Fernando Gomes Barbosa Biólogo, Doutorando em Recursos Naturais do Cerrado – UEG.
O
Cerrado, 2º maior bioma brasileiro, abriga mais de 12.000 espécies de plantas.
Destas, inúmeras são utilizadas na medicina popular para tratamento e prevenção
de doenças. Da raiz ao fruto, vários são os exemplos que podemos citar de uso
das espécies do Cerrado como medicamento. Para dor de garganta? Uma semente de
Aroeira – Astronium urundeuva (M.Allemão) Engl. resolve. Para cicatrizar uma ferida?
Nada melhor que a casca de Barbatimão – Stryphnodendron adstringens (Mart.). Bronquite, problemas respiratórios? Só usar a
Embaúba – Cecropia pachystachya Trécul. Para aquela tosse que não passa? Um chá de
assa-peixe – Vernonanthura polyanthes (Sprengel) Vega & Dematteis. seria um bom remédio.
E de onde surgiu esse conhecimento em relação às plantas do Cerrado?. Primeiro,
é importante lembrar que os medicamentos nem sempre estiveram disponíveis para
a nossa sociedade. Com muita perspicácia e observação da natureza, nós humanos,
começamos a perceber quais eram as plantas que poderiam trazer benefícios e
curar doenças, bem como começaram a identificar quais traziam risco e poderiam
conter substâncias tóxicas. Esse conhecimento foi passado de geração em geração
e vêm sendo utilizado até os dias de hoje. A tradição de procurar um
raizeiro ou uma banca de ervas medicinais na feirinha do bairro ainda permanece
viva em muitas cidades do Brasil. Mas é seguro utilizarmos plantas medicinais
no tratamento de alguma doença? Para responder a essa pergunta, utilizamos a
Ciência como aliada. Muitas das pesquisas em desenvolvimento que utilizam
plantas do Cerrado, partiram de uma investigação por uso de uma planta por
determinada comunidade. Essa ciência chamada de etnobotânica, tem como objetivo
investigar quais são as plantas, quais as partes da planta são utilizadas, qual
a preparação e para que essa planta é indicada. Feito o
levantamento do uso das plantas medicinais, inicia-se uma nova etapa. A partir
de uma série de investigações e testes feitos em laboratório, a planta
medicinal pode vir a se tornar uma droga vegetal ou um medicamento fitoterápico
ou pode ser descartada como uso medicinal por conter substâncias nocivas ao
nosso organismo. Todo esse processo, muitas vezes surge do uso medicinal de
determinada planta. Aquela receita valiosa de vó do chá milagroso que cura
gripe ou da folha amarga que melhora o estômago podem ser a chave para o
desenvolvimento de novos produtos. Assim como o conhecimento popular sobre o
uso de plantas medicinais do Cerrado têm se perdido, também estamos perdendo o
Cerrado e sua rica biodiversidade vegetal. Em trabalho recente realizado no
município de Corumbá de Goiás (Milhomem e Lima, 2017), sobre a investigação de
pessoas que indicam a utilização de plantas medicinais, o número de “raizeiros”
presentes no município se resumiu a uma única pessoa. Em outro trabalho
realizado na Cidade de Goiás sobre o uso de plantas medicinais (Bezerra et al.,
2020), percebe-se que muitas plantas exóticas, trazidas para o Brasil, são
citadas pela população como parte da biodiversidade do Cerrado. Um exemplo é a
erva-cidreira (Melissa officinalis L.) e o hortelã
(Mentha piperita L.). As
duas são plantas não originárias do Brasil, mas que comumente são utilizadas
pela população no tratamento de enfermidades. Esse conhecimento tradicional tem
sido esquecido pela população, uma vez que as pessoas que dominam esse tipo de
conhecimento não estão conseguindo repassar essas informações para as futuras
gerações. As instituições de ensino superior e os centros de pesquisa
constantemente tentam resgatar esse conhecimento e usá-lo como estratégia para
conservação do Cerrado. O Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais do
Cerrado da Universidade Estadual de Goiás possui um grupo de pesquisa que busca
desenvolver bioprodutos com utilização alimentícia, cosmética ou farmacêutica a
partir de plantas do Cerrado. Se o Cerrado é tão valioso e um local de tantas
espécies com potencial farmacológico, por quais razões ainda continuamos a
desmatá-lo? É necessário abraçarmos o Cerrado como nossa casa e aproveitar
nosso vasto “quintal” como recurso vivo para a nossa saúde. Viva o Cerrado! Bezerra,
D. G., Arruda , N. A. de, Borges , P. P., Ferreira, R. B., D’Abadia , P. L.,
Neto , C. de M. e S., & Souza , M. M. O. de. (2020). Percepção sobre o uso
de plantas medicinais e impactos no Cerrado na região da Cidade de Goiás (GO).
Revista Brasileira De Educação Ambiental (RevBEA), 15(5), 391 408. https://doi.org/10.34024/revbea.2020.v15.10417
Milhomem, D. M.de S., Lima, J. M. de. Etnobotânica de plantas medicinais do
cerrado com uso terapêutico no município de Corumbá de Goiás. 2017.