ARTIGO: Há espaço para um ‘reset’
nas relações de EUA e Turquia?.
Especialista vê relação entre os dois
governos mais conturbada e causadora de crescentes prejuízos para ambas as
partes.
As relações bilaterais
entre Estados Unidos e Turquia atravessaram uma intensa deterioração nos
últimos anos. Crises e antagonismos deram a tônica nas interações de
ambos os países. No centro destas animosidades, estão divergências e interesses
conflitantes em assuntos estratégicos tanto para Ancara quanto para Washington.
Agora, porém, o advento de uma nova administração na Casa Branca fornece
oportunidades para um reset. As tensões
recentes refletem os rumos tomados pela política externa de cada país de 2008
para cá. Sob o comando de Erdogan, o governo turco assumiu um viés autonomista,
de modo a suavizar o alinhamento ocidental e a diversificar os horizontes do
engajamento externo. Nesse sentido, ocorre uma recalibragem da projeção
internacional. Em vez da condição de potência intermediária, com pouco espaço
para protagonismo, atribui-se à Turquia o papel de potência regional. Há duas
consequências disto. Por um lado, significa a priorização da defesa dos
interesses nacionais em detrimento de preferências coletivas. Naturalmente,
essa postura cria pontos de tensão com
seus aliados. Por outro, a adesão dessa abordagem também indica a
regionalização da política externa. Do ponto de vista geopolítico, Ancara passa
a enfatizar a projeção no Oriente Médio. A inflexão da política externa
norte-americana decorre, por sua vez, das preferências adotadas pela
administração Obama. O descontentamento da opinião pública, junto com as
restrições orçamentárias, criou um ambiente doméstico pouco favorável a
comportamentos ofensivos ao estilo praticado pelo governo de George W. Bush. Ou
seja, há uma indisposição geral em se envolver em intervenções externas que
demandem o estacionamento massivo de tropas e
a alocação de recursos, como as ocorridas no Iraque e no Afeganistão. Sob essas
circunstâncias, o democrata estabelece uma doutrina que gravita em torno do
princípio “leading from behind”. Em termos práticos, Washington não abdica de
sua proeminência, mas reduz seu engajamento no
teatro global. Ocorre, então, uma reformulação da projeção estratégica em
alguns cenários. O aspecto central disso é a delegação de tarefas e de
responsabilidades a atores locais aliados dos Estados Unidos. Precária
leitura do cenário Apesar de divergentes, essas
trajetórias apresentam pontos de interseção. Um deles é a revolta na Síria.
Naturalmente, os atores em tela delineiam suas respostas à crise em
concordância com os vetores em voga na política externa de cada um deles.
Embora a destituição de Bashar al-Assad tenha sido um objetivo comum, a evolução
do conflito tornou
suas agendas incompatíveis. À medida que ocorre a escalada da luta armada, não
apenas Erdogan amplia seu envolvimento, mas também espera de Obama o mesmo
comprometimento na derrubada do ditador. Essa expectativa indica, porém, uma
leitura equivocada por parte das lideranças turcas a respeito do momento de
inflexão da potência atlântica e, sobretudo, sua postura no tocante aos
assuntos do Oriente Médio. Havia pouco espaço de manobra na política interna
dos EUA para acomodar empreitadas militares, uma vez que a plataforma eleitoral
do presidente democrata se pautara pelo fim das guerras na região. Os desentendimentos
se intensificariam com a patronagem norte-americana aos curdos. Mesmo sendo
coerente com o “leading from behind”, o expediente revela uma miopia
estratégica, em que interesses a curto prazo (no caso, a derrota do ISIS)
preponderam acima do risco de alienar um importante aliado no Oriente Médio.A
autonomia perseguida por Erdogan criou
condições para que, diante de tais constrangimentos, seu país pudesse preservar
seus interesses em vez de ter uma conduta passiva. O custo disso, da
perspectiva estadunidense, é uma fragilização da aderência de Ancara ao arranjo
euro-atlântico. Em outras palavras, a Turquia se desprende da órbita de
Washington. Ainda que esse processo não signifique, de modo algum, uma ruptura
formal, com uma eventual saída da OTAN, por exemplo, ele representa uma mudança
substancial na postura da Turquia, tendo em vista a disposição de seus líderes
em confrontar seu aliado. Em termos concretos, constatam-se esforços para
balancear o comportamento norte-americano, que culminam no alinhamento
estratégico com a Rússia. Da perspectiva de Ancara, o ônus dessa postura
assertiva se manifesta nas tentativas de Washington de penalizá-la por aquilo
que pode ser considerado uma defecção. Observa-se, então, a mobilização de instrumentos coercitivos
para elevar os custos da transgressão. Nesse sentido, uma das primeiras medidas
implementadas se trata da expulsão dos turcos do programa de desenvolvimento
dos jatos F-35, em 2019. No ano seguinte, o Congresso norte-americano acionou o
dispositivo legal CAATS (Countering America’s Adversaries Through Sactions Act)
para impor sanções contra o governo turco pela compra do sistema S-400 da
Rússia.
Escolhas difíceis para BidenCom
o novo ocupante da Casa Branca, emerge o questionamento: é possível que as relações
melhorem, ou continuem em sua tendência de debilitação? Fica evidente que o
padrão de interação até aqui gera prejuízos para ambas as partes. Em um momento
em que a política internacional se define pelo retorno da competição entre as
grandes potências, a perda de um aliado de longa data não adiciona qualquer
incremento à posição dos Estados Unidos, em uma região tão vital a seus
interesses como o Oriente Médio.Na verdade, os decisores norte-americanos
deveriam evitar fissuras em sua rede de alianças. Do contrário, abrem flancos
que os adversários podem facilmente explorar para cooptar parceiros. Tampouco é
totalmente proveitoso para Ancara uma ruptura com a grande potência atlântica.
Embora a aproximação junto à Rússia tenha
resultado em ganhos táticos, principalmente, no contexto da Guerra da Síria, a
colaboração não está longe de ser vantajosa. Se, por um lado, Erdogan conseguiu
aliviar as pressões de Moscou, por outro, tornou-se ainda mais seu refém.Diante
desse cenário, há espaço para resetar as relações? Certamente sim, mas as
dificuldades abundam. É necessário boa vontade e concessões, o que torna esse
resultado pouco provável. Do lado turco, prevalecem ressentimento e suspeitas.
E com razão, pois não há nenhum sinal da administração Biden de ajustar sua
cooperação com os curdos para acomodar as demandas de Ancara. Além do mais,
ainda que assuma uma conduta pragmática, o viés normativo da política externa
de Biden – que dentre outras coisas, prioriza a agenda democrática – complica o
diálogo com Erdogan, dado seu autoritarismo e o desmantelamento das
instituições pluralistas na Turquia.À luz disso, as escolhas de Biden transitam
entre encapar a bandeira dos direitos humanos, mas arriscar um maior
alienamento das lideranças em Ancara, e/ou fazer vista grossa ao histórico
autoritário e buscar a reabilitação das relações bilaterais. Em um cenário em
que a segunda opção fosse selecionada, porém, seu êxito seria incerto, em face
das amarras impostas por decisões passadas de Erdogan. O reatamento das boas
relações com a Casa Branca poderia reverberar de forma negativa sob os vínculos
com a Rússia. Dificilmente o Kremlin não enxergaria nisso algum tipo de ameaça
a seus interesses e agiria para minar as posições turcas no Mar Negro, no
Cáucaso e no Oriente Médio. Em suma, o grande desafio para
ambos os lados é contornar os trade-offs envolvidos.
Independentemente disso, alcançar um modus vivendi em
que os interesses de ambos sejam servidos é imperioso.( Fonte A Referencia
Noticias Internacional)
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