Maior luta do primeiro negro campeão de boxe
foi contra o racismo.
No Dia da Consciência Negra, campeão mundial Jack
Johnson simboliza luta pela identidade, em época de intenso racismo nos EUA no
início do século 20.
O debate sobre a consciência
negra, celebrada nesta sexta-feira (20), ganhou visibilidade hoje em dia. Mesmo
assim, muitos cidadãos negros ainda sofrem grandes dificuldades para se
inserir, diante de uma resistência muitas vezes velada, mas preconceituosa, de
setores da sociedade. Imagine, então, as dificuldades de um negro, poucos anos
após a abolição da escravidão nos Estados Unidos, em uma sociedade que em grande parte era opressora e abertamente racista. Com pouco estudo, mas muita
consciência, o filho de escravos Jack Johnson, nascido em Galveston (Indiana)
em 31 de março de 1878, desafiou os dogmas da intolerância de muitos americanos
ainda revoltados por perderem privilégios com a derrota da Guerra de Secessão
(1861-1865). Johnson lutou, literalmente, e, como boxeador, soube resistir às
pancadas daquela guerra aberta, muito mais fortes e dolorosas do que nos
ringues. "O racismo nos Estados Unidos é estrutural e permeia a fundação
da sociedade moderna, que, por um lado, privilegia a liberdade suprema por via
do desenvolvimento econômico e da democracia enquanto processo político, mas
ainda não conseguiu encarar a questão da democracia racial de forma mais
profunda", afirma Marília Carolina de Souza, professora de Relações
Internacionais da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), em São
Paulo. Na infância, após permanecer apenas cinco anos na escola, Johnson teve
de trabalhar como estivador, para sustento da família. Já praticado na
antiguidade, inclusive entre os sumérios (4500 a.c a 1900 a.c), o boxe era um
esporte comum durante a Grécia Antiga, mas, após um período de desaparecimento,
voltou no século 18, principalmente no Reino Unido, por causa da Revolução
Industrial. E da consequente urbanização. Dos colonizadores ingleses, o esporte
chegou aos Estados Unidos. No contexto de Johnson, o boxe era um instrumento de
demonstração de força e coragem, em um mundo com leis ainda instáveis, bem como
direitos e relações sociais.Desde jovem, Johnson se inseriu no esporte e,
obstinado, o transformou em profissão. E, além da busca da ascensão social, o
jovem alto e forte via no boxe (termo provavelmente originário do holandês,
boke, pancada) uma forma de firmar a própria identidade negra. Tornou-se,
assim, o símbolo de toda uma luta, encampada décadas depois por Muhammad Ali
(1942-2016), antes conhecido como Cassius Clay. "Tudo o que ocorria nos
ringues e ao redor de Jack Johnson tinha consequências nas ruas. A cada vitória
sua, e não foram poucas, havia protestos violentos de cunho racista. Por este
motivo, além de sua incrível capacidade de superação e de se manter com o
cinturão por um longo tempo, havia também a capacidade de saber, também para
além daquele momento histórico, que o ringue, naquela época, significava força
para as lutas que enfrentava fora dele", observa Marília. Sua primeira
luta de repercussão ocorreu em 1901, quando o pugilista, peso-pesado, perdeu
para o competente Joe Choynski que, apesar de não ter sido campeão mundial,
derrubou o futuro campeão, James Jackson Jeffries. Mas como o boxe era proibido
no Texas, onde aconteceu o combate, Johnson e Choynski foram presos. Na prisão,
Choinsky se tornou técnico de Johnson, percebendo que lhe faltava técnica,
apesar do grande pontecial. Ficaram amigos. Desafio pelo título Mesmo com o trabalho em conjunto com seu treinador, que era
branco, Johnson sofreu com o preconceito e não conseguia desafiar os campeões
mundiais, pelo fato deles se recusarem a lutar contra um negro. Ele insistiu,
em uma época em que era considerado um perigoso atrevimento tal tipo de
desafio. Depois de se tornar o "campeão mundial dos negros" vencendo
John Haines, Hank Griffin, Frank Childs e Denver Ed Martin, Johnson desafiou o
campeão mundial dos pesos-pesados, James Jeffries, que se negou a lutar contra
ele. Foram anos de tentativas, a última bem-sucedida, após ele seguir o campeão
mundial Tommy Burns, indo até o Reino Unido e depois para a Austrália, onde
finalmente se realizou o combate e Burns foi derrotado. Diz a lenda que Burns
só aceitou participar do combate contra o pugilista afro-americano por causa do
cachê de 30 mil dólares. Na iminência de Burns ser nocauteado, a organização
interrompeu a luta no 14º assalto, inclusive com intervenção policial, mas não
havia como tirar o título de Johnson, o novo campeão mundial dos pesados, e o
primeiro negro a conquistar o título. A partir de então, houve uma obsessão
entre os brancos em reconquistar o cinturão, no que se chamou de "A Grande
Esperança Branca", expondo o intenso conflito racial da época. E assim,
Philadelphia Jack O'Brien, Tony Ross, Al Kaufman e até mesmo o campeão mundial
dos pesos-médios, Stanley Ketchel, que se dispôs a vencer Johnson, foram
derrotados. Foi quando Jeffries decidiu sair da aposentadoria, aceitando lutar
contra o grande campeão negro, em combate que atraiu mais de 20 mil pessoas ao
ringue em Reno, Nevada, em 4 de julho de 1910, dia da comemoração da
Independência dos Estados Unidos. "Vou participar dessa luta apenas pelo
simples objetivo de provar que um homem branco é melhor do que um negro",
disse Jeffries. Segundo o Washington Post, o escritor Jack London conclamou
Jeffries a "remover aquele sorriso dourado do rosto de Jack Johnson".
Pela própria identidade Jeffries, que nunca havia caído em combate, foi
implacavelmente derrotado, tendo sido derrubado duas vezes, para o desgosto da
multidão, que pedia o encerramento antecipado da luta. O resultado incendiou o
país. Conflitos raciais, com barricadas e protestos nas ruas se espalharam por
mais de 50 cidades, deixando pelo menos 25 mortos. O negro havia mostrado que a
cor da pele jamais é motivo para tornar alguém pior, ou melhor. Johnson, alçado
ao estrelato, acumulou uma fortuna com o boxe. Usava dentes de ouro e se tornou
dono de boate. Excêntrico e apreciador de champanhe gostavam de passear com um
leopardo de estimação. No palco, não escondia seus dons artísticos. O Post
lembrou uma história em que, certa vez, ao ser parado por um guarda por excesso
de velocidade, Johnson deu uma nota de 100 dólares, para pagar a multa de 50.
Alertado pelo policial, ele respondeu que pretendia acelerar acima do limite
também na volta. Nem a fama, porém, o livrou das perseguições. Ele nunca abriu
mão de sua identidade. Chegou a ficar um ano preso, por ter se apaixonado por
Lucille Cameron, uma moça branca de 18 anos. Lucille foi uma de suas três
esposas, entre 1912 e 1924. Johnson foi detido algumas vezes, uma delas por
transportá-la e atravessar outro estado. A mãe dela, F. Cameron-Falconet, o
denunciou por sequestro à polícia de Chicago. "A busca pela 'esperança
branca' não teve sucesso, preconceitos foram se acumulando contra mim, e certas
pessoas injustas, ressentidas porque eu era campeão, decidiram que, se não
podiam me pegar de um jeito, pegariam de outro", desabafou Johnson na
ocasião. Ele morreu em 10 de junho de 1946, na cidade de Raleigh (Carolina do
Norte), aos 68 anos. Lutou até os 60, após ter perdido o título para Jess
Willard, em 1915, no 26º assalto (numa luta de 47 assaltos). Para Marília, o
legado de Johnson está aí presente, em movimentos como o "Black Lives
Matter", que emergiram após recentes incidentes, como o da morte do
cidadão negro George Floyd, asfixiado por um policial branco, em 25 de maio
último, em Mineápolis. "Se hoje, a luta racial ainda está presente no dia
a dia norte-americano, imagine no início do século 20, quando todos os direitos
dos negros eram negados e Jack Jonhson sequer era considerado um legítimo
cidadão", diz. A professora completa.( Fonte R 7 Noticias Internacional)