Assembleia Constituinte no Chile consolida mudança social do país.
Com reivindicações pedidas nos protestos desde 2019, jovens, mulheres e
indígenas ganharam espaço na discussão política.
Desde
2019, o Chile vive uma revolução social, com milhares de manifestantes indo às
ruas pedindo por uma nova Constituição, acesso à educação e a saída do
impopular presidente, Sebastian Piñera. Os protestos, que eram em sua maioria
organizados por jovens e estudantes, foram violentamente reprimidos por agentes
de segurança. Com a pandemia do novo coronavírus, sair às ruas para continuar
as reivindicações populares tornou-se inviável. O Chile teve uma das maiores
taxas de contaminação na América do Sul, e foi severamente atingido pela
pandemia. Porém, o clamor popular não passou batido, e no último final de
semana a população votou por uma nova Assembleia Constituinte, que terá como
objetivo criar uma nova Constituição, enterrando de vez o conjunto de leis criado
durante a ditadura militar chilena, comandada por Augusto Pinochet.Enquanto
pesquisas indicavam que os conservadores dominariam os votos, a juventude
chilena surpreendeu e foi em peso às urnas, votando em candidatos
independentes, mulheres e indígenas.Com essa nova configuração, pautas de
grupos marginalizados ganham espaço e o Chile concretiza a mudança no
eleitorado e na sociedade chilena. Problema
de origem A Constituição chilena foi escrita durante a violenta ditadura
militar, comandada por Augusto Pinochet, entre 1974 e 1990. Nesse período, pelo
menos 3 mil chilenos foram mortos e torturados, milhares de pessoas permanecem
desaparecidas e cerca de 200 mil pessoas foram exiladas. Para o mestre em
integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e doutorando em
Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Guilherme Frizzera,
“essa mudança, ou tentativa de mudança constitucional, atende a um anseio
antigo”. Mudanças radicais Historicamente,
o Chile elegia figuras políticas vindas de grandes partidos, que montavam
alianças para consolidar o poder. Essa era a previsão do que aconteceria no fim
de semana. Institutos de pesquisa indicavam que os conservadores, que estão no
poder, conseguiriam alcançar a maioria na Assembleia Constituinte, mas a
realidade acabou sendo completamente diferente. Diferentemente do Brasil, o
voto no Chile é facultativo, e a participação popular vinha caindo nas últimas
eleições, aponta Frizzera.Entre os eleitores que deixaram de ir às urnas
estavam os jovens, que não se sentiam representados pelos partidos e políticos
disputando as eleições; os indígenas, que sempre foram marginalizados e
excluídos das discussões políticas; e as mulheres.No Chile, alguns direitos das
mulheres foram conquistados anos depois do resto do mundo e dos países latinos,
como o direito ao divórcio, que só foi garantido nos anos 2000.Com a
insatisfação com o governo de Piñera e a desconfiança com os partidos de
direita, esses grupos foram às urnas e votaram em candidatos independentes e
alinhados aos seus princípios. Com isso, o resultado da Assembleia Constituinte
é de representantes principalmente independentes, com mulheres ocupando a
maioria dos 155 assentos (81, contra 74 homens) e pelo menos 17 indígenas.Para
Frizzera, a derrocada da direita pode ser explicada por uma série de fatores.
Uma delas é a baixa popularidade de Piñera, que está abaixo dos 10%, além da
desconfiança do país com partidos alinhados ao conservadorismo.“A direita
sempre foi repelida por conta da ditadura”, explica Frizzera. Sebastian Piñera
é o primeiro presidente conservador do país desde o governo militar, “e somente
com essas alianças políticas e um aceno ao centro que essa desconfiança
baixou”.Falta de representatividadeOutro
problema no Chile era a sensação de que a população não era mais representada
pelos partidos tradicionais, tanto de esquerda quanto de direita.“As classes
sociais se movimentam, surgem novas classes e os partidos não acompanham essas
mudanças”, analisa o professor.Entre os jovens, um grande problema é a falta de
acesso ao ensino superior, que não é gratuito e acaba restrito a uma minoria
branca e de elite. O Chile também não tem saúde pública e a assistência social
é privada.“Essas demandas não foram contempladas pelos partidos de esquerda e
houve um retrocesso com a direita, o que aumentou a desigualdade social no
Chile”, avalia o especialista. A vitória
para os indígenas Porém, entre todos os candidatos eleitos, os indígenas
podem ser vistos como os maiores ganhadores. Desde a independência do país, no
século 19, os povos originários e mapuches foram marginalizados e governos não
criaram políticas públicas que os incluíssem na sociedade. A língua e a cultura
indígena foram desvalorizadas e ignoradas. Com a Assembleia Constituinte, 17
indígenas poderão ajudar a redigir as novas leis e incluir a população na
sociedade chilena, com acesso aos mesmos direitos e serviços. “Esse é um ganho
enorme e histórico. Essa é a primeira vez que eles terão a oportunidade de
garantir os seus direitos como cidadãos chilenos e dar espaço para a sua
cultura”, conclui Frizzera.( Fonte R 7 Noticias Internacional)