Um dos aspectos mais dolorosos desse processo migratório é a vulnerabilidade a que muitas mulheres brasileiras são expostas.
A migração brasileira contemporânea para países como Estados Unidos, Portugal e Holanda, especialmente para centros urbanos como Las Vegas, Lisboa ou Amsterdã, carrega consigo um ideal: o de que fora do Brasil há justiça, ordem, segurança e, sobretudo, riqueza. Esse fenômeno sociocultural, frequentemente chamado de “fuga da desesperança”, nasce da combinação entre desigualdade social interna, violência estrutural, desemprego e desilusão com a classe política nacional. As imagens veiculadas em redes sociais e plataformas midiáticas reforçam esse imaginário com cenas de consumo, liberdade e aparente bem-estar. No entanto, o chamado “elo dourado” que muitos buscam no exterior frequentemente se desfaz diante da dura realidade da sobrevivência. A maioria dos imigrantes brasileiros que partem para essas terras o faz sem domínio pleno do idioma local, sem qualificação validada, e sem redes familiares ou sociais sólidas. É assim que, na chegada, enfrentam os choques da realidade: longas jornadas de trabalho precarizado, dificuldade de acesso a moradia, e uma vida pautada por privações. Como resultado, em países que prometiam liberdade e abundância, muitos brasileiros terminam vivendo à margem — literalmente. Las Vegas, símbolo global do entretenimento e da fortuna, tornou-se também o palco de uma realidade subterrânea. Nos túneis que atravessam o subsolo da cidade, vivem centenas de pessoas, entre elas, brasileiros. Eles se tornaram os “homens-toupeira” do capitalismo contemporâneo: invisíveis, abandonados, expulsos da superfície luminosa para a escuridão das galerias. Esse fenômeno é reflexo direto da desigualdade social dos Estados Unidos, país que, apesar de sua potência econômica, mantém níveis críticos de pobreza urbana. Os dados demonstram que em cidades como Los Angeles e San Francisco há mais de 100 mil pessoas vivendo em situação de rua — com abrigos insuficientes e políticas públicas que se limitam a retirar barracas e proibir ocupações. Em Las Vegas, por exemplo, a legislação restringe o uso de carrinhos de supermercado — mesmo que usados apenas para transporte — e exige que os sem-teto mantenham distância mínima de 18 metros de entradas de elevadores. Tais normas são claras estratégias de invisibilização, negando a presença dos marginalizados. Na Holanda, particularmente em Amsterdã, observa-se outra face da exclusão: o alto custo de vida, o clima inclemente e a alienação urbana. Chove com frequência, independentemente da estação. Ventos fortes cortam as ruas e, mesmo em dias de temperatura amena, a sensação térmica é de frio intenso. Os becos do centro histórico estão repletos de jovens que aparentam alegria, mas cuja expressão, muitas vezes, denuncia o efeito de drogas recreativas ou álcool. Trata-se de uma euforia fabricada, comercializada e incorporada como um estilo de vida. Ao andar pelas ruas na região da Praça Led Zeppelin, situada a uma certa distância do Distrito Vermelho, nota-se um sorriso generalizado nos rostos de muitos transeuntes em regra mais jovens. Contudo, esses sorrisos não parecem tão naturais: são impulsionados, alterados, provavelmente resultado de substâncias químicas ou excesso de álcool. Essa impressão se reforça pela atmosfera de euforia constante que toma conta dos becos e canais. Não se trata apenas de liberdade: há ali um processo de dissociação entre o corpo e o entorno, entre a presença e o pertencimento. Um dos aspectos mais dolorosos desse processo migratório é a vulnerabilidade a que muitas mulheres brasileiras são expostas. A promessa de empregos dignos se converte, algumas vezes, em inserção em redes transnacionais de prostituição. Cidades como Lisboa, Amsterdã e Las Vegas tornam-se palcos da chamada “máfia do sexo”, que coisifica e comercializa o corpo feminino com a conivência, ou omissão, dos poderes locais. Essa indústria do desejo conta com estruturas articuladas de agenciamento, vigilância, coerção e, muitas vezes, aprisionamento simbólico e físico das migrantes. Esse ciclo de exploração se alimenta da falta de alternativas. Jovens mulheres, em situação irregular ou sob dívida com atravessadores, passam a viver como mercadoria num mercado que disfarça escravidão sob a aparência de liberdade sexual. O turismo sexual, muitas vezes disfarçado de multiculturalismo liberal, encobre uma lógica perversa de exclusão de classe, raça e gênero. A legislação desses países, por sua vez, tende a tratar de forma distinta seus concidadãos e os migrantes — ainda mais quando são indocumentados. Muitas vezes, os sem-teto são alvo de abordagens policiais, detenções administrativas e deportações. Sob governos de orientação conservadora, como ocorre nos Estados Unidos durante a administração Trump, as ações de repressão se intensificaram, com prisões em massa, deportações humilhantes e algemamentos públicos de pessoas que há anos viviam no país, trabalhando e contribuindo economicamente, embora sem status legal. Ainda assim, há exceções. Algumas pessoas conseguem prosperar, obtendo empregos estáveis, estudando, empreendendo, adquirindo patrimônio. Mas mesmo essas, frequentemente, escolhem retornar ao Brasil ao envelhecer — em busca do calor humano, das raízes culturais, da identidade afetiva. Infelizmente, essas são exceções. A regra, para a maioria, é a precariedade e a desilusão. O que se conclui, portanto, é que o sonho migratório precisa ser compreendido em sua complexidade. A idealização do “lá fora” como solução para todos os problemas individuais e coletivos oculta a estrutura de exclusão e desigualdade globalizada que, hoje, atinge tanto países do Norte quanto do Sul global. A fuga de um problema pode resultar na entrada em outro. Estudar, trabalhar e viver no Brasil, embora desafiador, pode ser uma forma mais sustentável de alcançar dignidade. A transformação, em última instância, não está apenas no lugar onde se vive, mas no modo como se vive. E isso, muitas vezes, começa por reconhecer que o subsolo, literal ou metafórico, não é exclusividade de nações pobres — ele está em todos os lugares onde a dignidade humana é negligenciada.(Fonte Jornal Opção Noticias Internacional )