Essas emendas, sem necessidade de vinculação a projetos específicos, representam quase metade (47%) dos recursos transferidos a cidades com IDHM "baixo" ou "muito baixo".
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cidades menos desenvolvidas
receberam proporcionalmente mais emendas Pix, consideradas de baixa
transparência, do que cidades mais desenvolvidas, aponta levantamento feito
pela Folha de S.Paulo com os valores distribuídos por deputados e senadores a
cada município em 2023 e 2024. Esse tipo de emenda, que vai
diretamente a prefeituras, sem necessidade de vinculação a projetos
específicos, representa quase metade (47%) dos recursos transferidos a cidades
com IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) "baixo" ou
"muito baixo". Já no caso dos municípios com índice "alto"
ou "muito alto", essa proporção é de 32%. A análise considera as
emendas individuais destinadas pelos congressistas -sem contar os recursos de
bancada ou de comissão- que foram empenhadas nos últimos dois anos, de execução
obrigatória pelo governo Lula (PT). Em números absolutos, isso significa que
não é possível saber, pelo portal da transparência federal, onde foram usados
R$ 3,9 bilhões dos R$ 8,3 bilhões doados pelos parlamentares às cidades mais
pobres nesse período nem R$ 4,6 bilhões dos R$ 14,6 bilhões entregues às
cidades mais ricas. Marina Atoji, da ONG Transparência Brasil, afirma que
municípios menores ou com menos estrutura costumam buscar essa modalidade de
emenda porque ela tem liberação mais rápida. Os deputados, por sua vez, também
preferem enviá-las para mostrar resultados ao eleitor. "No caso da emenda
de transferência especial [Pix] é só o município dizer 'ciente', indicar a
conta e o banco, e o recurso vai entrar no caixa. Já a emenda com finalidade
definida tem que passar por aprovação do projeto, relatórios de execução, e
ainda pode ter impedimento técnico", diz. "Então os prefeitos de
cidades menores ou com menos estrutura falam: pelo amor de Deus, não me manda
emenda com finalidade definida, e muitos deputados já foram prefeitos",
afirma Atoji, lembrando que a lentidão foi uma das justificativas para a
criação das emendas Pix em 2019. "O problema é que os municípios não têm
transparência." O valor das emendas parlamentares em geral tem crescido de
forma substancial desde 2020. Elas se tornaram a principal ferramenta de poder
de deputados e senadores em suas bases eleitorais e são usadas como moeda de
troca em negociações entre Congresso e Executivo, tanto no governo de Jair
Bolsonaro (PL) como no de Lula. A influência das emendas Pix se ampliou
especialmente no último ano, com as eleições municipais. Mas, se por um lado
essa verba chega de forma mais ágil, por outro pode potencializar o
favorecimento de aliados políticos e abrir brecha para desvios de dinheiro. O
Ministério Público Federal, por exemplo, já abriu procedimentos para monitorar
recursos desse tipo enviados para ao menos 400 municípios e três governos
estaduais. A análise da Folha de S.Paulo cruzou as chamadas "notas de
empenho" das emendas -que detalham, por exemplo, se uma mesma doação foi
para mais de uma cidade- com o IDHM do Atlas Brasil, que leva em conta
longevidade, educação e renda. Apesar de ser de 2010, ele ainda é o índice mais
atualizado disponível a nível municipal. O levantamento aponta que 111 dos
5.565 municípios do país receberam 100% de suas emendas individuais na
modalidade Pix, sem vinculação prévia a projetos, ao longo dos últimos dois
anos. Desses, 41 têm um índice de desenvolvimento "baixo" (não há
cidades de IDHM "muito baixo" nessa situação). Os três deles que mais
se beneficiaram foram Afonso Cunha e Peritoró, no interior do Maranhão, e
Choró, no sertão do Ceará. O primeiro tem pouco mais de 6.000 habitantes e
empenhou R$ 14,8 milhões, o que representa R$ 2.400 por pessoa, valor 5 vezes
superior à média do país (R$ 438 por habitante). "O cálculo não é pela
população, e sim pelas melhorias ao município", diz o ex-prefeito
Arquimedes Bacelar (PDT), cuja família fundou a cidade. "Se eu recebo uma
emenda pela Caixa Econômica, vou enfrentar uma fila para análise e vou passar
dois anos para aprovar um projeto", argumenta ele, que elegeu seu aliado
Pedro Medeiros (PL). O ex-prefeito critica o que chama de politização do tema
das emendas e afirma que as transferências especiais ajudam muito os municípios
pequenos: "Poucas verbas e programas federais englobam cidades com menos
de 20 mil habitantes. Se não formos até Brasília atrás de recurso". Em
2022, a revista Piauí publicou que sua gestão inflou o número de consultas e
exames realizados pelo SUS em 2020 para poder receber mais verbas no ano
seguinte, o que fez a Justiça bloquear os repasses. Bacelar diz que foi um erro
de sistema, que uma auditoria constatou não ter havido desvio e que é um dos
defensores da maior fiscalização. A professora da FGV Graziella Testa,
especialista em estudos legislativos, opina que a forma como os órgãos de
controle se estruturou no Brasil teve um impacto negativo na realização de
políticas públicas, com gestores engessados e temerosos em gastar -uma tese
conhecida como "apagão das canetas". "Uma parte da explicação
[para a alta porcentagem de emendas Pix] pode ser esses gestores encontrando
uma forma de conseguir aplicar verbas em áreas onde antes não conseguiam. É
preciso fazer um estudo mais próximo para separar o joio do trigo: ver o que o
gestor aplicou e o que é desvio de recurso", diz. No final do ano passado,
após um embate com o STF (Supremo Tribunal Federal), o Congresso aprovou novas
regras para aumentar a transparência das emendas Pix, que não podem ser usadas
para despesas de pessoal, devem ter 70% aplicados em investimentos e são de
execução obrigatória pelo Planalto. Agora, os deputados e senadores autores das
emendas precisam informar previamente o objeto e o valor das transferências,
que devem ir preferencialmente para obras inacabadas. Elas também estão
sujeitas a avaliações do TCU (Tribunal de Contas da União). No início de 2024,
o órgão publicou uma norma determinando que os beneficiários desses recursos
insiram relatórios de gestão no site Transferegov.br, até julho do ano seguinte
ao recebimento. Segundo Atoji, da Transparência Brasil, isso pode ampliar a
transparência a partir deste ano, se for seguido. (Fonte Política ao Minuto Notícias)
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