Instituto
aponta que propostas para crianças e adolescentes que cometem infrações têm
viés punitivista e vão na contramão do ECA.
Sete em cada dez projetos no
Congresso Nacional envolvendo crianças e adolescentes que cometeram atos
infracionais conflitam com os princípios estabelecidos pelo ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente), legislação que visa à proteção integral de crianças
e adolescentes, assegurando a efetivação de seus direitos fundamentais.O
levantamento do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo), encomendado pelo Instituto Alana, mostra que 244 das 338 proposições
(ou 72%) relacionadas ao tema – desde a criação do ECA, em 1990 – seguem um
viés punitivista. Segundo a pesquisa, a maioria delas é sobre o aumento do
tempo de internação nas unidades socioeducacionais e a redução da maioridade
penal. Debate travado na Câmara desde a promulgação do estatuto, 32 anos atrás,
como destaca Thaisi Bauer, coordenadora do Grupo de Trabalho de Socioeducação
do movimento Agenda 227, reduzir a idade mínima para a imputação de pena é uma
medida preocupante, por dois motivos principais: o impacto orçamentário aos
estados e o fato de que, segundo Bauer, os adolescentes vão ser cada vez mais
lesados. “Isso fere o princípio da prioridade absoluta (em políticas
públicas e ações de governos), a garantia de direitos de crianças e
adolescentes, e que sejam livres de abuso, da violência. São propostas
contrárias aos princípios do ECA”, diz Bauer.Na avaliação de Ariel de Castro
Alves, advogado, especialista em direitos humanos e segurança pública,
propostas como essas são “demagógicas e oportunistas”, e possuem fins eleitoreiros.
“São propostas elaboradas por quem parece desconhecer as informações sobre a
criminalidade juvenil”, afirma o advogado e membro do Instituto Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, pontuando que a reincidência criminal em
sistemas socioeducativos é inferior à do sistema prisional.Reduzir a maioridade
penal e colocar mais adolescentes em presídios geraria, para ele, maior
violência e criminalidade juvenil.“Ao invés de os adolescentes ficarem em
unidades para até 60 jovens, com escola, atendimento de saúde, cursos
profissionalizantes, atendimento social e psicológico, iriam para presídios
superlotados, com 2.000 presos onde deveriam estar 600, sem escola, trabalho e
qualquer tipo de atividade. Ficariam em verdadeiras universidades do crime,
locais que o estado não controla, e, sim, as facções criminosas”, conclui
Alves. O estudo destaca, também, a ausência de transparência ou sistematização
de informações sobre os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e a
falta de dados sobre o funcionamento do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo) e de periodicidade nas avaliações de entidades e unidades
socioeducativas. No caso do Sinase, de acordo com o estudo, não há números
apresentados pela administração pública há três anos, além da falta de um
retrato atualizado do sistema nos últimos seis anos.As propostas analisadas
desde a promulgação do ECA tramitam no Congresso Nacional – em maioria, na
Câmara dos Deputados. O restante, no Senado.Alguns desses projetos têm avançado
rapidamente, destaca Thaisi Bauer: “O projeto dos agentes socioeducativos
integrados à segurança pública passou em três comissões só nesse ano. A
tramitação avançou, embora o projeto estivesse parado antes das eleições.”Agentes de unidades socioeducativas integrados à
segurança pública Um dos exemplos de propostas de caráter punitivista citados
pelos pesquisadores é o Projeto de Lei n° 3358, de 2019. Entre outros de mesma
finalidade, o PL considera de natureza policial a atividade de agentes
penitenciários e também a dos socioeducativos, transformando esses últimos em
integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública.“Essa tentativa
de mudança seria apagar completamente o Sinase, sistema pensado diretamente
para a exceção das medidas socioeducacionais. Queremos garantir que o caráter
educativo permaneça, fazendo alusão aos princípios do ECA e do SINASE aos
adolescentes e jovens que estão nesses espaços”, afirma Thaisi Bauer.Outros
projetos, como o PL 6438/2019, requerem a posse de armas aos agentes
socioeducativos e demais servidores públicos. Ariel de Castro Alves se põe
contra as duas medidas. Ele avalia que a inclusão desses profissionais na área
de segurança pública pode gerar mais casos de
maus-tratos nas unidades de internação. Episódios
corriqueiros, segundo o advogado. “Os agentes socioeducativos devem ser
socioeducadores, e não carcereiros ou policiais. Devem atuar como educadores
sociais, de forma pedagógica e visando à inclusão social dos adolescentes, e
não como repressores”, afirma Alves.O uso de armas de fogo nas unidades,
prossegue, poderia gerar tragédias em casos de conflitos e rebeliões, com
mortes de internos e funcionários: “Os funcionários podem, inclusive, ser
rendidos pelos internos e as armas seriam usadas contra eles.” Thaisi Bauer
também aponta que práticas de violência e tortura
contra os adolescentes nas unidades já são comuns,
levando alguns à morte.“Se temos tortura nas unidades já sem a presença de
armamentos letais, e já verificamos essa situação, imagina se os agentes
estiverem armados. Essas situações podem ser mais corriqueiras, e tira o
caráter pedagógico, deixando só o punitivista”, afirma a coordenadora da Agenda
227.A organização destaca, em nota, que PLs como esses desvirtuam o que deve
ser a função do agente socioeducativo e ferem vários dispositivos do ECA. Se
apresentariam, portanto, “como um risco à garantia dos direitos e a própria
integridade dos adolescentes em cumprimento das medidas socioeducativas”. Propostas do movimento A Agenda 227, movimento em
defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes como prioridade absoluta no
centro do debate eleitoral, apresentou a candidatos presidenciáveis 148
propostas de políticas relacionadas aos direitos dessa população.Dessas, sete
são sobre crianças e adolescentes que cometeram atos infracionais. As medidas,
segundo o texto da organização, “vão no sentido de garantir proteção a essa
parcela da população, com oportunidades e condições dignas de vida”.Os projetos
envolvem a regulamentação da carreira dos agentes socioeducativos, de forma a
garantir que sua atuação se baseie nas práticas pedagógicas e
ressocializadoras, impedindo que o profissional seja vinculado à segurança
pública.Outras medidas visam impedir a superlotação das unidades
socioeducativas; assegurar o direito à vida e à liberdade; o acesso de
adolescentes que sofrem ameaças de morte e serviços e políticas públicas;
garantir os princípios da excepcionalidade e brevidade da internação provisória
e fortalecer o caráter pedagógico das medidas, contando com um programa
nacional de educação e aprendizagem nas unidades.Crítico às propostas que
tramitam no Congresso Nacional, Ariel de Castro Alves considera que a
preocupação deveria se direcionar no cumprimento de leis como o ECA, “cobrando
políticas públicas e orçamentos que garantam a prioridade absoluta aos direitos
das crianças e adolescentes, conforme prevê a Constituição Federal”.As
fiscalização das unidades onde os adolescentes estão custodiados é mais um
ponto defendido pelo advogado: “visando, assim, à prevenção ao envolvimento com
a criminalidade, por meio da educação e oportunidades de trabalho, aprendizagem
e profissionalização.”( Fonte R 7 Noticias Brasil)