ARTIGO: A difícil construção de uma diplomacia
autônoma e consciente
Diplomata brasileiro
traça uma linha histórica sobre a diplomacia brasileira e sua rigidez em
objetivos políticos. por Paulo Roberto de Almeida,
diplomata e professor universitário Ainda na segunda metade dos anos 1950, o
grande sociólogo que foi Hélio Jaguaribe, condenava a diplomacia brasileira por
ser “ornamental e aristocrática”, o que de fato correspondia à visão do mundo
de muitos diplomatas, mais interessados nas minúcias da High Politics — como se
o Brasil participasse dos conchavos do poder mundial — do que nos esforços mais
prosaicos dos “secos e molhados”, o pequeno grupo de diplomatas “econômicos”
que lutavam para conquistar melhores posições para o Brasil no
comércio internacional. Ainda que de boa qualidade intelectual, a diplomacia
brasileira era considerada como “muito alinhada” à dos Estados Unidos na era da Guerra Fria,
o que é compreensível na estrita geopolítica dos anos 1940–50: fora dos EUA,
com quem mais o Brasil obteria financiamentos, investimentos, apoios de toda
ordem num mundo ainda em recuperação na década imediata ao pós-guerra? Acadêmicos
tendem a usar o conceito de “alinhamento automático” para classificar a
diplomacia dos anos Dutra (1946–1950) e a do primeiro governo militar, sob
Castelo Branco (1964–1967). Essa caracterização é
bastante enganosa, como se houvesse uma subordinação voluntária do governo e da
política externa às posições dos EUA; submissão política nunca houve, embora
nos primeiros anos da ONU, em face da nova agressividade da União
Soviética, as instruções geralmente expedidas a Nova York tendessem
a alinhar o Brasil às posturas americanas nas votações da ONU. O delegado
brasileiro na ONU, entre 1947 e 1948, Oswaldo Aranha, chegou inclusive a
desentender-se com o chanceler Raul Fernandes por alguma “falta de coordenação”
com a delegação americana em algumas votações. O fato é que os EUA eram a única
potência capaz de atender o Brasil em suas demandas econômicas, financeiras,
militares e outras mais. Mas nunca houve uma sujeição da política externa
brasileira aos interesses nacionais dos EUA fora de uma barganha em torno de
algum objetivo que o Brasil pretendia alcançar. A “política externa
independente”, iniciada por JK, mas formalmente apresentada por Jânio Quadros e
Afonso Arinos, foi um expediente inteligente, e com certo atrativo de
autoestima, capaz de fazer aquilo que deveria ter sido feito desde sempre:
adotar as posturas e decisões em política externa que melhor conviessem ao
interesse nacional, o que deveria ser considerado como normal, não excepcional.
Não obstante, tanto Afonso Arinos, quanto San Tiago Dantas foram atacados pela
“grande imprensa” — mas através dela por vários diplomatas conservadores — pela
precoce inclinação terceiro-mundista da política externa e o apoio à
descolonização de modo geral, das colônias portuguesas em especial, assim como
pela postura de autonomia e de fiel adesão ao Direito Internacional, em face
das pressões americanas na questão de Cuba. No ambiente confuso que foi o do
Brasil sob o parlamentarismo, e na volta ao regime presidencialista sob
Goulart, mal visto e mesmo detestado pelos militares, orientações como estas,
no âmbito da política externa, confluíram para deteriorar ainda mais o cenário
político doméstico. Ocorreu, é claro, um nítido apoio do governo americano aos
golpistas brasileiros, tanto explicitamente, quanto de forma clandestina, via
CIA e adidos militares. Como revelado pelas palavras do irmão do presidente
Kennedy, Roberto Kennedy, então ministro da Justiça, ao presidente Goulart, em
visita ao Brasil, no final de 1962 — visita acompanhada pelo embaixador Lincoln
Gordon e registrada no livro do embaixador Rubens Ricupero, A Diplomacia na
Construção do Brasil, 1750–2016 (2017), que recebeu o enviado americano na Base
Aérea –, os EUA se envolveram na preparação e no acompanhamento do golpe de
1964: uma força-tarefa da U.S. Navy estava a postos para materializar na
prática esse apoio (em armas, combustíveis, o que precisasse), se por acaso
tivesse início uma guerra civil. Como se dizia, os Estados Unidos não
tolerariam uma “nova Cuba” no continente, o que minimizava o temor: pelas
dimensões do Brasil, seria uma “nova China”. Em todo caso, uma ilha
aparentemente insignificante se tornou uma obsessão permanente para os
militares paranoicos dos EUA e do Brasil. Em vista dessa reativação de uma
ilusória “relação especial” — que tinha sido algo estressada nos anos finais de
JK e nos anos da “política externa independente” –, novos gestos foram feitos:
concomitantemente à infeliz frase do embaixador em Washington Juracy Magalhães
(“o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”), ocorreu a ainda
mais infeliz participação do Brasil na Força de Paz Interamericana patrocinada
pelos Estados Unidos para intervir na crise política da República Dominicana, em 1965, mas não sem que
o Brasil exigisse, e obtivesse, uma resolução oficial da OEA para essa
aventura, para garantir, ao menos, certa legitimidade multilateral à
intervenção imperial. (Fonte A Referencia Noticias Internacional)