Falta de trabalho formal e estudo afetam 30% dos jovens em SP.
Geração conhecida como Nem-Nem totaliza 766 mil pessoas na capital e
quer oportunidades para inclusão produtiva nas periferias.
"Eu parei de estudar no
ensino médio. Minha mãe ficou doente e criava a gente sozinha, na luta, com
reciclagem. A gente sempre estava com ela para ter o que comer em casa. Quando
fui ter estudo mesmo foi quando fomos para um abrigo. Meu marido, que tem 30 anos,
parou na sexta série para poder trabalhar. Eu pretendo terminar os estudos, mas
não sei como", lembra. Segundo ela, o maior preconceito enfrentado
pelos jovens para conseguir trabalho é o fato de serem moradores da periferia.
"Falta de capacitação, exigem experiência, mas nem todos tiveram
oportunidades. Às vezes o trabalho é muito longe. A gente sente na pele e os
olhares falam muito", ressalta.Ensinos profissionalizantes são opções mais
viáveis: 80% dos estudantes do ensino técnico de 14 a 18 anos vêm de famílias
com renda de até 5 salários mínimos. No entanto, apenas 8% dos jovens se formam
nessa modalidade. A inclusão produtiva dos jovens-potência significa
retornos financeiros à cidade, com a redução do custo da evasão escolar e
arrecadação de impostos. Segundo pesquisa Accenture, a inclusão pode somar até
0,3% ao PIB (Produto Interno Bruto) de São Paulo, o que representa R$ 2
bilhões. Exclusão digital A pandemia
trouxe ainda mais problemas à família de Rute Franciele de Lima. O marido faz
bicos como ajudante de pedreiro, mas não tem renda fixa. Eles recebem auxílio
emergencial enquanto as crianças estudam em casa. "Tão tendo aula por
celular, mas a conexão é ruim. Eles estão em séries diferentes, no mesmo
horário, e só tem um celular. Fica complicado. Não tem uma estrutura boa para
estar com as crianças em casa. Tem que pegar no pé para eles terem o que a
gente não teve: o estudo", diz Rute. De acordo com a pesquisa feita pelo
GOYN para implantação do projeto na cidade de São Paulo, a exclusão digital
está diretamente relacionada à desigualdade social. Ermelino Matarazzo e São
Mateus, na zona leste, tinham menos de 60% da população conectada à internet em
2017. Na Grande São Paulo, 825 mil moradias em situação de alta vulnerabilidade
não possuem banda larga fixa. Também 26% da população da região metropolitana
usa a internet apenas via celular e 9% dos estudantes sequer possuem acesso.Para
resolver definitivamente o problema da conectividade, precisaria haver uma
política pública. Na ausência de um projeto de fôlego, iniciativas são testadas
antes de se tornarem programas em larga escala. Uma delas é a periferia
digital."Os jovens estão alheios à discussão, não estão conectados, num
momento em que se fala de indústria 4.0. A ideia são jovens, mentores, que são
remunerados por isso, que mostram a outros jovens onde encontrar a conexão: é o
letramento digital nas periferias", conta Gabriella Bighetti. Em
2019, cinco das oito profissões com maior oferta de vagas estavam relacionadas
ao mercado digital. Ponto fora da curva Lucas
Viana Gregório tem 20 anos, cursa Letras na USP e se considera um ponto fora da
curva quando olha para os outros jovens da periferia. Ele mora em Taboão da
Serra, no limite com o bairro do Campo Limpo, na zona sul."Passei na ETEC
Paraisópolis, as aulas começavam às 7h, mas eu saía 5h30. De carro, seriam 20
minutos, mas de ônibus era 1h30. Consegui fazer um cursinho online noturno para
o vestibular e passei na USP pelo SISU [Sistema de Seleção Unificada]. Sou
privilegiado. Muitos colegas abandonam as escolas por falta de incentivo",
afirma.Ele mora com os pais e, na pandemia, o pai perdeu emprego e passou a
trabalhar como motorista de aplicativo. Em junho, Lucas descobriu o edital do
GOYN, passou no processo seletivo para o Núcleo Jovem e recebe uma bolsa como
assistente de projetos.O universitário reconhece muitos desafios que encontrou
no percurso, entre eles os longos deslocamentos entre a periferia e o centro da
cidade, a conectividade ruim de internet se não for um pacote pago e o pouco
acesso a espaços de lazer e esporte."Consegui fazer muita coisa que os
outros jovens não fizeram. É difícil ter acesso a oportunidades, a condução é
cara e o bilhete não dá para fazer toda a viagem, os trajetos são longos. Mas
há um contexto por trás. Muitos não têm apoio familiar, as escolas não provocam
o interesse dos alunos, às vezes não tinha aula, com a pandemia, as escolas
fecharam. Tem muitos jovens caminhando na direção contrária de serem
potência", destaca.Lucas não concorda que os jovens sejam culpabilizados.
"Nem trabalha nem estuda. Os jovens não são os culpados, eles não foram
incentivados a mudar. Como diz a música, o jovem no Brasil não é levado a
sério. São vítimas de um sistema que não incentiva a pensar no futuro. A parcela
maior de culpa é do Estado, mas vamos tentar resolver junto", garante.Outros desafios Outros dois desafios à
juventude periférica identificados pelo levantamento são o racismo estrutural e
a crise laboral. Os jovens negros têm menos escolaridade que os brancos:
34,3% entre 18 e 20 anos e 44,1% das mulheres negras completam o ensino médio
em São Paulo. Na comparação, 62,6% das mulheres brancas e 53,7% dos homens
terminam o ciclo nos colégios. Consequentemente, a renda de pessoas brancas é
quase três vezes maior. Apenas 4,7% dos executivos das empresas brasileiras são
negros. Já nos cargos funcionais, 35,7% dos trabalhadores são negros. As
mulheres são as mais excluídas produtivamente. Nos últimos anos, o
desemprego aumentou entre os jovens de 18 a 24 anos, chegando a 29,7% no
segundo trimestre de 2020. Durante a pandemia, 80% das famílias nas favelas de
todo o país passaram a sobreviver com menos da metade da renda que costumavam
ter. Neste período, empresas suspenderam 52% dos contratos de jovens
aprendizes. "Fui jovem aprendiz numa empresa em 2019. Seria na área
administrativa, mas fiquei no almoxarifado. Me deram responsabilidades que não
condiziam com o cargo, mas fiquei porque precisava do dinheiro", lembra
Lucas Gregório. Em 2019, São Paulo registrou mais de 700 mil MEIs
(Microempreendedores Individuais), sendo que 168 mil tinham menos de 30
anos. Na práticaUm dos
parceiros do GOYN é a Fundação Tide Setubal, com forte atuação no Jardim
Lapena, no extremo leste de São Paulo. Sauanne Bispo é coordenadora de Nova
Economia e Desenvolvimento Territorial do projeto e conta que 70% dos
funcionários da instituição têm vivência na periferia, em todos os níveis
hierárquicos. "É uma maneira inteligente de impacto nos territórios, sem
achismos, com prática na escuta ativa dos moradores, buscando meios de tornar
realizáveis as demandas. Nossa missão é a justiça social e o desenvolvimento
para enfrentamento das desigualdades", explica. Uma das formas de auxílio
à população são os programas de aceleração, com incentivo a negócios que possam
ser aplicados na região, e a capacitação de jovens entre 16 e 25 anos, com
remuneração, porque muitos precisam ter renda. Por 4 a 6h de trabalho na
semana, podem receber entre R$ 500 e 700.Só neste ano, Sauanne já analisou 180
negócios de impacto sobre empreendedorismo periférico, sendo que 37 conduzidos
por mulheres negras."Não criamos iniciativas, apoiamos. Disponibilizamos o
capital-semente porque negócios na periferia tendem a fechar em menos de três
anos. Precisa de dinheiro, não é só ajuda na gestão. Um apoio para dar fôlego
porque, para muitos, é o sustento familiar", destaca a coordenadora. A fundação criou o Galpão ZL, que fica no
Jardim Lapena, e oferece atividades gratuitas na área de educação, cultura,
esporte, culinária, empreendedorismo e atendimento às demandas sociais, com
foco na geração de renda."O limitador é o abismo social gerado pelo
racismo. Desigualdade impede o acesso à educação. O Brasil está entre os 10
países mais desiguais do mundo. O jovem não vê semelhantes ocupando espaços e
acaba ficando estagnado", diz Sauanne Bispo.Ela mesma conta que nasceu na
periferia de Salvador (Bahia), é negra, mulher e nordestina. Aos 17 anos,
entrou na UFBA (Universidade Federal da Bahia) e se formou em estatística. Hoje
tem 35 anos e há 2 veio para São Paulo."Nunca me imaginei colocando
currículo em banco. Meu grande feito seria ensinar estatística na faculdade.
Mas recebi proposta até da Bolsa de Valores de São Paulo. Outros não têm
oportunidades ou não veem possibilidades. Minha filha de 3 anos já nasceu com
outras referências", conta Sauanne. A diretora executiva da
United Way Brasil ressalta que os problemas da juventude são complexos, por
isso precisam ser enfrentados de forma conjunta e organizada."Queremos a
inclusão produtiva, que os jovens cresçam, tenham carreiras, uma vida digna e
próspera. Não é só empregabilidade. Soluções sistêmicas não elencam
prioridades, tudo está interligado. Não são desafios que uma entidade dê conta
sozinha, mas sim uma rede. Trabalhar de forma colaborativa não é fácil, mas
vamos mais longe, mesmo que mais devagar", conclui Gabriella Bighetti. (
Fonte R 7 Noticias Brasil)