Brasileiras contam como é morar na Nova Zelândia na pandemia.
Ações rápidas do governo e senso de coletividade contribuíram para país
registrar apenas 2.350 casos e 26 vítimas da covid-19.
Ruas cheias, todos sem máscara e
nenhuma preocupação. Este é o atual cenário da Nova Zelândia, o país que melhor
lidou com a pandemia da covid-19, segundo uma pesquisa global realizada pelo
instituto de pesquisa australiano Lowy. De março do ano passado até esta
quarta-feira (24), a ilha de cinco milhões de habitantes registrou 2.350 casos
de covid-19 e 26 mortes em decorrência da doença. O tamanho da população da
Nova Zelândia, de fato, contribuiu para o sucesso do país no combate à pandemia
— mas este não foi o único fator, tampouco o principal, para as brasileiras
Erika Brabyn, 46 anos, que mora em Auckland, a cidade mais populosa da Nova
Zelândia, e Isabelle Gasparini, 33 anos, residente em Opua, um pequeno vilarejo
de 1.137 habitantes na chamada Baía das Ilhas. "No primeiro lockdown, a
Jacinda [Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia] pediu para que nos
mantivéssemos unidos e todos abraçaram a causa", afirma Erika. "Não
se ouvia carro passando, voltou-se a ouvir o barulho dos pássaros, aquela coisa
da natureza. As pessoas até saíam para fazer exercício físico, mas era uma
coisa bem controlada.". "O consenso é de que o governo fez
tudo que podia para proteger a população", diz Isabelle. "Além disso,
as pessoas aqui têm um senso de coletividade muito grande. Para se ter uma
ideia, um dia eu estava na marina [centro portuário de recreação], onde
trabalho atualmente, e um homem, dono de um dos barcos, acenou para mim por
detrás da porta. Eu disse 'pode entrar', mas ele disse que não podia. Uma menina
da escola da filha dele estava com covid e ele tinha vindo avisar que não havia
encostado em nada e que iria passar uma semana isolado em seu barco." Em
24 de março de 2020, foi decretado o primeiro lockdown, que durou dois meses e
valeu para todo o país. Cinco meses depois, os moradores de Auckland
enfrentaram um segundo confinamento, desta vez de duas semanas, após o governo
ter identificado 29 casos de transmissão local, quase todos na cidade. De
acordo com as brasileiras, o primeiro lockdown veio como uma surpresa e deixou
todos em estado de choque. Durante a imposição da medida, considerada a mais
rígida para conter o avanço de doenças contagiosas, os cidadãos ficam impedidos
de cruzar fronteiras e circular em áreas públicas sem que haja um motivo emergencial,
como o reabastecimento de alimentos, remédios e outros itens essenciais. "O
que passou pela nossa cabeça foi 'comida, comida, comida'", afirma Erika.
"Eu me abasteci ao máximo que pude e fiquei por volta de duas semanas sem
sair de casa. Foi aquele caos. Nós íamos ao mercado e víamos as pessoas
brigando por leite em pó, água sanitária e outros mantimentos básicos. O vírus
trouxe à tona ações e reações que não esperávamos ver, foi algo que realmente
me chocou. Mas é a lei da sobrevivência, 'né'." "Foi um susto, porque
em um dia nós estávamos ouvindo falar desse vírus lá na China e dois dias
depois já estavam falando sobre medidas sanitárias e desinfetar os
ambientes", diz Isabelle. "Uma vez decretado o lockdown, você tinha
que ficar na sua própria 'bolha'. Como moro sozinha, decidi que iria ficar
confinada com uns amigos que moram em outra ilha. Tive 48 horas para empacotar
tudo, dirigir doze horas, pegar uma balsa e chegar lá." Rotina durante o lockdown O esforço de
Isabelle valeu a pena. Durante dois meses, a rotina da brasileira consistiu,
basicamente, em fazer caminhadas, assistir filmes, cozinhar e passar bons
momentos com os colegas de confinamento. "Contando comigo, tinham seis
pessoas na minha 'bolha': um amigo meu, a mãe e a irmã dele e um casal de
alemães que estavam visitando e acabaram passando todo o lockdown lá. No final
das contas, viramos uma grande família e foi muito gostoso.". Já Erika ficou confinada em
sua casa em Auckland com o marido e os dois filhos, de 9 e 17 anos. No início,
a quebra da rotina causou estranheza, mas eles logo encontraram um jeito de
contornar a situação. "Em um primeiro momento, nós tentamos fazer a
nossa rotina normal, como se não estivéssemos em lockdown — hora para
isso, hora para aquilo. Depois, vimos que não tínhamos condições de continuar
daquele jeito e decidimos ficar 'livres'. Eu dizia aos meus filhos: 'se você
quiser tomar banho mais tarde você toma, se você quiser estudar mais tarde você
estuda, se você quiser comer a qualquer hora, você come'." "Mais tarde,
para passar o tempo, começamos a investir em pequenos projetos dentro de casa,
como arrumar a garagem e cuidar do jardim — coisas que já estávamos
precisando fazer, mas não tínhamos tempo porque um final de semana não era o
suficiente. Eu e meus filhos fizemos um teamwork [trabalho em equipe] mesmo e estávamos
sempre juntos", completa. Crise
econômica Durante os dois meses de lockdown, Erika e Isabelle contaram
única e exclusivamente com um auxílio do governo. Erika, dona de uma loja de
artigos para casa, se viu obrigada a suspender as atividades de seu negócio, e
Isabelle, que trabalhava levando turistas de outros países para passear de
barco, perdeu o emprego devido ao fechamento das fronteiras. Atualmente, a vida
na Nova Zelândia já voltou ao normal — isto é, estabelecimentos não
essenciais voltaram a funcionar e as pessoas podem circular livremente nas ruas
sem máscara, exceto dentro de transportes públicos. Apesar disso, é claro
que os efeitos da crise ainda permanecem. Segundo Erika, muitas empresas
faliram, e ela mesma chegou a pensar que seria obrigada a fechar as portas de
sua loja. "A minha sorte foi que pelo fato de as pessoas terem passado
muito tempo confinadas, elas passaram a observar mais atentamente suas casas e,
após o lockdown, houve uma explosão nas vendas desse setor." "Além
disso, em agosto, quando houve o segundo confinamento em Auckland, decidi que
começaria a usar meus tecidos para produzir máscaras de proteção facial. Em
três semanas, cheguei a vender duas mil máscaras", completa. "Novo normal" Apesar de a vida
na Nova Zelândia já ter voltado à normalidade, algumas medidas ainda estão em
vigor no país para evitar um novo surto de covid na ilha. Uma delas, talvez a
mais inusitada de todas para os brasileiros é o aplicativo "NZ Covid
Tracer", uma ferramenta de rastreamento lançada pelo Ministério da Saúde
em 20 de maio do ano passado. Cada usuário tem um QR code, como se fosse um
código de identificação, que precisa ser escaneado tanto na entrada quanto na
saída de qualquer estabelecimento. Desta forma, o governo consegue ter um
controle de quem passou por determinado lugar com precisão de dia e horário. "Muita
gente não gosta porque acha que o governo está usando isso com segundas
intenções, mas posso dizer que pelo menos 90% da população escaneia. Aqueles
que não gostam de escanear têm a opção ainda de deixar o bluetooh ligado, o que
também possibilita o rastreamento", afirma Erika. "Todas as pessoas
que entram na minha loja eu peço para escanear. Aquela pessoa comprando ou não,
eu sei que ela esteve no meu estabelecimento naquele dia e horário. Se
acontecer de eu ou alguma pessoa que passou pela minha loja ser diagnosticada
com covid, eu serei comunicada e terei que ficar em quarentena, bem como a
outra pessoa", completa.Vacinação
A Nova Zelândia deu início à campanha de vacinação no último sábado (20). Em um
primeiro momento, o país imunizará os 12 mil trabalhadores da linha de frente
das fronteiras, o que deve levar pelo menos algumas semanas. Tanto Erika quando
Isabelle pretendem se vacinar e estão aguardando ansiosamente por este momento.
Atualmente, as fronteiras estão fechadas e devem pernamenecer assim até que
toda a população esteja imunizada. Com isso, apenas cidadãos e residentes podem
entrar na ilha, com a condição de desembolsarem NZ$ 3.100 (R$ 11 mil) e se
isolarem em um hotel por 14 dias — tempo máximo que o novo coronavírus
demora para se manifestar no organismo. Mesmo após imunizadas, no entanto,
Erika e Isabelle garantem que ainda deve levar algum tempo para que venham
visitar a família no Brasil. "Eu e meu irmão, que também mora na Nova
Zelândia, estávamos com passagem marcada para o dia 8 de abril do ano
passado", diz Erika. “Felizmente, o lockdown foi decretado antes e
conseguimos reaver o dinheiro. Agora não sei quando poderemos ir ao Brasil.
Pelo que tenho acompanhado, a vacinação aí está caminhando a passos lentos e
minha família certamente não será imunizada tão logo."Isabelle partilha da
mesma preocupação. "Não quero ir para ficar confinada. Quero ir para poder
passear e circular livremente sem preocupações — e, infelizmente, acho que
esta é uma realidade ainda muito distante no Brasil."( Fonte R 7 Noticias
Internacional)