Foram 43 casos registrados em 2023, o que representa uma alta de 30% em relação aos 33 casos de 2022.
SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ
(FOLHAPRESS) - O número de suicídios cometidos por policiais militares bateu
recorde no estado de São Paulo no primeiro ano da gestão Tarcísio de Freitas
(Republicanos). Foram 43 casos registrados em 2023, o que representa uma alta
de 30% em relação aos 33 casos de 2022 e quase o dobro (95,5%) das 22
ocorrências de 2015. Esse quadro faz parte de um conjunto de dados inéditos
obtidos pela Folha por força da LAI (Lei de Acesso a Informação), que incluem
informações do efetivo policial da ativa e, também, de homens e mulheres que
passaram para a inatividade, mas que continuam sendo monitorados pela
corporação. A quantidade de PMs que tiraram a própria vida ano passado é
superior, inclusive, à soma dos policiais mortos durante serviço e no horário
de folga e, também, de aposentados assassinados por criminosos. No ano passado,
totalizando as três situações, o contingente chegou a 31 vítimas. Procurado
para comentar os dados, o Governo de São Paulo negou o pedido para indicar um porta-voz
da PM. Em notas enviadas à reportagem, a Secretaria da Segurança não apontou
motivos que pudessem levar ao aumento dos suicídios na categoria. Citou,
apenas, programas implementados. "A Polícia Militar está ampliando as
iniciativas de suporte ao bem-estar e atendimento psicológico aos agentes da
ativa por meio do Sistema de Saúde Mental (SISMen), que disponibiliza
atendimento psicossocial no Centro de Caps (Atenção Psicológica e Social), na
capital, e também em 41 Núcleos de Atenção Psicossocial em todas as regiões do
estado", informa a nota. Os dados oficiais revelam ainda que, de 2015 até
o ano passado, foram registradas 261 ocorrências de suicídio entre PMs. Desse
contingente, a maioria das vítimas era de praças (90%), como soldados, cabos e
sargentos. Em números absolutos, foram 235 praças (cargos inferiores) e 26 de
oficiais (10%). Desse total, 65% dos suicidas estavam na ativa, contra 35% de
aposentados. Em 2015, o efetivo existente da PM era de 89.483 pessoas. No ano
passado, esse quadro foi reduzido para 79.045 PMs. Além de estar na contramão
da queda do efetivo, o aumento de suicídios também não acompanhou a queda de
policiais assassinados. Em 2015, foram 64 casos, contra os 31 do ano passado
(menos da metade). A aceleração dos suicídios ocorre apesar de medidas
anunciadas pelo governo em 2022, como a criação de uma cartilha destinada à
tropa, o Manual de Orientações para Prevenção de Suicídios, e uma maior atenção
à saúde mental dos servidores públicos ligados à área de segurança. Há dois anos,
quando a cartilha foi lançada, São Paulo registrava 1 suicídio a cada 11 dias.
Em 2023, esse quadro subiu para 1 ocorrência a cada 8 dias -quase uma por
semana. Nessa mesma época, a socióloga Dayse Miranda, doutora em ciência
política pela USP e presidente do Ippes (Instituto de Pesquisa, Prevenção e
Estudos em Suicídio), alertava sobre a necessidade de medidas além da
propagação de quartilhas e trabalhos de conscientização. Para ela, tanto lá
quanto agora, permanece a necessidade de avaliar o próprio trabalho que a PM de
SP desenvolve há mais de 20 anos, na prevenção de manifestação suicida, que
envolve outros subprogramas. "Porque [não adianta só] fazer cartilha,
fazer campanha, sem mexer no crucial, que é a mudança de escala, que é a
valorização da imagem desse profissional, que é melhorar a qualidade da relação
com as lideranças, considerar que todo policial que perde um colega ele não
pode voltar para o trabalho imediatamente", afirmou a socióloga. Conforme
oficiais ouvidos pela Folha de S.Paulo, entre as explicações para o aumento de
suicídios na corporação está a falta de períodos de lazer e descanso para os
policiais, já que eles utilizam os horários de folga para fazer
"bicos". Isso deixaria os profissionais cansados e traria problemas familiares,
um dos principais motivos para piora do quadro mental. Também atribuem à
suposta alteração dos programas de recuperação mental de PMs. Eles teriam
deixado de ser afastados (como antes) após ocorrências de alto estresse. Segundo
esses oficiais, antes, em média, os PMs ficavam fora das ruas por cerca de três
meses -período que dura, em média, um IPM (Inquérito Policial Militar). Agora,
porém, ainda segundo eles, até pela falta de efetivo, o afastamento chega a ser
de apenas 24 horas, tempo de análise dos casos e liberação do policial. O
procedimento seria mais frequente na Rota -tropa de elite-, grupo mais exposto
a confrontos. "A polícia, quando há um líder negligente, contribui para
circunstâncias, situações, e para as condições de trabalho, de aumentar o risco
[dos suicídios]. Essa é a diferença", afirma Miranda. Para Guilherme
Bertassoni, doutor em psicologia pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e
perito criminal da Polícia Científica do Paraná, o aumento de suicídios é
resultado de uma maior pressão de trabalho, agravada pela falta de
acompanhamento psicológico. Ele diz que falar de saúde mental nas corporações
ainda é um tabu. Policiais atuam sob a lógica de eliminação do inimigo e, nesse
contexto, problemas psicológicos são considerados fraqueza e algo que não
condiz com a finalidade do trabalho. "Policial precisa estar em alerta,
ser resistente e não pode demonstrar fraqueza. Por isso, é como se eles
vivessem em um constante estado de estresse pós-traumático", diz ele. Em
São Paulo, são 4 suicídios a cada 10 mil policiais militares. A cifra é o dobro
da média nacional, de 1,97 para 10 mil, segundo o Anuário Brasileiro de
Segurança Pública de 2022, dados mais recentes. A taxa de São Paulo também é
maior do que a de países inteiros como os Estados Unidos, com 2 suicídios a
cada 10 mil policiais, e a Inglaterra, de 1 a cada 10 mil. Os dados são
referentes a 2021 (os mais recentes), respectivamente, de relatório da CNA,
organização financiada pelo governo federal dos EUA, e do Office for National
Statistics, organização britânica equivalente ao IBGE. GOVERNO DIZ AMPLIAR
ATENDIMENTOS
Procurada, a PM negou ter feito alterações nos procedimentos de suporte
psicológico adotados em casos de ocorrências de maior gravidade, como
confrontos armados. "Os policiais envolvidos continuam passando por
avaliação com psicólogos em, no mínimo, dois momentos para o devido
monitoramento. O tempo de afastamento é determinado de acordo com cada caso,
atendendo às necessidades individuais de cada paciente", relata a nota. Sobre
as cartilhas de prevenção de suicídio, informa que foram disponibilizadas ao
efetivo e também estão disponíveis na página do Caps (Centro de Atenção
Psicológica e Social), na intranet da corporação. Além da cartilha, ainda
segundo a pasta, o SISMen (Sistema de Saúde Mental) conta "com diversas
outras iniciativas voltadas ao acolhimento e orientação dos policiais para
prevenir e combater suicídios". A PM diz, por fim, que em agosto passado,
"a telepsicologia também foi implementada no atendimento psicoemocional de
policiais da ativa ou da reserva com agendamento e consultas online". ONDE BUSCAR AJUDA A recomendação dos psiquiatras é que a
pessoa busque qualquer serviço médico disponívelNPV (Núcleo de Prevenção à
Violência) Os NPVs são constituídos por ao menos quatro profissionais dentro
das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e de outros equipamentos da rede
municipal. Para acolher e resguardar as vítimas, os núcleos atuam em parceria
com o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Conselho Tutelar, a
Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social.Pronto-Socorro Psiquiátrico Ideação suicida é emergência
médica. Caso pense em tirar a própria vida, procure um hospital psiquiátrico e
verifique se ele tem pronto-socorro. Na cidade de São Paulo, há opções como o
Pronto Socorro Municipal Prof. João Catarin Mezomo, o Caism (Centro de Atenção
Integrada à Saúde Mental) e o Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de
Saboya.Mapa da Saúde Mental O site, do Instituto Vita Alere, mapeia serviços
públicos de saúde mental disponíveis em todo território nacional, além de
serviços de acolhimento e atendimento gratuitos, além de ações voluntárias
realizadas por ONGs e instituições filantrópicas, entre outros. Também oferece
cartilhas com orientações em saúde mental.CVV (Centro de Valorização da Vida) Voluntários
atendem ligações gratuitas 24 h por dia no número 188, por chat, via email ou
diretamente em um posto de atendimento físico.( Justiça ao Minuto Noticias)