Guerrilheiro na revolução da década de 1970, o político
venceu sua quarta eleição na semana passada, com sete opositores presos.
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, voltou aos holofotes
da imprensa mundial nas últimas semanas após uma série de polêmicas envolvendo
as eleições do país, que resultaram, no
último domingo (7), no quarto mandato consecutivo do governante à
frente da nação.Países como Cuba, Rússia e Venezuela parabenizaram a reeleição
de Ortega, enquanto Estados Unidos,
União Europeia e outras nações apontaram uma possível fraude no processo
eleitoral, no qual sete candidatos opositores foram presos nos últimos meses da
corrida presidencial. O analista internacional Gabriel Pimenta, em conversa com
o R7,
explicou que os interesses dos países em relação à Nicarágua, sejam eles
políticos, sociais ou econômicos, podem ditar de qual lado cada governo pode
ficar, a favor ou contra Ortega.“Esse tema envolve valores, mas sobretudo,
envolve interesses. Alguns países que hoje apoiam o governo Ortega, que não
viram problemas nesse processo eleitoral, eles não só têm um vínculo pessoal,
identitário, particular, partidário com Ortega. Eles têm alguns interesses
específicos naquilo que a Nicarágua pode fazer, especialmente no sistema
norte-americano.”Pimenta deu como exemplo a Rússia, que não tem um governo de
esquerda, mas entende que a proximidade geográfica da Nicarágua, situada na
América Central, pode exercer uma pressão migratória nos vizinhos
norte-americanos.“A Nicarágua, apesar dos problemas institucionais, ainda é um
país estável para a vizinhança. [...] Apesar de haver um certo êxodo das
pessoas saindo da Nicarágua, ainda não é tão grande como poderia ser. E caso
ele se intensifique, essas pessoas iriam para os Estados Unidos.” Ascenção
ao poder
Ortega
chegou ao poder pela primeira vez em 1979, quando o presidente Anastasio Somoza
Debayle, que liderou o país em duas oportunidades (1967-1972 e 1974-1979), foi
retirado do cargo durante a Revolução Sandinista.Antes disso, Ortega era um
conhecido guerrilheiro, preso repetidas vezes por crimes que incluem um assalto
à mão armada a uma filial de um banco norte-americano em solo nicaraguense. Ele
foi solto em 1974 junto com outros prisioneiros em troca da liberdade de rivais
políticos que haviam sido sequestrados por sandinistas.Apenas em 1984, cinco
anos após os sandinistas tomarem o poder e organizem uma junta governativa
apenas com aliados do próprio grupo político, Ortega foi eleito presidente do
país. Também na década de 1980,
a Revolução Sandinista torna o governo uma frente ampla
e aberta a outras vertentes da Nicarágua.“O termo sandinismo é usado para todos
os grupos que evocam a figura do Augusto Sandino, que foi um líder popular da
Nicarágua na década de 1930”,
explica Pimenta. “É um movimento político ligado à posse da terra pelos
trabalhadores da terra, principalmente. Ao contrário de outros movimentos de
esquerda que tem origem fabril, sindical urbana, o sandinismo está ligado a
esses grupos rurais”.A queda e o retorno de
Ortega Após
a Revolução Sandinista e o processo da construção de uma Constituição na década
de 1980, a
Nicarágua voltou a realizar eleições com uma maior frequência, que culminaram
na derrota de Ortega para Violeta Chamorro, em 1990. Segundo Pimenta, o processo
de transição entre governos foi tranquilo e não recebeu críticas da comunidade
internacional.Foi apenas em 2007, 16 anos após deixar o poder, que Ortega
voltou a vencer uma eleição presidencial. Para o especialista, tanto a derrota
quanto a vitória do guerrilheiro podem ser vistas como uma resposta micro de um
movimento amplo da política internacional.“Existe uma grande mudança que pode
explicar tanto a saída de Ortega no início da década de 1990 quanto o retorno
dele em 2006, que é o fim da Guerra Fria [...] com ideias de viés liberal e
capitalista [...] e “A Onda Rosa”, que foram as eleições de uma série de
governos que iam de uma centro-esquerda, bastante moderada, para uma esquerda
mais combativa.” Segundo Pimenta, o fim da Guerra Fria foi propício para uma
reorganização da economia, especialmente na abertura comercial e modernização
de regras que envolvem o mercado. Entretanto, a falta de mudanças sociais para
a população da Nicarágua fez com que um novo governo de esquerda assumisse o
país.O analista internacional destacou que as eleições de Luíz Inácio Lula da
Silva, no Brasil, Michelle Bachelet, no Chile, Néstor Kirchner, na Argentina, e
José Mujica, no Uruguai, são outros exemplos da guinada à esquerda na América
Latina no início do século.Enfraquecimento
da democracia na Nicarágua Eleito de maneira justa em 2006, os escândalos
nos pleitos que envolvem Ortega começaram em 2016, na corrida pela terceira
eleição presidencial consecutiva. Pimenta classificou o atual cenário político
da Nicarágua como uma democracia deteriorada.“Não houve uma revolução ou um
golpe. Todos os processos eleitorais foram mantidos no prazo previsto, mas
aquilo que a gente pode chamar de qualidade das instituições eleitorais foi
piorando substancialmente”, diz Pimenta.Segundo o analista internacional, os
órgãos fiscalizadores nicaraguenses foram comprometidos ao longo do tempo e a
relação da Justiça com a disputa eleitoral se estreitou, em um processo chamado
de politização de Justiça. Nas eleições deste ano, sete opositores foram presos
ao longo da corrida presidencial. “É interessante notar que essa deterioração
passa por um fenômeno que podemos ver em outros lugares, que é a criminalização
da competitividade eleitoral. Por exemplo, um governante está no poder, mas na
próxima eleição ele tem chance de ser derrotado, então as instituições do
judiciário encontram ou desenvolvem acusações criminais contra esse candidato
que tem competitividade.”Pimenta destaca que a judicialização da política é um
fenômeno que tem se tornado comum em países não só da América Latina, mas também
nas democracias instáveis da Europa.Eleições
de 2021 O
pleito deste ano, que causou grande debate internacional, além de mortes e
prisões de manifestantes na Nicarágua, não foi visto com bons olhos por
Pimenta, que apontou uma série de incoerências com o processo democrático.“Se
tivéssemos que avaliar de 0 a
100, sendo 0 completamente não democrático e 100 completamente democrático, eu
diria que estaria na faixa entre 30 e 40”, brinca Pimenta.Assim como na Venezuela, país no qual se estima que
mais de 250 pessoas foram presas por serem opositoras ao governo de Nicolás
Maduro, Ortega e o sistema judiciário nicaraguense
realizaram detenções de candidatos e manifestantes, erodindo o conceito de
liberdade democrática no país.. “Não só houve o encarceramento e acusação
criminal de alguns candidatos competitivos, como a relação entre governo Ortega
e observadores internacionais foi completamente atribulada, o que significa que
já havia o planejamento da alteração das eleições de alguma forma”.Ortega foi
reeleito, ao lado da esposa e vice-presidente Rosario Murillo, com mais de 75%
dos votos. De acordo com Pimenta, não há informações confiáveis se as eleições
transcorreram sem fraudes, já que os veículos nicaraguenses de notícias também
estariam comprometidos pela briga política no país.( Fonte R 7 Noticias
Internacional)