Estudo mostra que exposição à violência resulta em perda de 64% do aprendizado esperado em língua portuguesa e matemática.
A pesquisa "Tiros no futuro: impactos da guerra às
drogas na rede municipal de educação do Rio de Janeiro" mostrou que 74%
das escolas da cidade vivenciaram pelo menos um tiroteio em seu entorno em
2019. Dados revelam que, entre elas, cinco unidades concentram 20 ou mais
operações policiais no período. O perfil dos alunos, em grande parte (77%), é
de negros nas escolas mais expostas à violência. A pesquisa inédita foi lançada
nesta segunda-feira (7) pelo CESeC (Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania), fundado em 2000 na Universidade Cândido Mendes. O centro desenvolve
estudos e outros projetos nas áreas de segurança pública, justiça e política de
drogas. Seu compromisso é a promoção dos direitos humanos e a luta contra o
racismo no sistema de Justiça Criminal. O estudo avaliou a relação entre
confrontos da polícia com grupos que controlam a venda de drogas em áreas
pobres da cidade, principalmente nas comunidades, e o impacto dessa política na
renda futura dos estudantes. Também analisou os efeitos da guerra às drogas nos
resultados escolares dos alunos do 5º ano do ensino fundamental da rede pública
da capital. Perdas Os
pesquisadores concluíram que estudantes de unidades instaladas em áreas violentas,
que registraram seis ou mais operações policiais, têm redução média de 7,2
pontos no desempenho em língua portuguesa e 9,2 em matemática. “Considerando o
ganho médio anual de proficiência, a exposição à violência resulta em perda de
64% do aprendizado esperado em língua portuguesa e em matemática”, informa o
estudo. Na comparação das médias de reprovação e de abandono das unidades de
ensino, a conclusão é que a exposição frequente a tiroteios, com a presença de
agentes de segurança, pode gerar aumento de 2,09% na taxa de reprovação e de
46,4% na probabilidade de pelo menos um aluno abandonar a escola. Efeito financeiro O déficit de
aprendizagem no 5º ano provocou perda financeira na vida produtiva dos
estudantes, segundo a pesquisa, de até R$ 24.698,00, valor correspondente a 48
cestas básicas, ou 377 botijões de gás, ou 13 anos de passagens de ônibus, duas
vezes por dia. “Esse jovem, ao concorrer a uma vaga no Sisu [Sistema de Seleção
Unificada], já está em desvantagem em relação a outros alunos também do ensino
público, pelo fato de ter a aprendizagem comprometida pela guerra às drogas
desde a infância. Essa diferença se perpetua na vida produtiva do cidadão,
reduzindo a oportunidade de geração de renda. Estamos falando da manutenção da
desigualdade e estagnação de mobilidade social como reflexos diretos da ação do
Estado”, comentou Julita Lemgruber, socióloga e coordenadora do CESeC. Projeto "Tiros no futuro" é a
segunda etapa do projeto "Drogas: quanto custa proibir", elaborado
com a intenção de acrescentar ao debate público reflexão sobre os impactos
econômicos e orçamentários da legislação proibicionista nas áreas específicas
de segurança e justiça, de educação, saúde e do território. A primeira fase foi
marcada pelo lançamento, em março de 2021, do relatório "Um tiro no pé:
impactos da proibição das drogas no orçamento do sistema de Justiça Criminal do
Rio de Janeiro e São Paulo". O trabalho teve custo de R$ 5,2 bilhões para
manter a política proibicionista em um ano nos dois estados. Convênio A pesquisa foi realizada a partir
de convênio com a SME (Secretaria Municipal de Educação) do Rio de Janeiro.
Foram avaliados dados das 1.577 unidades de ensino da rede pública carioca,
alcançando 641.534 alunos matriculados em 2019. O ano é referência para os
levantamentos apontados por anteceder a pandemia de Covid-19, que alterou a
dinâmica escolar. O fato de focar os estudos nos dados da capital fluminense é
decorrente do cenário único no país pela frequência de operações policiais,
tiroteios e disparos de armas de fogo no cotidiano de certos territórios, até
nos próximos às escolas. Rotina A
análise foi baseada em informações obtidas com a SME sobre operações policiais
que interferiram na rotina das escolas, como a suspensão das aulas ou o
fechamento da unidade. Também foram avaliados dados da plataforma Fogo Cruzado,
que registra ocorrências de tiroteios na região metropolitana do Rio. Com a
combinação, segundo os pesquisadores, foi possível georreferenciar e comparar
32 escolas com pelo menos seis operações policiais em 2019 e 37 que não tiveram
essas ocorrências naquele ano. “Foi considerada a similaridade entre os dois
grupos em: indicador de complexidade da gestão; perfil socioeconômico das
famílias; proporção de pais com alta escolaridade; proporção de alunos não
brancos; e proporção de educandos do sexo masculino. A única diferença entre os
grupos foi a exposição a eventos violentos, como as operações policiais”,
revelou o CESeC. Para os pesquisadores, a pesquisa "Tiros no futuro"
demonstra que o efeito da guerra às drogas na educação é apenas uma das faces
dessa política, que expõe determinado setor da população, de maioria negra e
pobre, a um cenário bélico cujos “únicos resultados têm sido desperdício de
dinheiro público, que poderia ser investido em políticas de promoção à vida”. Segundo
Julita Lemgruber, a consequência da guerra às drogas na vida de uma pessoa é
incalculável. Ela afirmou que o propósito do projeto é mostrar que, além do
custo orçamentário para o Estado, há o efeito na vida do cidadão. “Quanto sua
capacidade futura de geração de renda e sua mobilidade social podem ser
comprometidas como consequência dessa opção política racista e classista
operada pelo Estado. Esse prejuízo afeta o futuro do indivíduo e a sociedade
como um todo. E todos perdemos nessa guerra”, afirmou. Pandemia A diretora do Centro de Excelência e Inovação em
Políticas Educacionais, da Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas da Fundação Getulio Vargas, professora Claudia Costin, lembrou que,
além de vivenciarem tiroteios, esses alunos sofreram impactos no aprendizado
causados pela pandemia de Covid-19. “É terrível não só para a aprendizagem mas
para o bem-estar pessoal desses alunos e a possibilidade de um desenvolvimento
harmônico e equilibrado de crianças e jovens, por isso a escola tem papel tão
importante, principalmente nas crianças expostas a violência grande, inclusive
com o fechamento de escolas”, disse. A professora destacou que essas crianças
que moram e estudam em áreas de conflito não têm as mesmas condições para
acompanhar as aulas no sistema remoto que alunos da classe média. “Para quem
mora em comunidade, não é só a questão da violência, a casa é inapropriada para
o processo de aprender a distância. Essas crianças acabam ficando nas ruas,
expostas ao vírus e ainda à violência.” Ela citou ainda que durante a pandemia
aumentou também o recrutamento de crianças e jovens por traficantes e
milicianos. Claudia Costin, que foi ministra da Administração Federal e Reforma
do Estado entre 1985 e 1989 e secretária municipal de Educação do Rio no
período de