Jaílma dos Santos, moradora de Garapuá, na Bahia, suspeita que casos
podem ter relação com limpeza do óleo nas praias, em 2019.
A presidente da Amaga (Associação
Moradores e Amigos de Garapuá), Jaílma Rafael dos Santos, conta que após dois anos do início
do pesadelo do óleo que invadiu praias de 11 estados do
país, sua comunidade, um pequeno distrito de Cairu (BA) com cerca de mil
habitantes, ainda sofre com aquele período.Estúdio R7: Óleo sem rastros: em busca de respostas
Não só pela lembrança, que deixou em pânico parte do grupo
reconhecido como quilombola em 2020, ou pelas dificuldades econômicas, afinal a
maior parte dos moradores vive da pesca e do turismo. Um dos efeitos mais
preocupantes está na saúde da população, que teve contato com as manchas de
petróleo em 2019. "Eu lembro bem do dia, umas 6 da tarde. Eu estava
em casa e senti um cheiro forte, insuportável, vindo do mar. Naquele dia chegou
a maior quantidade [do óleo] em Garapuá, diz Jaílma. Filha e irmã de
pescadores, ela lembra que em 22 de setembro de 2019 moradores notaram bolotas
escuras na água do mar. "Chegou de madrugada em Morro de São Paulo e de
manhã cedo bateu no coral aqui de Garapuá. As pessoas viram aquilo e ficaram
desesperadas, pensaram que podiam tirar com a mão mesmo para não atingir o
mangue e grudar na pedra onde ficam os corais", recorda. Com o tempo
e a vinda de mais petróleo, a prefeitura de Cairu e voluntários que decidiram
ajudar financeiramente a comunidade distribuíram EPIs (equipamentos de proteção
individual), além de baldes, sacos e caixas adequados para acondicionar o que
ia sendo retirado. "No começo, muita gente retirou sozinha, sem usar
equipamento nenhum, mas foram chegando mais e mais pelotas e precisamos de
ajuda."A presidente da associação conta que, em um único dia, duas
carretas saíram cheias do material tóxico.A desinformação foi um problema
constante, relata Jaílma. Quando a limpeza estava organizada em todo o
distrito, souberam pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) que pisar
no manguezal poderia empurrar o petróleo para baixo e ter o efeito adverso de
salvar o ecossistema. Jaílma afirma que muitos moradores apresentaram
reações alérgicas, mesmo os que usavam equipamentos de proteção. "O óleo
chapiscava na pele ou o balde acabava tocando na pessoa. Lembro que uma senhora
daqui ficou com a perna toda vermelha, bastante irritada. Alguns sentiram
enjoo, outros desmaiaram porque o odor era bem forte."Ela não sabe dizer
se alguém desenvolveu doenças por causa daquele período, mas tem suas
suspeitas. "Recentemente, tenho visto alguns casos de pessoas se tratando
de câncer na comunidade e me pergunto se tem a ver com o óleo",
comentou. "A gente não ouvia falar de pessoas com câncer e hoje já
são quatro ou cinco em Garapuá."Auxílios
e tecnologiaJaílma não é médica, mas conhece bem todas as pessoas do
local onde mora. Foi por defender as causas da comunidade desde 2006 que ela,
hoje com 36 anos, tornou-se presidente da Amaga, às voltas com o pedido de
autonomia em relação a Cairu, brigas por posse de terras e problemas
tecnológicos que não estavam nos planos.No drama das manchas de óleo, a briga da entidade, com 200
associados, foi obter o auxílio do governo federal de dois salários mínimos às
vítimas do incidente. Batalha que ela admite que foi perdida."Aqui, não
sei de ninguém que recebeu a ajuda prometida para as vítimas do vazamento."
Ela reclama que para receber esses valores da União foi estabelecida a
abrigatoriedade de o profissional apresentar um documento comprovando a
atividade, o RGP (Registro Geral da Atividade Pesqueira). E isso, diz,
inviabilizou a maioria dos pedidos."Desde 2012 o governo cancelou a
emissão do RGP. Vários pescadores mais velhos não tinham a documentação,
enquanto os jovens que já trabalhavam com a pesca não tiveram a chance de fazer
o registro."Os pescadores mal haviam se livrado das manchas de óleo e veio
a covid-19, parando de vez o país e desmontando qualquer chance de retomada do
turismo, atividade principal da região que vive basicamente da venda de
pescados, lambretas (moluscos) e polvos a Salvador e a outras cidades baianas.Garapuá,
aliás, proibiu a entrada de turistas em 2020 e a comunidade usava máscaras para
se proteger, garante Jaílma. "E isso tudo deu muita briga por aqui",
comenta."Nossa região sofreu muito, tivemos problemas alimentares sérios
de trabalhadores que não estavam conseguindo vender seus pescados e não tinham
dinheiro para nada."Jaílma recorda ter visto pescados e principalmente
polvos totalmente cobertos por placas escuras de óleo. "De início,
todo mundo ficou sem saber o que fazer. Ninguém queria comer por medo, mas
algumas pessoas os consumiram mesmo assim, pois não tinham alternativa."Mas
comer o peixe mesmo sob risco de contaminação resolvia só parte do problema,
afirma a moradora de Garapuá. "Comprar arroz e feijão nas vendas locais ou
em Cairu é muito caro, então, para ter um preço mais acessível, precisamos ir
até Valença [numa viagem que dura cerca de duas horas] e esse deslocamento tem
um custo que não conseguíamos pagar."O auxílio emergencial dado pelo
governo federal na pandemia ajudou, mas conseguir se cadastrar para recebê-lo
foi outra saga."O meio tecnológico para conseguir o benefício foi uma
burocracia grande demais para o pescador humilde, muitos não sabem usar nem o
WhatsApp, não têm Facebook, instagram, nada disso, imagine baixar o aplicativo
da Caixa Econômica para conseguir o auxíilio. Alguns nem celular tinham para isso."Foi
não só um grande transtorno, mas causou perdas também. "Teve gente que
acabou ficando sem o auxíio."Jaílma Rafael dos Santos diz que após tantas
provações a situação começa a se normalizar na região. "Graças a Deus não
tivemos nenhuma morte por covid e já há algum tempo estamos sem casos. Desde
fevereiro começaram a aparecer turistas e bem aos pouquinhos as coisas vão
voltando ao normal."( Fonte R 7 Noticias Internacional)