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domingo, 13 de março de 2022

VIDANEWS - Filha acha carta de pai em LP de Lennon escrita antes de ela nascer.

 

Beatlemaníaco escreveu texto para que ela lesse quando fizesse 15 anos; ele morreu em 2021 de Covid sem dizer onde estava a carta.

Imagine um pai que é fã de Beatles e resolve escrever uma carta para a filha ainda na barriga da mãe. Ele esconde a correspondência no meio de um disco de sua coleção e decide que ela deverá ler o texto apenas quando fizer 15 anos. O problema é que veio a pandemia de Covid-19, a família passou por dificuldades financeiras e o LP acabou vendido, junto com centenas de outras gravações, para diversas pessoas, e o paradeiro da carta ficou desconhecido. A sorte é que um comprador encontrou o “presente” do pai e conseguiu entregar à mãe da menina antes da data determinada. A estudante Bárbara Schneider completou 15 anos no último dia 4 de março. Em 2021, exatamente uma semana depois de fazer 14 anos, ela perdeu o pai, Karlo Schneider, vítima de Covid. Profissional do setor de hotelaria no Rio Grande do Norte, ele ficou desempregado com a pandemia e precisou vender sua a maior parte de sua coleção. A família teve pouco menos de um ano para encontrar a mensagem. Começou então uma verdadeira “caça ao tesouro”, mobilizando amigos e fãs de Beatles em todo o país. A história ficou conhecida nacionalmente depois de divulgada pelo professor Gilvan Moura em seu canal sobre os Beatles no YouTube, a Beatles School. A propagação do caso em grande escala fez com que um dos compradores encontrasse a carta, que chegou às mãos da mãe de Bárbara, a designer gráfico Alcione Araújo, no final do ano passado, três meses antes do aniversário da filha. “Quando recebi a carta eu pensei: vou respeitar a vontade dela. Ela é uma adolescente, tem toda uma emoção da perda do pai, dessa história envolvida, tudo fica muito mais forte. Então eu perguntei ‘você quer ler a carta agora?’. E ela respondeu que só queria ler no dia do aniversário, como era a vontade do pai”, diz Alcione. Bárbara conta que ficou muito ansiosa, mas ao mesmo tempo feliz por saber que teria o que chamou de “último contato” com o pai. Ela diz que passou todo o ano de 2021 na expectativa, querendo encontrar as folhas de papel com a mensagem dele “o mais rápido possível” e que teve um misto de sentimentos quando a mãe falou que tinha achado a carta. “Eu fiquei muito surpresa, mas foi muito confortante ter essa oportunidade de ler algo dele diretamente para mim. Fiquei muito feliz e conseguiu completar meu dia de uma forma inexplicável”, afirma Bárbara. Apesar da ansiedade, ela não quis ler a carta logo que o calendário marcou 4 de março. Bárbara seguiu a rotina praticamente como nos dias comuns e deixou o momento do “reencontro” para a noite. A estudante queria que fosse algo especial, feito com calma e que fosse como se ela e o pai estivessem no mesmo ambiente novamente por mais um instante. “É como se eu escutasse ele lendo para mim. É um momento só meu e dele, em que eu posso escutá-lo falando comigo de uma forma muito especial. Penso em como as coisas mudaram de lá para cá e me pergunto ‘e se acontecesse [de modo] diferente?’”, declara. A carta Desde que recebeu o presente, Bárbara já leu o texto oito vezes. Nas primeiras linhas, o pai diz que “parece estranho eu estar escrevendo te desejando feliz aniversário 15 anos antes de você completar 15 anos”. Sempre com bom humor, Schneider fala que já ama a filha, mesmo ela tendo mostrado a língua para os pais durante o exame de ultrassom.Ele pergunta as preferências da filha, como foi o parto dela, quem é a melhor amiga, como foram os primeiros passos, as primeiras palavras, se ela já fez viagem internacional, se toca guitarra, se é boa em matemática e até se Mossoró (no Rio Grande do Norte, terra natal de Schneider) ainda é uma cidade quente. O pai também brinca dizendo que a filha poderia ter se chamado Juan, algo relacionado aos Beatles ou “algum nome estranho em alemão,como kugelschreiber (lapiseira)”. Em outro momento há a menção de que a família não tomaria refrigerante durante a infância da estudante. Schneider também se declara beatlemaníaco e pergunta se Paul McCartney ainda está vivo. A última questão é sobre quem matou a personagem Odete Roitman, em referência a um dos mais famosos mistérios da dramaturgia brasileira (parte da trama da novela Vale Tudo). Bárbara diz que seu momento preferido é quando o pai se refere ao amor em família. “O trecho que eu tive mais carinho foi no que ele disse que é apaixonado pela minha mãe”, se emociona. A carta não tem assinatura e nem mesmo foi finalizada. Logo após o trecho em que enumera perguntas, Schneider escreve “estamos morando” sem dar um complemento à frase. Esse trecho é grafado com a tinta cada vez mais fraca. “Eu acredito que realmente tenha acabado a tinta da caneta, mas todo dia eu me pergunto o porquê de ele não ter pego outra caneta para terminar a carta”, afirma a estudante. Letra ‘e música’ Alcione diz que não leu o que estava escrito na carta e que preferiu deixar que a filha o fizesse, afinal o marido havia enviado para ela. Mesmo assim, a designer tratou de olhar a correspondência para constatar se o texto era mesmo de Schneider. A começar pelo título “Minha Bonequinha”, um termo usado comumente para se referir à menina, e pela caligrafia, não houve dúvida sobre a autoria da mensagem. “No final do ano passado, mexendo em nossas coisas, eu encontrei um poema dele sobre querer falar coisas mesmo não estando aqui. Achei muito parecido com o momento que ele estava vivendo. E eu tatuei no braço um poema dele, com a letra dele. Então eu reconheceria a letra dele em qualquer lugar”, conta Alcione. A frase que está no braço dela é "Se eu estivesse aqui eu saberia que nunca deixei de estar". A tatuagem faz também uma menção aos Beatles. Na imagem a família está atravessando uma faixa de pedestres, assim como os integrantes da banda fazem na capa do disco "Abbey Road", lançado em 1969.Ela diz ter ficado feliz com o fato de a carta ter sido encontrada. Depois de tudo o que aconteceu, o fato de a correspondência ter chegado às mãos da filha foi uma vitória. “Eu acho que era o maior presente que ela poderia ter de aniversário de 15 anos”, disse a mãe. Aniversário de morte de John Lennon Quem conheceu Karlo Schneider diz que ele gostava de fazer associações entre as coisas que apreciava, de usar os Beatles como referência comum aos assuntos cotidianos. Assim, o fato de ter escrito a carta em 8 de dezembro de 2006 pode não ter sido mera coincidência, como a própria Bárbara diz acreditar. “Acho, sim, que tem relação. Meu pai sempre pensava em tudo, me contava todas as datas, acontecimentos muito detalhados. Ele sabia decorar e aprender de uma forma muito rápida. Então tenho certeza que ele colocou nesse vinil e escreveu nesse dia de propósito”, declara. Foi em um 8 de dezembro, em 1980, que John Lennon morreu. Ele levou cinco tiros em frente ao prédio onde morava, em Nova York, chegou a ser socorrido, mas não resistiu. A carta escrita para a estudante foi encontrada justamente em um disco de Lennon: a trilha sonora do documentário “Imagine”, lançado em 1988 e que reúne canções dos Beatles e da carreira solo. Caça ao tesouro Sabendo da existência da carta, a família iniciou a busca nos cerca de 150 discos da coleção que não haviam sido vendidos. Sem sucesso, foi hora de procurar a mensagem entre os 600 itens que haviam sido comercializados, entre LPs, CDs e DVDs.Alcione conta que a missão era muito difícil porque alguns dos discos eram itens de colecionador e foram vendidos para um público muito diversificado, de pessoas sem proximidade com Schneider e a família. Muitos dos apreciadores desse tipo de arte têm o costume de guardar as peças “raras”, artigos históricos e itens exclusivos quase que a sete chaves, preferindo escutar apenas as cópias mais “comuns” e preservar o produto especial. “O Karlo tinha uns discos que ele nem abria”, diz ela. Um desses compradores tinha adquirido o LP com a trilha do documentário “Imagine”. Alcione afirma que o homem que estava com o disco entrou em contato com ela no final do ano passado, ligando de um telefone sem identificação.Ele disse que tinha recebido um lote de discos e que verificaria se a correspondência estava em algum deles. A entrega ocorreu em dezembro, quando a mãe saiu de Caicó, no interior do Rio Grande do Norte, para ir até a capital do estado receber a encomenda. “Quando eu cheguei lá ele não disse que estava com as cartas, ele só disse que tinha um presente para a Bárbara. E quando eu cheguei lá ele estava com o [disco de] vinil na mão, e eu já sabia o que era, né? Que era um vinil ‘Imagine’. Não era possível que ele quisesse me dar um vinil que não tivesse a carta dentro. E realmente era o vinil [com a correspondência]”, afirma.O homem que adquiriu o disco “premiado” também perdeu uma pessoa querida por causa da Covid: o filho. Entre o primeiro contato e a entrega do material, ele disse que faria uma viagem justamente para conseguir lidar com o luto. Segundo Alcione, o comprador preservou a identidade e nem forneceu telefone ou outro contato temendo maior exposição.Outras duas cartas foram encontradas dentro do mesmo LP. Elas foram escritas por um amigo de Schneider chamado Fernando Segundo. Bárbara conta que as correspondências trazem informações sobre acontecimentos de 2006, ano em que foram escritas.É possível que outras cartas escritas para Bárbara estejam dentro de capas de discos. De acordo com a escritora Ulla Saraiva, amiga de Schneider e da família, ao menos quatro textos foram escritos na época. “Pelo que a gente sabe, uma dele [o pai] e três de amigos, uma minha inclusa.” Mesmo tendo passado o aniversário de 15 anos da estudante, a família e os amigos têm interesse em conhecer essas outras correspondências. Depois de uma década e meia, nem mesmo os autores têm tanta certeza sobre o conteúdo. “Mas era algo como conselhos para a vida adulta”, afirma Ulla.Desse modo, a caça ao tesouro continua. Se as outras cartas não forem encontradas, pelo menos a filha de Schneider teve a oportunidade de ler e se emocionar com uma mensagem escrita especialmente para ela dentro do prazo previsto pelo pai. Agora, é esperar pelos novos acontecimentos ou, como diz uma música dos Beatles, a canção preferida de Bárbara, deixar estar (Lei it Be).( Fonte R 7 Noticias Brasil)

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