No encontro, irritado com críticas à gestão da segurança pública, que os
deputados acreditavam que deveria ser mais dura contra o crime, o governador
chegou a bater na mesa.
ANA LUIZA ALBUQUERQUE SÃO
PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A reunião foi tensa. Deputados estaduais alinhados ao
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) haviam sido chamados pelo governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos) ao Palácio dos Bandeirantes, diante de pressões
públicas do grupo às vésperas da votação da privatização da Sabesp. Tarcísio queria
aparar as arestas. No encontro, irritado com críticas à gestão da
segurança pública, que os deputados acreditavam que deveria ser mais dura
contra o crime, o governador chegou a bater na mesa. Um dos incômodos
manifestados pelos quatro deputados do PL presentes, Lucas Bove, Tenente
Coimbra, Gil Diniz e Major Mecca, era compartilhado com o próprio Bolsonaro e
voltaria a ser motivo de desgaste muitas vezes: o poder reservado ao secretário
Gilberto Kassab (PSD). Homem forte da gestão Tarcísio, Kassab é presidente do
PSD, partido que comanda três ministérios no governo Lula (PT). Os
parlamentares disseram ao governador que era inaceitável ter Kassab como seu
secretário de Governo, considerando a relação próxima com a administração
petista e as críticas públicas que ele já havia feito a Bolsonaro. Tarcísio
respondeu que não faria mudanças porque confiava em Kassab e disse que ele
tinha um papel importante em azeitar o relacionamento com o governo federal. Naquela
época, ao fim de 2023, o ex-presidente vivia mais um momento de irritação com
Kassab. Ele tinha a expectativa que o PSD criasse dificuldades para a aprovação
no Senado da indicação do então ministro da Justiça Flávio Dino para o STF
(Supremo Tribunal Federal) -seu nome acabou sendo avalizado com 47 votos a
favor e 31 contrários. Desde o início da gestão Tarcísio, a figura de Kassab
tem sido o calcanhar de aquiles do governador entre bolsonaristas. Eles avaliam
que o ex-ministro de Dilma Rousseff (PT) concentra muito poder e influência
sobre o governador. Um exemplo frequentemente citado é a indicação de Paulo
Sérgio de Oliveira e Costa para a chefia do Ministério Público no estado -Costa
foi secretário de Kassab na prefeitura. Kassab é responsável por trabalhar nas
relações entre o Palácio dos Bandeirantes e prefeitos e deputados, além de
controlar a verba de emendas e convênios. Durante o governo Tarcísio, o PSD
quase quintuplicou o número de prefeitos filiados em São Paulo. Em março deste
ano, começaram a circular rumores de que Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil
de Bolsonaro, ocuparia o mesmo cargo na gestão Tarcísio, no lugar de Arthur
Lima (PP), braço direito do governador. O movimento, que não se concretizou,
seria uma tentativa de impulsionar uma figura política mais forte na pasta e
delimitar o espaço de Kassab. Quando bolsonaristas fustigam o governador por
fazer gestos ao centro -como nas últimas semanas, após Tarcísio participar de
um jantar organizado pelo apresentador da TV Globo Luciano Huck-, Kassab não
escapa da crítica. Na semana passada, por exemplo, o pastor Silas Malafaia
citou o secretário ao defender à Folha que Bolsonaro desse "uma
prensa" em Tarcísio. "Bolsonaro tinha que chamá-lo e dizer assim:
'Amigão, você tem que escolher o que você quer. Se você quer ser aliado do
Kassab, então segue seu caminho'", afirmou. A irritação de Bolsonaro com
Kassab nasceu na Presidência: ele avaliava que o presidente do PSD tinha feito
de tudo para sabotar seu governo. No primeiro ano da gestão, parlamentares da
sigla votaram muitas vezes alinhados aos projetos defendidos pela administração
federal, mas a pandemia da Covid-19 mudou esse cenário. O afastamento da
legenda do governo federal ficou claro durante a CPI da Covid, refletido nas
atuações combativas do relator Omar Aziz (PSD) e do senador Otto Alencar (PSD).
Ao mesmo tempo, Kassab passou a fazer críticas públicas à gestão. Em entrevista
ao UOL, em outubro de 2021, questionado se Bolsonaro era o pior presidente da
história, ele respondeu: "Dos presidentes com quem convivi, com certeza".
A CPI do 8 de janeiro agravou o incômodo de Bolsonaro, que atribui a Kassab o
relatório final. O texto, que pedia o indiciamento de 61 pessoas, entre elas o
próprio ex-presidente, foi aprovado por todos os parlamentares do PSD que
integravam a comissão. A sigla também ficou com a relatoria, sob
responsabilidade da senadora Eliziane Gama (PSD). Em fevereiro de 2024, como
mostrou o Painel, Bolsonaro compartilhou com aliados uma mensagem crítica a
Kassab: "Para manter seus 3 ministérios no governo Lula, Kassab se
comporta como ventríloquo de toda a podridão da esquerda. A única preocupação
desse farsante são seus três ministérios". No mesmo mês, o jornal O Estado
de S. Paulo revelou um áudio em que Bolsonaro falava sobre as eleições em
Presidente Prudente (SP) e dizia que não apoiaria ninguém do "PSD do
Kassab". Hoje, o entorno do ex-presidente minimiza a afirmação e diz que
ele se referia apenas às eleições na cidade. Visto como um notório estrategista
político, Kassab se aproximou de Tarcísio durante a campanha, em 2022. Pessoas
próximas aos dois afirmam que o então ministro de Bolsonaro precisava da
orientação de alguém que conhecesse bem o estado. Ainda que o PL do
ex-presidente estivesse na coligação de Tarcísio, quem esteve envolvido nas
eleições diz que o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, atuou pela
reeleição de Rodrigo Garcia (sem partido). Embora a relação entre Tarcísio e
Valdemar esteja mais azeitada hoje, os dois eram desafetos. Isso porque, no
primeiro mandato de Dilma, quando diretor do Dnit (Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes), Tarcísio promoveu demissões de apadrinhados de
Valdemar, o que foi tratado como uma "faxina" anticorrupção. Sem o
apoio de Valdemar na corrida eleitoral, Tarcísio também sentiu que seu próprio
partido não se engajou como esperado na campanha. Figuras da política estadual
avaliam que o Republicanos não via o ex-ministro como alguém que tinha raízes
no partido -o entendimento era o de que a sigla não teria tanta influência
sobre a administração. Em meio a esse cenário, Kassab estava ali para oferecer
sua experiência e seus contatos. Além de ter rompido com Garcia, seu
ex-secretário, há mais de 10 anos, o presidente do PSD viu em Tarcísio um
quadro com grande potencial. Felício Ramuth, que era até então o pré-candidato
do partido, tornou-se vice de Tarcísio, e Kassab passou a atuar como o
principal articulador político da campanha do governador. Ele percorreu todo o
estado e atraiu centenas de prefeitos que passaram a se engajar a favor do aliado
de Bolsonaro. "Eu tive relevância no projeto, me envolvi muito", diz
Kassab à Folha. "Era Tarcísio governador e Bolsonaro presidente." O entorno do secretário nega problemas
pessoais com Bolsonaro, diz que o partido foi independente ao longo da sua gestão
na Presidência e lembra que havia parlamentares da sigla em sua base. Com a
ajuda de Kassab e Bolsonaro, Tarcísio foi eleito. No discurso de posse, o
governador agradeceu ao ex-presidente e a figuras do PSD que o apoiaram -entre
elas, o próprio Kassab. Era o prenúncio da corda bamba sobre a qual o
governador caminharia ao longo do governo. ( Fonte Politica ao Minuto Noticias
Brasil)