Paramilitares chegaram a 200 km da capital, mas
acordo negociado pelo presidente bielorrusso fê-los recuar para evitar banho de
sangue. Yevgeny Prigozhin irá agora para a Bielorrússia e acusações contra os
seus homens serão retiradas. Este foi o maior desafio a Putin desde que chegou
ao poder em 1999. E há quem receie a sua resposta.
Moscovo em alerta máximo, veículos militares nas ruas para proteger o
Kremlin e as sedes das instituições militares e o mayor a decretar segunda-feira "dia de folga". Este era o
cenário este sábado à tarde, quando o líder do Grupo Wagner ordenou aos seus
homens para pararem o avanço em direção à capital russa. Um momento de alívio
após horas de tensão, depois de Yevgeny Prigozhin ter reagido a um alegado
ataque contra as suas tropas na Ucrânia tomando o quartel-general do Exército
Russo em Rostov "sem um disparo" e ameaçado derrubar as chefias
militares encarregues da estratégia de Moscovo na guerra. E se nunca disse
diretamente ter Vladimir Putin como alvo, as ações do líder do Grupo Wagner
levaram a receios de um golpe, deixando o presidente russo na posição de maior
fragilidade em que já o vimos nos seus 23 anos no poder. "Queriam desmantelar o Wagner.
Estabelecemos o dia 23 de junho para a Marcha da Justiça. Num dia avançámos até
200km de Moscovo. E sem derramar uma gota de sangue dos nossos combatentes. Conscientes
de que sangue russo ia agora ser derramado, estamos a fazer as nossas colunas
recuar e a partir da direção oposta, para os nossos acampamentos, de acordo com
o plano", afirmou Prigozhin ao fim da tarde numa mensagem áudio. A decisão
de desescalar a situação surgiu depois de uma conversa entre o líder do Grupo
Wagner e o presidente bielorrusso Alexander Lukashenko. No final, algumas das
condições do acordo tornaram-se claras: Prigozhin aceitou sair para a
Bielorrússia em troca do levantamento das acusações de que ele e os seus homens
poderiam ser alvo por "incitamento à rebelião militar". O Ministério
da Defesa russo ofereceu mesmo aos mercenários que o queiram a integração nas
suas fileiras. Ao final do dia, os paramilitares estavam a retirar de Rostov,
mas começavam a ouvir as primeiros críticas internas à cedência de Prigozhin,
sobretudo no Telegram. "O que
enfrentamos é exatamente uma traição. Uma traição provocada pela ambição
desmedida e os interesses pessoais" de um homem, afirmara Putin de manhã
numa mensagem ao país. O presidente russo prometera "punição" para os
revoltosos, admitindo que a rebelião contra as chefias militares de Moscovo é uma
"ameaça mortal" e deixava a Rússia em risco de uma "guerra
civil".Perante a maior ameaça de sempre ao seu
todo-poderoso controlo sobre a Rússia, Putin falou numa "punhalada pelas
costas" à Rússia, ou não estivéssemos a falar de um grupo de mercenários
liderado por um dos seus homens de confiança, que, nos seus tempos de caterer,
era mesmo conhecido como o "chef de Putin". No
final do dia, a localização do presidente russo era uma incógnita. O Kremlin
garantia estar a trabalhar em Moscovo, mas surgiram especulações de que teria
saído da capital. Segundo dados do Flight-Radar, o seu avião teria saído da
capital e aterrado na região de Tver, onde o líder russo tem uma residência,
mas não havia confirmação de que estivesse a bordo. Com o recuo de Prigozhin e apesar do seu
exílio na Bielorrússia, há quem tenha dúvidas sobre o seu futuro, como Michael
O"Hanlon, perito da Brookings Institution, que duvidava das suas hipótese
de continuar vivo por muito tempo. Afinal Putin irá perdoar
que, enquanto algumas das suas tropas ainda avançavam, sob fogo russo, de
Rostov para Lipetsk, cidade a 340km de Moscovo, Prigozhin tenha afirmado na
rede Telegram que chegara a hora de a Rússia mudar de presidente?. Nos últimos
meses, as críticas do líder do Grupo Wagner, a cujos homens a Rússia deve a
vitória em Bakhmut após longos e duros combates contra as forças ucranianas,
contra o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, e o diretor dos Serviços
Secretos, Sergei Naryshkin, foram subindo de tom. Com Prigozhin a culpar as
chefias militares russas pela morte dos seus homens, devido à falta de munições
e armas. Mas num país onde nos habituámos a que Putin controlasse com mão de
ferro todos os setores, muitos não acreditavam que estas críticas não tivessem
a bênção do senhor do Kremlin, envolvido num jogo de dividir para reinar.
Depois deste incidente, porém, parece pouco provável que assim fosse. Quem parecia já estar a esfregar as mãos
com estes desenvolvimentos era Volodymyr Zelensky. O presidente ucraniano
afirmou que "nenhuma mentira consegue já esconder" o caos na Rússia e
sublinhou que o motim armado liderado por Prigozhin revelou a "fraqueza
generalizada" no país. A verdade é que os
paramilitares de Prigozhin deixaram as posições na linha da frente para avançar
para Moscovo, com os russos a mobilizar forças para os travar, abrindo caminho
para as tropas de Kiev reconquistarem terreno.Com os homens de Prigozhin ainda
a avançar para Moscovo, havia quem lembrasse que se o peso real de lutar contra
uma rebelião de militares extremamente preparados e bem armados é inegável, o
Exército Russo enfrenta ainda o peso moral deste "motim". Mesmo se
estamos a falar de 25 mil paramilitares contra uns 800 mil soldados no ativo no
Exército Russo.John Simpson, o veterano editor de Assuntos Internacionais da BBC,
recordou que "o Grupo Wagner, embora constituído por pessoas como antigo
prisioneiros, foi transformado por Prigozhin numa unidade com a melhor opinião
de si própria. Enquanto as forças russas estão muitas vezes desmoralizadas e,
na maioria parte, não queriam estar ali". E acrescentou: "Têm boas
defesas por agora, mas estão nervosas em relação ao que os soldados ucranianos
lhes podem fazer."Sejam
quais forem os desenvolvimentos nas próximas horas, os analistas garantem que
nada vai ficar igual na Rússia. "Prigozhin pode ganhar ou não, e as
fundações do controlo do Kremlin podem não colapsar. Mas um Putin enfraquecido
pode fazer coisas irracionais para provar a sua força", alertava
Nick Paton Walsh, analista da CNN.Afinal o presidente russo pode "revelar-se
incapaz de aceitar a lógica da derrota nos meses seguintes nas frentes
ucranianas. Pode não ter noção da dimensão do descontentamento nas suas
próprias Forças Armadas e perder o controlo sobre os seus atos", continua
o especialista, sublinhando que "a posição da Rússia como potência nuclear
assenta na estabilidade no topo".Na incerteza sobre o que se passava no
terreno, a comunidade internacional estava a acompanhar a situação de perto. O
presidente Joe Biden esteve ao telefone com o presidente francês Emmanuel
Macron, o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o primeiro-ministro britânico, Rishi
Sunak, tendo reafirmado o seu apoio à Ucrânia. Também os Bálticos - Estónia,
Letónia e Lituânia - estavam a seguir os acontecimentos com a Finlândia. Com as
autoridades letãs a anunciar o fecho da fronteira com a Rússia.( Diário de
Noticias Internacional)