ARTIGO: China-Taiwan, ‘dois Estados’ e o
‘alinhamento automático’ com Pequim
Embaixador analisa o histórico entre as duas nações desde a revolução
chinesa, em 1949, e o futuro da ilha independente
As relações entre a China e Taiwan são “entre dois Estados,
pelo menos uma relação especial entre dois Estados” — para a surpresa dos que
nos encontrávamos como observadores em Taipé, o “Presidente” Lee Teng-hui,
assim as definiu, pela primeira vez, em 9 de julho de 1999, durante entrevista
à radio alemã Deutche Welle. Agregou que Taiwan não necessitava declarar
independência, pois a “República da China” já era “um país independente” desde
sua fundação, em 1912. O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taiwan e autoridades
locais confirmaram, imediatamente, esta nova política taiwanesa para as relações com a
República Popular da China. Doravante, não haveria mais
referências a “um país”. O diálogo entre Pequim e Taipé, portanto, deveria ser
conduzido, a partir de então, entre entidades políticas soberanas e, não, entre
um Governo legítimo e uma província rebelde, conforme a China continuava a
insistir. Havia, então, um ano que exercia a direção do Escritório Comercial do
Brasil em Taipé. Procurei diversos interlocutores para entender melhor a
situação. Era possível antecipar que Pequim reagiria com firmeza diante
desta contestação de sua soberania sobre aquela “ilha rebelde” pelas
autoridades locais. A impressão que pude recolher entre observadores internacionais,
naquele momento, era a de que a China estaria certa de reagir com firmeza, em
virtude de razões variadas, como a do “século de humilhações” a que havia sido
submetida pelo Ocidente e Japão e a vitória incontestável na Guerra Civil do
Partido Comunista Chinês contra o Kuomintang, em 1949. Não parecia haver
dúvidas, então, a respeito do apoio externo à reivindicação chinesa de sua
autoridade política sobre Taiwan. Decorridos vinte e um anos desde aquele
pronunciamento de Lee Teng-hui, é mais uma vez tensa a situação através do
Estreito. A margem taiwanesa, no entanto, parece contar, agora, com maior
solidariedade internacional. Isto é, diante de crescentes ameaças chinesas de
que movimento independentista na ilha seria sufocado pela RPC, militarmente,
Estados Unidos, Índia, Japão, Austrália e alguns países vizinhos no Sudeste
Asiático indicam que se oporiam à reivindicação da China sobre Formosa,
caso os chineses apelassem à utilização de meios bélicos. De certa maneira, não
haveria mais um “alinhamento automático” com a reivindicação de Pequim quanto a
sua soberania sobre Taiwan. Em 1999, pude verificar que os chineses reagiram
com contundência ao pronunciamento da maior autoridade taiwanesa. Ao exigir o
retorno à política de “uma China”, Pequim declarava que Lee tinha dado “um
passo extremamente perigoso” em direção à divisão da China e o avisou de que
“estava brincando com fogo”. Os chineses reiteraram, também, que não haviam
renunciado ao emprego da força militar, caso a ilha seguisse o caminho
independentista. Segundo o jornal “South China Morning Post”, de Hong Kong, em
14 de julho daquele ano, citando dirigentes em Pequim, “Lee tinha levado a
população de Taiwan e seus patrocinadores
estrangeiros em direção da própria destruição com sua aventura
separatista e suicida”. Até então, autoridades chinesas costumavam referir-se a
Lee como “o traidor do milênio”. Após sua polêmica declaração, lhe deram um
“upgrading” para: “bebê defeituoso de proveta, gerado nos laboratórios
anti-China”. Houve amplas especulações sobre a possibilidade de uma pronta
reação armada. Exercícios militares chineses — aparentemente já programados —
foram noticiados como preparativos para uma invasão. Editorias de jornais na
RPC criticavam a teoria dos “dois Estados”. Afirmava-se que a China não
hesitaria em atacar, mesmo diante do compromisso dos EUA de defender Taiwan
contra tais ameaças (referi-me aos acordos entre Washington e Taipé em publicação anterior de
Mundorama). Naquele momento de tensão, contudo, a reação
norte-americana, através do porta-voz do Departamento de Estado, foi apenas a
reiteração da conhecida posição de Washington, com respeito aos “três nãos”, a
saber: não à independência de Taiwan; não a “duas Chinas”; e não à participação
formosina de organizações internacionais reservadas a Estados. Da mesma forma,
o Japão comprometeu-se a manter a mesma política de adesão ao princípio de “uma
China”. Outros países asiáticos manifestaram-se contrários à iniciativa de Lee,
de proclamar a existência de “duas Chinas”. Em certa medida, a nova moldura
apresentada pelo líder formosino traduzia, apenas, as ações desencadeadas pela
diplomacia da ilha, desde 1993, quando foram iniciados os esforços no sentido
do ingresso na ONU. Isto é, a Carta da organização exige a condição de Estado a
seus participantes. Os taiwaneses, portanto, ao pleitearem seu acesso, vinham
defendendo a tese de que preenchiam as exigências requeridas, pois ocupavam um
território claramente definido, com uma população de 23 milhões de pessoas, com
um governo capaz de executar políticas domésticas e assumir e cumprir
compromissos internacionais. Dessa forma — segundo Taipé — haveria apenas
argumentos políticos e, não “legais”, para que os chineses se opusessem à
admissão de Taiwan na ONU (Organização das Nações Unidas). Sobre o assunto, os
defensores da iniciativa de Lee lembravam que houvera maior flexibilidade
enquanto, por exemplo, as duas Alemanhas ou os dois Yemens foram membros da
ONU. Duas Coreias continuam a integrá-la. Opositores da ideia persistiam na interpretação
de que, nos casos alemão e coreano, as diferenças, em termos de população e
território, são muito menores do que entre as “entidades políticas”, em cada
margem do estreito. Além disso, apesar de não se reconhecerem mutuamente, Seul
e Pyongyang não se opõem a que outros países — inclusive a China — reconheçam
dois Estados soberanos, um ao Norte e outro ao Sul. Nessa perspectiva,
representou nova cena de partida para a evolução de cenários futuros da questão
taiwanesa o fato de que, em 09 de julho de 1999, o líder formosino, durante
entrevista ao Deutsche Welle, em resposta a questão sobre o fato de que “Pequim
considera Taiwan como uma província rebelde”, afirmou que “as relações através
do estreito são especiais, entre Estados”. Mesmo que Lee tenha, poucos dias
depois, recuado da convicção com que formulara a afirmação citada no parágrafo
anterior — alegando ter sido “mal interpretado” pela imprensa — as relações
entre o continente e a ilha encontravam-se, doravante, em patamar distinto. No
dia 26 daquele mês e ano, o então “Presidente” de Taiwan alegava que, em sua
entrevista, havia colocado ênfase no fato da especificidade das relações
através do estreito, que seriam “entre Estados”. Não havia, no entanto,
formulado teoria alguma de “dois Estados”. As observações de Lee, quanto à
existência de um “relacionamento especial” entre a ilha e o continente,
passaram a ser justificadas com base na necessidade de “estabelecer a fundação
de uma paridade entre os dois lados do estreito, com vistas a elevar o nível do
diálogo e ajudar a construção de um mecanismo de cooperação conducente à
democracia e à paz”.( Fonte Noticias Internacional Referencia)
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