Lei
Geral do Esporte: o que muda com o projeto aprovado na Comissão de Educação.
O projeto da Nova Lei Geral do Esporte, que, após
a sua aprovação nesta quinta-feira (26) na Comissão de
Educação, Cultura e Esporte (CE), ficou com 218 artigos, teve uma
longa tramitação no Senado. O texto é fruto do trabalho de comissão de juristas
constituída no Senado e presidida por Caio César Vieira Rocha, advogado e
vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), encerrada em
2016. No ano seguinte, a Comissão Diretora do Senado adotou a proposta,
apresentando-a em forma de projeto (PLS 68/2017), então com 270 artigos. Foi a Comissão
Diretora que deu à proposta o caráter de código desportivo, que aborda desde a
política de prevenção ao doping até a criação do Sistema Nacional do Esporte,
dos fundos de financiamento da atividade e dos planos decenais de estados,
Distrito Federal e municípios. Veja a seguir os principais pontos da proposta
aprovada na CE, com base no trabalho da relatora, senadora Leila Barros
(PDT-DF). Alterações A primeira alteração feita por Leila Barros no seu
substitutivo foi a retomada do conceito de esporte anteriormente proposto pelo
projeto. O texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) havia
excluído a previsão de que o esporte seria uma atividade “predominantemente
física”, para contemplar, por exemplo, enxadrismo e jogos eletrônicos. Mas
Leila retomou a expressão, ao conceituar esporte como “toda forma de atividade
predominantemente física que, de modo informal ou organizado, tenha por
objetivo atividades recreativas, a promoção da saúde, o alto rendimento
esportivo ou o entretenimento”. — Parece-nos indiscutível que o conceito de
esporte deva incluir, em algum grau, a prática de atividade física —
alegou Leila quando leu seu voto. Corrupção Pelo texto aprovado na
CE, cometerá crime o representante de organização esportiva privada que exigir,
solicitar, receber ou mesmo aceitar promessa de vantagem indevida para realizar
ou omitir ato inerente às suas atribuições. A pena será de dois a quatro anos.
Estará sujeito às mesmas penas quem corromper ou tentar corromper representante
da organização esportiva privada. Entre as organizações esportivas privadas sem
fins lucrativos, estão o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o Comitê
Paraolímpico Brasileiro (CPB), a Confederação Brasileira de Futebol (CBF),
clubes de futebol e outras entidades nacionais de administração do desporto. No
ano passado, foi sancionada a Lei 14.193, de 2021, que permite aos clubes de
futebol se constituírem como sociedade anônima, com fins lucrativos. Racismo
Em relação a racismo, xenofobia e intolerância no esporte, o projeto cria a
Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte
(Anesporte), ligada à Secretaria Especial do Esporte do Ministério da
Cidadania. À autoridade, caberá formular e executar políticas públicas para
combater o problema, principalmente nos estádios de futebol. A Anesporte também
poderá aplicar sanções administrativas a pessoas, associações, clubes ou
empresas que praticarem intolerância no esporte. As multas variam de infrações
leves, R$ 500 a
R$ 3 mil; infrações graves, R$ 3 mil a R$ 60 mil; e infrações muito graves, R$
60 mil a R$ 2 milhões. O projeto ainda autoriza os estados a criar juizados do
torcedor, órgãos da Justiça ordinária com competência cível e criminal, para
julgar causas relacionadas à discriminação no esporte. Liberdade de expressão Leila
Barros incorporou ao substitutivo a ideia contida no PLS 5.004/2020, do senador Romário (PL-RJ), que
dispõe sobre vedação de imposição de penas disciplinares a atletas por livre
expressão. O objetivo, segundo ela, é garantir a atleta, treinadores, árbitros
e demais pessoas envolvidas nas competições esportivas o direito à liberdade de
expressão, expressamente assegurado pela Constituição federal. Leis
trabalhistas O texto atribui diversas responsabilidades às organizações
esportivas em relação aos atletas, entre elas proporcionar condições à
participação nas competições e treinos, submeter os atletas a exames médicos
periódicos, garantir condições de trabalho dignas aos demais profissionais,
incluídos os treinadores, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais. A
remuneração e outros direitos, como cláusula indenizatória, deverão ser
pactuados em contrato especial de trabalho esportivo, com vigência nunca
inferior a três meses nem superior a cinco anos. Quando o contrato especial de
trabalho esportivo for de menos de um ano, o atleta profissional terá direito a
saldo proporcional aos meses trabalhados durante a vigência do contrato,
referentes a férias, abono de férias e 13º salário. Cessão e transferência A
matéria estabelece que fica facultada a cessão de atleta profissional da
organização esportiva contratante para outra, durante a vigência de seu
contrato especial. Na cessão ou transferência de atleta para o exterior, serão
observadas as normas regulatórias da modalidade esportiva no Brasil. Já a
participação de atletas em seleções será estabelecida em acordo firmado pela
organização esportiva convocadora e pela cedente. Barros acatou ainda uma
emenda de Romário para dar mais segurança jurídica ao atleta nos contratos de
cessão celebrados entre organizações esportivas. A intenção é permitir que o
atleta cedido retorne à organização esportiva cedente em caso de não pagamento
de seus salários por parte da organização cessionária. Além disso, prevê, para
esse mesmo caso, a incidência de cláusula compensatória devida ao atleta pela
organização inadimplente. Transição profissional Pelo substitutivo aprovado, a
Federação das Associações de Atletas Profissionais (Faap) manterá programas
assistenciais de transição de carreira ao atleta profissional, com ações
educativas, de promoção da saúde física e mental e assistenciais, visando à sua
recolocação no ambiente de trabalho, especialmente para que tenha possibilidade
de continuar a se dedicar de outro modo ao esporte. Além dos recursos previstos
no Orçamento da União, os programas de transição executados diretamente pela
Faap ou em parcerias com organizações esportivas receberão 0,5% do valor
correspondente às parcelas do salário dos atletas a serem pagos mensalmente
pela organização esportiva contratante, e 1% do valor correspondente às
transferências nacionais e internacionais, a serem pagos pela organização
esportiva cedente. Pelo substitutivo aprovado na CCJ, esses recursos destinados
a programas de transição seriam recolhidos pela organização esportiva ao INSS.
Mas a relatora defendeu que a canalização dos recursos a uma entidade
assistencial é uma medida mais efetiva do que o repasse às contas do INSS, onde
esses valores, na avaliação dela, dificilmente seriam individualizados e
aplicados integralmente em benefício desses atletas. Para aumentar o controle
sobre os recursos recolhidos à Faap, ela incluiu dispositivo que exige a
apresentação, à Secretaria Especial do Esporte, a cada dois anos, de suas
demonstrações financeiras, juntamente com os respectivos relatórios de
auditoria externa independente. Doações e patrocínios Segundo o projeto,
a União facultará às pessoas ou empresas a opção pela aplicação no esporte de
parcelas do Imposto de Renda, a título de doações ou patrocínios. Os valores
serão limitados ao máximo de 7% do imposto devido para pessoas físicas, e de
3%, para empresas. Poderá ser doado dinheiro a projetos esportivos dos três
níveis de formação — jovens, alto rendimento, ou adultos e pessoas da terceira
idade —, e de inclusão social por meio do esporte, preferencialmente em
comunidades de vulnerabilidade social, com prioridade para o esporte
educacional e o paradesporto. O dinheiro poderá ser doado ainda ao Fundo
Nacional do Esporte (Fundesporte), com destinação livre ou direcionada a
programas, ações e projetos esportivos específicos, sob a forma de doação, ou
com destinação especificada pelo patrocinador, sob a forma de patrocínio, na
forma do regulamento. A Secretaria Especial do Esporte encaminhará ao
Congresso relatórios detalhados acerca da destinação dos valores. Deverá também
regular aplicação dos recursos provenientes das deduções e benefícios fiscais,
para fins de acompanhamento e fiscalização orçamentária das operações
realizadas. Exploração de imagens Pelo texto aprovado, a difusão de imagens
captadas em eventos esportivos será passível de exploração comercial. Esse
direito de exploração pertence às organizações esportivas mandantes. Elas podem
negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão,
a retransmissão ou a reprodução de imagens de evento esportivo de que participem.
Salvo convenção ou acordo coletivo de trabalho em contrário, 5% do dinheiro da
exploração de imagens será repassado aos atletas profissionais participantes,
proporcionalmente à quantidade de partidas ou provas disputadas. O
pagamento dessa porcentagem será feito aos sindicatos das categorias
esportivas, que serão responsáveis pelo repasse aos atletas no prazo de até 72
horas do recebimento das verbas. Imagem para fins jornalísticos No prazo de
duas horas após o fim do evento esportivo, o detentor dos direitos de difusão
de imagens será obrigado a disponibilizar parte das imagens aos veículos de
comunicação interessados na retransmissão para fins exclusivamente
jornalísticos. A retransmissão se destina à inclusão em noticiário, após a
realização da partida ou evento esportivo, sempre com finalidade informativa,
sendo proibida a associação de parcela de imagens a qualquer forma de
patrocínio, promoção, publicidade ou atividade de marketing. Direito de imagem O
direito de uso da imagem pertence ao atleta e pode ser por ele cedido ou
explorado por terceiros. A cessão de direito de imagem não substitui a
remuneração do atleta. O pagamento pelo uso de sua imagem não poderá́ ser
superior a 40% da remuneração estabelecida em contrato de trabalho. Eventos de
rua Leila Barros incluiu no projeto a previsão de que eventos de rua que
cobrarem inscrições dos participantes ou competidores sejam autorizados e
supervisionados por organização esportiva que administra ou regula a respectiva
modalidade. Ela também desburocratizou a liberação de atleta servidor
público civil ou militar convocado para integrar representação nacional em
treinamento ou competição esportiva no país ou no exterior, além de estender a
previsão contida nesse mesmo artigo aos treinadores e árbitros. Sistema
Nacional do Esporte O texto cria o Sistema Nacional do Esporte (Sinesp), que
dispõe sobre a repartição de competências e a organização administrativa. De
caráter descentralizado e participativo, caberá ao Sinesp a gestão e a promoção
de políticas públicas para o esporte. O sistema será integrado pela União e
pelos outros entes federativos que a ele aderirem, bem como por seus
respectivos conselhos e fundos de esporte e pelas organizações que atuam na
área esportiva, formando subsistemas de acordo com cada nível de prática
esportiva. Na CCJ, foi estabelecido que a adesão dos entes federados ao Sinesp
seria voluntária — medida mantida pela CE. A atual Lei do Desporto (Lei 9.615, de 1998) prevê a existência do Sistema Nacional do
Desporto (e não do Esporte), mas com características diversas das previstas no
projeto, pois não engloba os sistemas de desporto de estados, Distrito Federal
e municípios. O esquema de repartição de competências, previsto no projeto, se
espelha no adotado em outras políticas públicas, como as de assistência social,
saúde e educação. A União, por meio de transferência automática, deverá
cofinanciar programas e projetos de âmbito nacional, com prioridade para o
nível de formação esportiva, especialmente o esporte educacional; manter
programas e projetos próprios ou em colaboração para fomento da prática
esportiva no nível de excelência; e realizar o monitoramento e avaliação das
ações do Plano Nacional Decenal do Esporte (Plandesp). Aos estados caberá, além
de cofinanciar programas e projetos, atender às ações esportivas, com
prioridade para os níveis de formação e vivência esportiva, destinar recursos
prioritariamente para o esporte educacional, estimular e apoiar associações e
consórcios de municípios, monitorar e avaliar o plano estadual de esporte e
executar políticas cujos custos ou cuja ausência de demanda municipal
justifiquem uma rede regionalizada de serviços. Já aos municípios, além de participar
do cofinanciamento das políticas públicas esportivas, caberá executá-las em
todos os níveis, dando prioridade ao esporte educacional, dispor de
profissionais e locais adequados para a prática esportiva e realizar o
monitoramento e a avaliação do plano municipal de esporte. Prevenção ao doping Atualmente,
o doping é tratado pela Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD),
órgão vinculado à Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. Às
organizações privadas componentes do Sistema Nacional do Esporte incumbe a
adoção, a implementação e a aplicação de regras antidopagem. Sobre a questão,
Leila Barros incluiu na composição da Justiça Esportiva Antidopagem (JAD),
representantes de organizações que administram e regulam o esporte, de
entidades sindicais dos atletas e do Poder Executivo. Além disso, previu a
paridade entre homens e mulheres na composição dessa justiça. Conselhos e
participação civil O projeto prevê a existência de conselhos de esporte nos
níveis federal, estadual, distrital e municipal como instâncias deliberativas
do Sinesp, de composição paritária entre governo e sociedade civil. Além disso,
regulamenta a organização do Conselho Nacional do Esporte, aumentando a
influência da sociedade civil, em especial das organizações e atores
diretamente envolvidos na atividade esportiva. O conselho terá o total de 36
membros e apenas metade será de representantes governamentais (entre eles, um
parlamentar, uma pessoa do Ministério da Defesa, três representantes dos
estados e quatro dos municípios). A outra metade do Conselho será composta
somente de representantes da sociedade civil, entre eles, representantes dos
comitês olímpico e paraolímpico, representantes dos clubes, membros dos
conselhos estaduais e municipais, representantes dos atletas olímpicos, de
instituições de pesquisa, de juristas esportivos e um representante de
organizações esportivas dos povos indígenas. Para aumentar a participação
social na elaboração das políticas do setor, o projeto prevê a realização, a
cada quatro anos, de conferências de esporte em cada esfera de governo para
avaliar a situação do esporte, propor diretrizes para a formulação das respectivas
políticas públicas e para a elaboração dos planos decenais do esporte. A
realização de conferências nesses moldes já é prática consolidada em outros
setores, como o da saúde, assistência e cultura. Plano O projeto
estabelece que uma lei federal crie o Plano Nacional do Esporte (Plandesp), que
valerá por dez anos, com o objetivo de articular o Sistema Nacional do Esporte
em regime de colaboração. O plano deverá também definir diretrizes, objetivos,
metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e o
desenvolvimento do esporte em seus diversos níveis e serviços por meio de ações
integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas, em
cooperação com o setor privado. As organizações esportivas, ainda que
integrantes do Sinesp, são autônomas quanto à normatização interna para
realizar a autorregulação, autogoverno e autoadministração, inclusive no que se
refere ao regramento próprio da prática e de competições nas modalidades
esportivas, em sua estruturação interna, na forma de escolha de seus dirigentes
e membros e quanto à associação a outras organizações ou instituições. Entre as
atribuições do plano, Leila Barros incluiu a valorização dos profissionais que
trabalham com os atletas, como fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista,
fisiatra, fisiologista e médico. Fundos de entes federados O texto institui
fundos de esporte em cada esfera de governo, que serão geridos pelo órgão de
cada ente federativo responsável pela coordenação das atividades esportivas,
sob orientação e controle do respectivo conselho de esporte. Cada fundo será
dotado de recursos provenientes do próprio ente que o administrar e de
transferências automáticas. A matéria determina ainda que as transferências de
recursos do Fundesporte a estados, DF e municípios somente poderão ser feitas
se o ente recebedor contar com conselho, fundo e plano de esporte próprios, e
comprovar a alocação, em seu orçamento, de recursos próprios destinados ao
esporte. O projeto também disciplina a fiscalização do uso dos recursos,
admitindo o duplo controle, a cargo dos órgãos fiscalizadores do ente recebedor
e do ente repassador dos recursos. Fundesporte A criação do Fundo Nacional do
Esporte ainda depende da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/2017, em tramitação na CCJ. Mesmo assim, o
projeto já trata desse fundo, definindo seus objetivos, entre os quais garantir
recursos para a prática de educação física e a valorização dos profissionais, a
universalização e descentralização dos programas de esporte e a construção e
manutenção de instalações esportivas. O substitutivo aprovado acrescentou a
esses objetivos o fomento a estudo, pesquisa e avanço tecnológico na área do
esporte e a criação de programas de capacitação e formação de treinadores. Leila
acrescentou entre os objetivos do Fundesporte a prioridade aos serviços que
compõem a formação esportiva e o esporte para toda vida — e suprimiu desses
objetivos o desenvolvimento de atletas de alto nível. Essa mudança de
prioridade foi feita porque a maior parte dos recursos das loterias destinados
ao esporte já é repassada diretamente ao Comitê Olímpico do Brasil (COB),
Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) e outras
organizações voltadas ao nível de excelência esportiva, argumenta a relatora. Leila
ainda incorporou ao substitutivo a previsão de que as organizações esportivas
precisam estar no Cadastro Nacional de Organizações Esportivas para receber os
recursos do Fundesporte. O projeto veda a utilização dos recursos do
Fundesporte para remuneração de pessoal e encargos sociais. Níveis O texto
divide a prática esportiva em três níveis, integrados: formação esportiva
(destinada aos jovens); excelência esportiva (desporto de alto rendimento) e
esporte para toda a vida (para adultos e pessoas da terceira idade). Todos
devem compreender o fomento e a difusão do conhecimento científico, tecnológico
e inovação, por meio do apoio a pesquisas e produções científicas, programas de
formação e outros tipos de processos de transmissão de conhecimento no âmbito
do esporte. Bolsa-Atleta O texto aprovado incorpora o Bolsa-Atleta, que é
um benefício já previsto na Lei 10.891 de 2004, a uma política de Estado. O
incentivo é destinado prioritariamente aos atletas praticantes do esporte de
alto rendimento em modalidades olímpicas e paraolímpicas. Divide-se em seis
categorias: atleta de base; estudantil; atleta nacional; atleta internacional;
atleta olímpico ou paralímpico; e atleta pódio. Fonte: Agência Senado