Contratar cubanos como governo
anunciou é irregular, diz procurador
Brasil fez acordo com Opas, que repassará dinheiro ao governo cubano.
Para procurador do Ministério Público do Trabalho, contratação fere a lei.
O procurador do Ministério Público do Trabalho José de Lima Ramos Pereira, que também é presidente da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes das Relações do Trabalho, afirmou nesta sexta-feira (23) que a contratação de médicos cubanos para atuar em áreas carentes no país nos moldes como foi anunciada pelo governo é irregular e "fere a Constituição".
Na quarta-feira o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, havia assinado termo de cooperação com a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) para contratar coletivamente médicos de Cuba para atuar no Brasil. O acordo prevê, até o final do ano, a chegada de 4 mil médicos cubanos.
De acordo com o anúncio do ministério, o governo brasileiro pagará à Opas o valor equivalente à remuneração dos demais profissionais contratados pelo programa Mais Médicos (R$ 10 mil), e a organização repassará esse dinheiro para o governo cubano.
"A forma de contratar cubanos não se enquadra na Constituição Federal nem na legislação trabalhista. A CLT fala que o empregador é aquele que contrata, dirige e assalaria. Como é que você vai ter uma relação de trabalho instalada entre o profissional e o governo federal com mais duas intermediações [da Opas e do governo cubano]? ", afirmou o procurador José de Lima Ramos.
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Para ele, a contratação seria "uma tereceirização piorada".
"Dificulta até mesmo o próprio profissional. Amanhã ele tem acidente de trabalho, vai falar com quem? Cuba? Aqui no Brasil? E outra: vai pagar quanto [de salário]? Quarenta dólares? Cem dólares? Existe um piso aqui no Brasil", afirmou.
Para o procurador, a contratação de médicos de outras nacionalidades dentro do programa Mais Médicos também não segue a legislação brasileira.
"O governo federal tem que contratar por concurso público. Isso está na Constituição Federal. O primeiro obstáculo é esse. Algumas situações há em que você pode contratar sem concurso. A lei permite por tempo determinado contratação sem concurso, em caso de calamidade, emergência, saúde pública. Mas tem processo seletivo, ou seja, o candidato é submetido a um processo seletivo. Vamos imaginar, tem um miniconcurso".
Ramos Pereira disse ainda que, se as contratações de cubanos e de outras nacionalidades for feita da forma como o governo anunciou, o Ministério Público do Trabalho vai questionar o governo por meio de um inquérito.
"Por enquanto ainda não houve nada na prática. Então a gente vai ter que esperar que ocorra, dar início ao programa. Se for isso que ele [governo] está anunciando, a gente vai ter que tomar iniciativa de mostrar ao governo que isso está errado. O governo vai optar por resolver judicialmente ou administrativamente. Iniciado o programa com esse formato, esse formato não atende a legislação brasileira, fere a Constituição", concluiu.
Comissão especial
O deputado Rogério Carvalho (PT-SE), relator da medida provisória do programa Mais Médicos, que está em análise pelo Congresso Nacional, afirmou que o questionamento do Ministério Público do Trabalho em relação ao regime de contratação de profissionais do programa é válido e o tema pode ser levado para a discussão dos parlamentares.
Carvalho é o responsável pelo parecer que poderá alterar o Mais Médicos, caso o texto seja aprovado por deputados e senadores. Na próxima terça-feira (27), a comissão especial mista que discutirá a MP se reunirá para definir o cronograma de trabalho. O prazo para a aprovação do relatório pelo Congresso termina em novembro.
"Faltam médicos em centenas de cidades, faltam milhares de médicos. O governo lança um programa em parceria com a Opas, validado por órgãos de cooperação internacional, com seleção de profissionais com competência qualificada, para exercer profissão em áreas que tem necessidade. É importante o Ministério Público colocar essa questão para a gente trabalhar e encontrar mecanismos que impeçam ou diminuam a dificuldade dos gestores de maneira geral em situações como essa, que é emergencial e atípica. Não estamos falando de situação normal", afirmou o deputado.
'Semiescravidão'
Nesta quinta, o Conselho Federal de Medicina divulgou nota em que critica a contratação de médicos cubanos. Na argumentação do CFM, "médicos cubanos que participam de missões estrangeiras vivem sem direito a liberdades individuais, em regime análogo ao de semiescravidão".
“Tais regras ferem a legislação brasileira e não podemos concordar com tratamento desumano em nosso país”, afirmou na nota o presidente do CFM, Roberto d’Avila.
O CFM também criticou também o fato de os médicos estrangeiros que forem contratados não precisaram ter os diplomas revalidados para atuar no país. . “Quando é do interesse do governo, o governo faz coisas que contrariam a lei”, disse Emmanuel Fortes, vice-presidente do CFM, também na nota divulgada.(fonte G1)