancela as
[cirurgias] eletivas; os exames que podem ser adiados são adiados, os
tratamentos que podem ser adiados são adiados; e você dá prioridade para as
urgências ou os tratamentos que não devam ser remarcados”, acrescenta o
presidente.O dirigente da CNSaúde explica que diversos tratamentos não estão
sendo adiados por apenas 20 dias (período recomendado), mas sim por dois anos e
mais 20 dias, por conta da pandemia.“Na hora em que a população se sente segura
de voltar a realizar suas prevenções, seus check-ups, vem um desabastecimento
como esse”, lamenta.Todavia, existem terapias que não podem ser remarcadas e
dependem dos insumos.“Dentro desse desabastecimento, existe um risco de
prejuízo à saúde da população, como em uma clínica de diálise, onde não pode
faltar soro. A situação é diferente de uma tomografia para fazer uma prevenção,
verificar se tem algum risco cardíaco, que pode ser adiada por 20 dias sem
trazer risco nenhum”, complementa Monteiro.Necessidades da diálise No Brasil,
segundo dados da SBN (Sociedade Brasileira de Nefrologia), o número de
pacientes com DRC (doença renal crônica) avançada é crescente. Atualmente, mais
de 140 mil pacientes fazem diálise.De acordo com o nefrologista Claudio Luders,
do Hospital Sírio-Libanês, o procedimento é de alta complexidade, e o soro
fisiológico é essencial em diversas etapas."Antes de começar a diálise, o
sangue vai passar numa máquina, dentro de linhas (tubinhos), depois ele passa
no filtro e retorna para o paciente. Eu preciso preencher essas linhas com
algumas soluções para não ter ar lá dentro, então, ela é preenchida com soro
fisiológico. Essa etapa, se for o primeiro uso do paciente, não tem como ser
substituída”, esclarece Luders. Mas não é apenas nesse momento que o
profissional necessita da disponibilidade do soro.“Durante a sessão de diálise,
temos um soro presente caso o paciente tenha alguma queda de pressão ou
câimbras, por exemplo.”O nefrologista complementa dizendo que, no final da
sessão, o soro é crucial para devolver o sangue ao paciente, pois as linhas vão
ser preenchidas. O material até pode ser reaproveitado em outro momento, mas
tem limitações.“Para o paciente que faz diálise, os filtros e as linhas podem
ser reutilizados. Quando eles são reutilizados, são preenchidos com uma solução
desinfetante, um peróxido. Mas eu não consigo tirar esse peróxido sem soro,
consigo tirar uma boa parte, mas eu vou acabar lavando algumas partes dessas
linhas e eu vou precisar de soro. Logo, o impacto de não tê-lo é profundo,
praticamente inviabiliza fazer diálise”, alerta Luders.Cada paciente dialítico,
segundo o profissional, vai ter uma tolerância variável de dias sem o
procedimento. Podem ser dois, três, mas a partir de quatro dias ele já começa a
ter risco de morte.“Do pessoal que faz diálise, tem uma turma que tem diurese
residual, que urina um pouco, e esse paciente tem uma tolerância maior a ficar
um intervalo um pouquinho maior sem diálise. Mas para quem não urina nada, a
tolerância é muito baixa, e se ele está no esquema de diálise três vezes por
semana, habitualmente ele não pode perder nenhuma sessão, porque senão ele
passa a ter o risco de complicações muito graves e até fatais”, diz o
nefrologista. Desdobramentos Vale ressaltar que não apenas a diálise necessita
de soro, Luders reitera que as medicações hospitalares, geralmente, são
diluídas em algum soro. Sendo assim, ele é essencial.O presidente da CNSaúde
ressalta que o soro hospitalar é produzido “quase que na totalidade no Brasil”,
portanto não dependemos de mercados externos. “Esse é um problema que só
quem pode identificar é o Ministério da Saúde e a Anvisa — onde é que estaria
esse gargalo, essa dificuldade de produção que tem feito com que falte nas
nossas unidades. Nós somos dependentes deles, estamos aqui na ponta com a
dificuldade de comprar, tendo que adiar procedimentos, tendo que dar
justificativa para o usuário e esses órgãos não trazem, realmente, nenhuma
novidade”, aponta Monteiro.No caso dos contrastes radiológios, em nota o
Ministério da Saúde informou que os hospitais devem racionalizar o seu uso
“para exames e procedimentos médicos, até que ocorra a normalização do
fornecimento do produto”. Sendo assim, devem priorizar as emergências e
urgências, por exemplo.A pasta também autorizou recentemente um repasse de
quase R$ 127 milhões para compra de medicamentos nos estados, municípios e
Distrito Federal, de julho a setembro, por meio de uma portaria publicada no
DOU (Diário Oficial da União) na última quinta-feira (28). A expectativa é que
a situação se normalize após o período. O R7 pediu o posicionamento do ministério
sobre a falta de soro fisiológico, mas não obteve resposta até a publicação.(
Fonte R 7 Noticias Brasil) *Estagiária do R7 sob supervisão de Fernando Mellis.