Guia Lilás serve como ferramenta para coibir comportamentos inadequados no ambiente de trabalho, e agir quando eles são identificados.
Lançada no início
de dezembro pela Controladoria-Geral da União (CGU), a segunda
versão
do Guia Lilás traz uma série de orientações sobre a prevenção e o
enfrentamento ao assédio moral e sexual e à discriminação no governo federal,
seja por parte da vítima ou do gestor público. O guia serve como ferramenta
para coibir comportamentos inadequados no ambiente de trabalho, e agir quando
eles são identificados. A ideia é que o documento seja uma referência para todo
o serviço público federal. A primeira versão do guia foi lançada em 2023. A
nova versão consolida uma série de aprendizados e referências do Grupo de
Trabalho Interministerial que elaborou o Plano Federal de Prevenção e
Enfrentamento ao Assédio e Discriminação na Administração Pública Federal,
publicado em outubro de 2024 pelo governo (Portaria 6.719/24). Entre
outros pontos, a nova versão do Guia Lilás insere as questões de gênero e raça
como temas centrais. Prevenção Um dos principais objetivos do
Guia Lilás é ajudar gestores e trabalhadores do setor público a lidar com as
chamadas micro violências do dia a dia, que muitas vezes são ignoradas, mas que
têm potencial para criar ambientes permissivos à violência, como explica a
ouvidora-geral da União, Ariana Frances. “O Guia Lilás se propõe a ser um
instrumento preventivo também, já que ele traz conceitos, um referencial de
exemplos para que as pessoas identifiquem situações e possam relatar nas
unidades devidas dentro das suas instituições, e o guia serve também para que
as lideranças identifiquem situações”, disse, em evento de lançamento do
guia. Muitas vezes, os assédios e as discriminações começam de
forma sutil, disfarçados como uma brincadeira de mau gosto ou um conflito
momentâneo, dificultando sua percepção como uma violação grave. Essa violência,
geralmente psicológica, atinge principalmente mulheres, pessoas negras,
indígenas, LGBTQIA+ e com deficiência, e deve ser combatida antes que se
agrave. Segundo estudo realizado pela Ouvidoria-Geral da União com dados
da plataforma Fala.Br, 87% da possível vítima de assédio sexual é do gênero
feminino e 95% dos denunciados por assédio sexual são do gênero
masculino. Régua da violência Uma
das inovações da nova versão do Guia Lilás é a chamada Régua da Violência, com
uma gradação da potencial violência de diversas atitudes, indo de
constrangimento e atitudes levemente ofensivas – como piadas que reforçam algum
tipo de inferioridade das mulheres –; passando por comportamentos bastante
ofensivos, como chamar uma pessoa por apelidos discriminatórios; até chegar ao
assédio sexual, que inclui comportamentos como sugerir que uma pessoa pode ser
punida caso não concorde em fazer sexo com o agressor e fazer massagens não
solicitadas, toques não consentidos, por exemplo. O guia cita exemplos de
violência ainda mais grave, que são comportamentos envolvendo coerção,
violência, ameaça ou agressão física. Exemplos são tentar beijar alguém à força
ou tocar nas partes sexuais de alguém. Definições O Guia Lilás
apresenta o conceito de assédio moral descrito em resolução de 2020 do CNJ:
violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa no
trabalho por meio de conduta abusiva, como humilhação, intimidação ou
constrangimento, independentemente de intenção. Alguns exemplos são privar
alguém do acesso aos instrumentos necessários para realizar o trabalho;
dificultar ou impedir promoções; segregar a pessoa assediada no ambiente de
trabalho; e atribuir tarefas humilhantes à pessoa. Para a mulher, existem ainda
outras formas de assédio moral, como insinuações de incompetência pelo fato de
ser mulher; questionar a sanidade mental da pessoa pelo fato de ser mulher;
apropriar-se das ideias de mulheres sem dar o devido crédito; e interromper
constantemente a fala de mulheres no ambiente de trabalho são alguns exemplos. Já
a discriminação compreende toda distinção, exclusão, restrição ou preferência
fundada na raça, etnia, cor, sexo, gênero, religião, opinião política, origem
social, idade, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, entre
outras. Inclui, ainda, a gordofobia e o capacitismo, que é o preconceito
direcionado a pessoas com deficiência. Redes de acolhimento E
como a administração pública deve acolher relatos de assédio sexual, assédio
moral e discriminação? O guia recomenda, primeiramente, a construção da rede de
acolhimento em cada órgão federal, que é uma das principais novidades do
programa Federal de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio e Discriminação na
Administração Pública Federal. Podem constituir a rede de acolhimento, por
exemplo, as unidades de gestão de pessoas (departamentos pessoais), as
ouvidorias, as comissões de ética setoriais, as unidades do Subsistema
Integrado de Atenção à Saúde do Servidor. Segundo a ouvidora-geral da
União, Ariana Frances, essa rede deve estar preparada para acolher e orientar a
vítima. “Essa rede de acolhimento deve ser composta por diversos servidores,
servidoras, pessoas que estão atuando na administração pública federal, ela
precisa refletir a diversidade que a gente tem dentro da instituição, então o
ideal é que tenha estagiário compondo essa rede, terceirizado compondo essa
rede, servidores de várias carreiras, também a área de gestão de pessoas,
eventualmente se tiver serviço de saúde, se tiver psicólogo e psicóloga
compondo a equipe do órgão”, explica. Fala.br A vítima
de assédio ou discriminação também pode procurar a ouvidoria do órgão onde
trabalha. Se sentir segurança para registrar seu relato, deve fazer uma
denúncia na plataforma do CGU Fala.br (falabr.cgu. gov.br). A denúncia pode ser
direcionada ao órgão onde ocorreu o fato ou à própria Controladoria Geral da
União. A denúncia poderá ser também recebida presencialmente na CGU. “Lá
na Corregedoria a gente passa por um juízo de admissibilidade e isso pode gerar
uma investigação preliminar que vai dar num PAD, um processo administrativo
disciplinar, ou então num TAC, um termo de ajustamento de conduta”, explica a
ouvidora-geral. Ariana Frances acrescenta que as áreas de gestão de pessoas de
cada órgão público ou as chefias podem tomar outras medidas de precaução para
cessar ou prevenir as violências. “Ampliar o número de horas que ela está em
trabalho remoto, liberar uma vaga de garagem se a situação assim requer,
transferir ela de unidade se uma instituição que tem outros prédios”,
cita. Lei aprovada O governo federal instituiu o
Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual, à Violência Sexual e
aos demais Crimes contra a Dignidade Sexual após a aprovação pelo Congresso e
publicação de lei, em 2023 (14.540/23),
criando o programa. Oriunda de uma medida provisória (MP 1140/22), a lei prevê
a implementação do programa em todos os órgãos públicos federais, estaduais e
municipais, nas escolas de ensino médio, nas universidades e nas empresas
privadas Pela lei, todos os órgãos e entidades envolvidos deverão elaborar
ações e estratégias destinadas à prevenção e ao enfrentamento do assédio sexual
e demais crimes contra a dignidade sexual, e de todas as formas de violência
sexual. Projetos de lei Na Câmara, tramitam dezenas de
propostas que visam implementar mais normas para coibir o assédio moral e
sexual no trabalho, seja no mercado privado ou no serviço público ou então para
tipificar na lei o crime de assédio moral. Os deputados já aprovaram um projeto
de lei com esse fim (PL 4742/01), que está parado no Senado. Mesmo sem uma
legislação específica, quem assedia e também quem discrimina pode ser
responsabilizado na Justiça – seja na esfera civil, por danos morais e
materiais, seja na esfera trabalhista ou administrativa, por infração disciplinar.
Já o racismo e assédio sexual podem resultar em prisão. Outro projeto de
lei (PL 6757/10) visa estabelecer indenização por coação moral no trabalho e
foi aprovado no Senado em 2010, mas está parado na Câmara desde então. Ele está
em análise junto com mais de 30 propostas apensadas a ele. Política
da Câmara Para os trabalhadores da Câmara dos Deputados, uma portaria
do ano passado institui a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio
Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação. A política prevê que o Programa de
Valorização do Servidor (Pró-Ser) é o principal canal para acolher, escutar e
orientar as vítimas, sejam servidores, estagiários, aprendizes, prestadores de
serviços ou outros colaboradores. Com a anuência da vítima, o Pró-Ser pode
realizar medidas de acolhimento e, quando cabível, práticas de conciliação. Se
a vítima quiser, também poderá encaminhar o caso de assédio moral, sexual e de
discriminação ao Departamento de Polícia Legislativa, se houver indícios de
crime, ou à Comissão Permanente de Disciplina. Os casos também poderão ser
encaminhados à Ouvidoria da Câmara dos Deputados e, nos casos de denúncias de
violência e discriminação contra a mulher, à Procuradoria da Mulher. A política
também estabelece que o chefe da unidade administrativa que tiver ciência de
notícia de assédio moral, de assédio sexual e de discriminação informará
imediatamente o fato à Diretoria de Recursos Humanos. A Comissão
Permanente de Disciplina (Coped) é responsável por apurar as denúncias
encaminhadas por qualquer desses órgãos ou pelo chefe superior. Segundo
informações da Coped, é instaurado um processo administrativo disciplinar e
formada uma comissão com três integrantes, que apura as infrações praticadas
pelos servidores. Ao final, se a comissão confirmar a denúncia, produz um
relatório e propõe a penalidade. Quem aplica é o diretor-geral, o primeiro
secretário ou presidente da Câmara dos Deputados. No caso de assédio ou
discriminação cometido por deputados, quem define penas é a Corregedoria da
Câmara. Procuradoria da Mulher De acordo com o Regimento
Interno da Câmara dos Deputados, a Secretaria da Mulher, composta pela
Procuradoria da Mulher e pela Coordenadoria dos Direitos da Mulher, também
conta com o Comitê de Defesa da Mulher contra Assédio Moral ou Sexual. Porém,
ele ainda não foi criado. Na ausência dele, a Procuradoria da mulher tem
competência para “receber, examinar denúncias de violência e discriminação
contra a mulher e encaminhá-las aos órgãos competentes”. A atuação da
Procuradoria é complementar, não substituindo a atuação de delegacias ou
Ministério Público, mas o órgão age em apoio aos casos onde há falhas ou
omissões desses serviços. A denúncia pode ser enviada por diferentes meios,
sendo o e-mail o canal preferencial. Caso seja feita por telefone, atendimento
presencial ou redes sociais, é sempre solicitado que a formalização seja
realizada via e-mail. Quando o caso envolve omissão de serviços (como
atendimento inadequado em delegacias ou processos judiciais paralisados), a
Procuradoria encaminha ofícios aos órgãos competentes solicitando
providências. A procuradoria esclarece que “a atuação do órgão não
substitui as atribuições das delegacias ou do Ministério Público, mas busca
garantir que as vítimas tenham acesso às medidas protetivas e aos seus
direitos”. Reportagem – Lara Haje Edição – Ana Chalub Fonte: Agência
Câmara de Notícias
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