ARTIGO: A difícil construção de
uma diplomacia autônoma e consciente-parte 2
Diplomata brasileiro traça uma linha
histórica sobre a diplomacia brasileira e sua rigidez em objetivos políticos. Não houve, entretanto, e
contrariamente ao que alegam acadêmicos, nenhuma renovação do “alinhamento
automático” dos anos de “americanização do Brasil” no governo Dutra, título de
uma tese de doutorado defendida anos depois por um historiador orientado pelo
brasilianista Thomas Skidmore, Gerald K. Haines, que eu conheceria mais tarde
como historiador oficial da CIA (ao tentar obter, justamente, documentação
sobre a ação da “companhia” no golpe militar de 1964). O general Castelo Branco
soube resistir às pressões do embaixador Lincoln Gordon para que o Brasil
ajudasse as tropas dos EUA na sua infeliz nova “aventura” vietnamita (que
terminaria em tragédia dez anos depois). As fricções políticas e comerciais se
manifestaram quase imediatamente, ao ter o Brasil iniciado uma irresistível
ascensão econômica, com ênfase no slogan cunhado pelo ministro Delfim Netto:
“exportar é o que importa”. Em função da competividade de alguns produtos
exportados pelo Brasil — café solúvel, calçados, outros manufaturados leves –,
a reação americana se fez pelo lado do tradicional protecionismo disfarçado em
medidas antidumping e acusações de subsídios. O contencioso mais importante,
porém, foi aquele estabelecido em torno das medidas contra a proliferação
nuclear, em torno das quais estiveram de acordo as principais potências
nucleares da época — EUA, URSS e Reino Unido –, que procuraram impor o recente
tratado trilateral entrado em vigor em 1968 a todos os demais países. O Brasil
do regime militar tinha, como outros países que pretendiam um status mais
relevante na cena internacional (Argentina, Índia e outros), aspiração a um
programa nuclear que eventualmente levasse ao domínio completo do ciclo,
desembocando indisfarçavelmente em armas nessa vertente. A diplomacia adotou,
desde o início, uma inequívoca postura de recusa daquele tratado, classificado
como “iníquo e discriminatório”, posição mantida durante três décadas, até que
o presidente FHC decidisse pela adesão do Brasil ao TNP (no que foi muito
criticado por diplomatas e militares). O ainda diplomata, mas já em licença
para o exercício de atividades no setor privado, Roberto Campos, criticou
acerbamente e abertamente a postura do Itamaraty, e por isso consolidou, no
final dos anos 1960, sua imagem como “inimigo” da política externa oficial e
“submisso” aos desígnios americanos. O conflito mais relevante, contudo, que se
estendeu durante algumas décadas, foi aquele se estabeleceu novamente com a Argentina,
não exatamente em torno do acesso ao Rio da Prata, como no período pré e
pós-independência, ou no quadro da competição naval um século depois, mas
quanto à utilização dos recursos hídricos da Bacia do Prata. O acordo
Brasil-Paraguai para a construção de uma barragem binacional no rio Paraná,
quase na tríplice fronteira, deslanchou intensa barragem contrária por parte de
Buenos Aires, com acusações tão irresponsáveis, e ridículas, quanto a
“inundação” da capital argentina se o Brasil decidisse abrir as comportas. O
conflito — que apresentou ainda preocupantes aspectos de competição nuclear —
se estendeu durante vários anos, até que, em 1979, o chanceler Saraiva
Guerreiro logrou efetuar concessões para fechar um novo acordo tripartite,
reduzindo o número de geradores. Pode ter ocorrido, no caso das relações
bilaterais, reminiscência, por parte do Brasil, das difíceis relações com uma
Argentina que, em épocas passadas, era bem mais avançada do que o Brasil e, por
parte dela, certo despeito pela ascensão fulgurante do Brasil durante o regime
militar. As acomodações recíprocas só se efetivaram com o desenvolvimento da
integração, nos anos 1980 e 90, primeiro em escala bilateral, depois
quadrilateral. Ainda assim não ocorreu verdadeiro desarme comercial, de parte e
outra, para o estabelecimento do mercado comum almejado no Tratado de Assunção
(1991), uma vez que nenhum dos dois governos logrou vencer velhas resistências
protecionistas de seus principais setores econômicos respectivos. À diferença
do problemático itinerário guerreiro entre França e Alemanha,
finalmente superado com o início da integração europeia nos anos 1950, os dois
grandes parceiros do Cone Sul não conseguiram, até aqui, eliminar uma histórica
rigidez soberanista e uma baixa capacidade para introduzir reformas econômicas
para o acabamento da integração, fixada como objetivo político.(Fonte A
Referencia Noticias Internacional)