Descrentes em mudanças profundas e imersos em problemas,
venezuelanos rejeitam gastar tempo para ir às urnas.
Oferta de água encanada e energia elétrica ininterrupta, entrega
de remédios e a abertura de casas de câmbio que possam dar troco em notas de
menor valor da moeda norte-americana. As promessas de campanha para a eleição
na Venezuela parecem saídas de um filme de ficção para quem está no século XXI.
Entre indignação e piadas com as ofertas dos candidatos, os venezuelanos,
desanimados com a política, lutando contra a Covid-19 e imersos na luta pelo
ganha-pão, vão sem fôlego às urnas neste domingo para eleger 23 governadores,
335 prefeitos, membros do conselho legislativo e de dos conselhos municipais.“Quando
é a eleição?”, questionou uma mulher ao ser abordada pela reportagem do R7.
Em seguida, explicou que tem muitas preocupações, sobretudo para conseguir comprar
comida, e que para ela votar não é prioritário. De acordo com o Conselho
Nacional Eleitoral (CNE) pouco mais de 28 milhões de venezuelanos estão
registrados para ir às urnas nestas eleições. Em um país onde votar não é
obrigatório, a tendência é de que neste domingo a abstenção seja alta."O
eleitorado está cansado, frustrado e incrédulo tanto com o que diz o governo como
com o que diz a oposição. Ele sente que sua capacidade de defesa eleitoral foi
reduzida a quase nada. Faça o que fizer, as atuais condições de vida
continuarão. O venezuelano vive a síndrome da desesperança aprendida",
descreve o psicólogo social Leoncio Barrios.Pela primeira vez em muitos anos a
arquiteta Josefina não vai votar. Está decepcionada. "Sempre votei e desta
vez prefiro usar meu tempo fazendo outra coisa. A oposição falhou muito e
sequer se desculpou. Já o governo é respaldado por Rússia, China e Irã, além de
ser muito hábil nas manobras. As eleições aqui funcionam para fazer uma
maquiagem de que este é um país democrático, coisa que não é", desabafou. Ela,
que não quis informar o sobrenome por temer algum tipo de perseguição, cita o
empobrecimento da população, perceptível nas ruas da capital."Este é um
país de corruptos, tanto pelo lado do governo como da oposição. Ao longo de
tantos anos não fizeram nada e agora temos crianças, idosos, adultos de todas
as idades na miséria, comendo do lixo", cita, ao apontar um grupo de
menores de idade mendigando.A pobreza extrema afeta 76,6% da população, de
acordo com a Pesquisa de Condição de Vida (ENCOVI, nas siglas em espanhol),
divulgada em outubro deste ano por uma das principais universidades da
Venezuela. A maioria das respostas dos entrevistados sobre o que esperar destas
eleições foi “nada”. Outros afirmaram querer “mudança”.Moradora de Petare, a
maior favela da América Latina, a faxineira Maria López vai votar porque quer
uma melhoria nos serviços básicos. "Há
quinze dias não tenho água em casa. Não há energia durante quase todo o dia.
Comprar gás é um suplício, além de muito caro. Não há transporte público
suficiente. Isso aqui é um caos. Vou votar esperando uma mudança, mas não estou
segura de que isso realmente aconteça."As campanhas eleitorais deste ano
refletem o empobrecimento do país. Antes eram suntuosas com grandes comícios e
a distribuição de muito material publicitário. Agora se resumem a parcos
comícios, e muitos carros de som, com músicas repetitivas, convidando votar por
tal candidato. Mas nem mesmo o barulho dos jingles das campanhas consegue tirar
o cidadão do transe dos problemas básico. Desempregada, Andrea Rodríguez tem 20
anos e questiona se vale a pena ir às urnas neste domingo."Para que votar
se vai ficar tudo igual? Essa não é a mesma Venezuela de antes", diz
Andrea. "Agora eu não consigo trabalho. Quando encontro, querem me pagar
20 dólares por mês e isso não dá para nada. Vivo mal, como mal." Mudança de estratégia Uma das particularidades
desta corrida eleitoral é a mudança na estratégia eleitoral do chavismo, e a
falta de pulso dos candidatos da oposição.Os aspirantes a cargos públicos do
partido do governo fazem campanha em lugares humildes, mas pouco têm contato
com os cidadãos. Entram com seus grupos e saem rápido, sem escutar as mazelas
do povo.Já os aspirantes da oposição praticamente não conseguem entrar nestes
espaços, geralmente comandados pelos coletivos – os paramilitares que defendem
a revolução."Alguns candidatos opositores foram onde moro, em La Vega
(comunidade do oeste de Caracas), mas acabaram sendo agredidos e foram embora.
Não espero nada da política", explicou o eletricista Enrique
Molina. Embora não sejam candidatos neste pleito, tanto Nicolás
Maduro como o político opositor Henrique Capriles Radonsky, na última
sexta-feira (19), enviaram mensagens aos eleitores.Capriles destacou a mudança
na estratégia do partido do governo na tentativa de reconquistar o eleitor.
“Perceberam que Nicolás Maduro não aparece na publicidade de nenhum dos
candidatos do PSUV?” Para refrescar a imagem do Partido Socialista Unido da
Venezuela, que há mais de duas décadas governa o país, desta vez as campanhas
eleitorais evitam usar a imagem do atual presidente Nicolás Maduro, e também a
do ex-presidente Hugo Chávez (1999-2003) como principal chamariz eleitoral. A
figura do pai da revolução bolivariana cada vez aparece menos na Venezuela.Outra
mudança é que agora o chavismo, em vez do tradicional vermelho vivo, agora usa
outras cores e slogans para tentar se conectar com o eleitorado. Até mesmo o
azul, que por anos remetia à oposição, vem sendo usada pelos candidatos da
esquerda.Já o presidente Nicolás Maduro inaugurou e entregou moradias da Misión
Vivienda, o plano habitacional que funciona como a grande campanha do governo
deste a última eleição do ex-presidente Hugo Chávez, em 2012.De acordo com as
regras eleitorais, a entrega das casas seria ilegal. Porém, a brecha incide em
que Maduro não concorre neste pleito.Enquanto o chavismo parece estar mais
coeso, a oposição continua dividida. Alguns partidos opositores não participam
da corrida eleitoral. Outros foram impedidos, de acordo com as regras do CNE,
de registrar seus candidatos.Analistas políticos apontam que a falta de um
slogan e de um representante em comum reduziram a força da campanha opositora.Ofertas de campanhaEm vez de
conquistar os eleitores, um candidato da oposição ganhou vaias ao oferecer em
um comício a aferição da pressão arterial acompanhada da doação de remédios. Em
vez de agradar, mas a iniciativa pisou em um dos calcanhares de Aquiles do
povo: os altos preços dos cuidados médicos. Em Caracas uma caixa de um fármaco
para a tensão pode custar até 30 dólares (R$ 150)."Foi patético e me senti
desvalorizada. Nunca vi em uma campanha eleitoral distribuírem remédios",
desabafou a aposentada María Pérez, que vende fatias de bolo a um dólar para
ajudar no orçamento da casa onde mora com os três filhos já adultos em um bairro
no leste de Caracas.Outro candidato, também da oposição, oferece algo
impossível de ser solucionado a curto prazo: abrir casas de câmbio para que as
pessoas troquem notas de alta denominação de dólar por outras de menor valor.
Esta seria a forma de ajudar no troco dos estabelecimentos comerciais.Em plena
dolarização de fato da economia venezuelana, não há notas de baixo valor em
dólar.Para driblar este problema a parte que falta do pagamento é feita com as
poucas notas de bolívares que ainda circulam ou com cartão bancário ou
transferência pelo aplicativo. Comprar um artigo de baixo valor acaba sendo uma
grande manobra no país bolivariano.Já Héctor Rodríguez, governador do estado
Miranda e candidato à reeleição, promete que a água voltará ao encanamento dos
municípios daquela localidade.É a crônica falta de água que aflige toda a
Venezuela, e também uma das causas dos constantes racionamentos elétricos e
apagões que já se tornaram parte da rotina do venezuelano.Nicolás Maduro esta
semana em transmissão nacional de rádio e TV culpou as sanções impostas pelos
Estados Unidos pela falta de água encanada em praticamente todo o país."As
campanhas eleitorais baseiam-se na demagogia, algumas no populismo, o que for
mais atraente. A intenção é convencer o eleitorado a votar em uma opção que, se
bem-sucedida, começa a apresentar uma prematura amnésia do prometido até o
completo esquecimento. Nas próximas eleições venezuelanas, diante de tal nível
de calamidades no país, é muito fácil prometer", descreve Barrios. Aos 24
anos Daniel Fuentes nunca votou nem pretende votar. “Não vejo frutos. Tudo
continua igual. Fui para a Colômbia, fiquei lá por três anos e quando voltei
tudo estava pior. Não vou perder meu tempo (votando)”.Este barbeiro autodidata
cobra dois dólares pelo corte de cabelo e reflete o distanciamento do voto
jovem desta eleição.Organizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais
da Universidade Andrés Bello, a Pesquisa Nacional da Juventude (ENJUVE) foi
feita com 8.765 pessoas na faixa etária entre