Haiti: entenda a crise política que o país está enfrentando.
Presidente
Moïse alega que seu mandato vai até 2022, enquanto Judiciário e Legislativo
afirmam que acaba neste ano.
O Haiti vive uma crise política
que vem ganhando novos contornos nas últimas semanas, quando o presidente
Jovenel Moises se recusou a deixar o poder no dia 7 de fevereiro. Moises alega
que o seu mandato deve terminar somente em fevereiro de 2022, afirmando que o
primeiro ano, dos cinco que devem ser cumpridos, teve o cargo ocupado por um
presidente interino. Ele usa como base o artigo 134-1 da Constituição haitiana,
que afirma que o tempo de mandato deve ser contado a partir do momento que o
político assume o cargo, que no seu caso foi em 2017. Contudo, a sociedade
civil e a oposição política afirmam que durante o mandato do presidente
interino, em 2016, os cinco anos de Moïse no poder já estavam sendo
contabilizados. Pois, de acordo com a emenda constitucional 134-2, de 2011, o
mandato de um presidente começa a valer após anunciado o resultado das
eleições, o que aconteceu em 2016. De acordo com Fernando Romero Wimer,
professor do curso de Relações Internacionais e Integração da UNILA
(Universidade Federal da Integração Latino-Americana), a crise política
haitiana pode ser explicada por dois planos.“O primeiro está relacionado a uma
situação atual, à continuidade, ou não, de Moïse no poder. E o outro se
relaciona a uma situação conjuntural, que tem a ver com acusações de golpes e
fraude eleitoral das eleições realizadas no final de 2016”, afirma Fernando
Romero.Manifestações e prisões No
dia 6 de fevereiro, o Conselho Superior do Poder Judiciário do Haiti confirmou
que o mandato de Moïse deveria acabar no dia 7 de fevereiro deste ano,
afirmando que a soberania da lei deve ser aplicada a todos os atores políticos,
inclusive ao presidente. No dia seguinte, manifestações lideradas pela
população, igrejas locais e organizações de direitos humanos tomaram conta das
ruas do país pedindo a renúncia de Moïse. Isso gerou uma onda de violência e de
repressão aos manifestantes liderada por militares que apoiam o atual
presidente. No mesmo dia, o presidente alegou que sofreu uma tentativa de golpe
de Estado e também de assassinato, e prendeu cerca de 20 pessoas sob a acusação
de complô. Entre os presos estava o juiz Yvickel Dabrésil, que faz parte da
Suprema Corte do Haiti, e está entre os representantes do poder Judiciário que
poderia assumir como presidente provisório caso Moïse deixe a presidência.Yvickel
foi liberado no dia 11 de fevereiro após muita pressão da sociedade civil e da
comunidade de juízes do Haiti. Porém, ele foi aposentado pelo presidente da
República, mesmo sem ter concluído seu mandato de 10 anos na Suprema Corte. No
último domingo (14), novos protestos foram realizados em Porto Príncipe,
capital do país, e novamente os manifestantes e jornalistas presentes para
cobrir as passeatas foram reprimidos pelas forças armadas comandadas por Moise.
“Há uma forte ameaça à liberdade de expressão e ao direito à informação no
país”, afirma Handerson Joseph, professor de antropologia da UFRGS
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Segundo Joseph, haitiano
naturalizado brasileiro, as mobilizações populares no país caribenho vêm
acontecendo há algum tempo.“Em 2019, ocorreram manifestações de grupos
políticos, sociais e religiosos haitianos. Eles lutaram contra diversos
fatores: corrupção, inflação de aproximadamente 20%, aumento desenfreado do
preço da gasolina e dos alimentos, desvalorização da moeda haitiana (gourdes)
em relação ao dólar americano e desvalorização do salário mínimo”, destaca
Joseph.O professor de Relações Internacionais da UNILA entende que a crise no
Haiti vai além dos impasses políticos. “Economicamente, o país é o mais pobre
da América Latina com queda do PIB de quase 4% em 2020. Socialmente, 14% da
população economicamente ativa está desempregada e a insuficiência alimentar
pune quase um terço dos 11 milhões de habitantes”, afirma.Diante destes
problemas e incertezas relacionadas à continuidade do poder, Moïse governa
através de decretos desde janeiro de 2020, uma vez que o parlamento foi
dissolvido por ele com o intuito de que não fossem realizadas eleições em
outubro do ano passado. O presidente também está engajado em fazer uma reforma
constitucional no país. Ele marcou um referendo para o dia 25 de abril para
realizar alterações na Carta Magna haitiana, com o objetivo de legalizar a
reeleição presidencial e convocar eleições para setembro deste ano. Interferência
Internacional Em comunicado divulgado no dia 9
de fevereiro, a OEA (Organização dos Estados Americanos), declarou apoio à
continuidade de Moïse no poder até fevereiro do ano que vem. "A
Secretaria-Geral da OEA renova seu apoio ao processo eleitoral como a única
opção consistente com a Carta Democrática para substituir o atual Presidente
constitucional em 7 de fevereiro de 2022", afirmou a entidade. Durante
entrevista coletiva realizada em 5 de fevereiro, o porta-voz do Departamento de
Estado dos EUA, Ned Price, também apoiou ao atual presidente haitiano.
"De acordo com a posição da OEA sobre a necessidade de prosseguir com a
transferência democrática do poder executivo, um novo presidente eleito deve
suceder ao Moïse quando seu mandato terminar em 7 de fevereiro de 2022".Joseph,
entretanto, questiona a interferência de órgãos internacionais na política do
Haiti. De acordo com o antropólogo, a opinião da população haitiana perde cada
vez mais força por conta da influência de autoridades estrangeiras no
país. "A sociedade civil e os poderes Judiciário e Legislativo
haitianos são deslegitimados por representantes da comunidade internacional na
medida em que as reivindicações da maioria popular, e também as lutas em prol
da democracia e dos direitos humanos, políticos e civis no país não são
respeitadas e promovidas na prática", destaca o professor da UNILA. "No
século XIX, foi nas páginas da história haitiana, escritas pelos negros, que
foram registrados os primeiros sentidos da democracia, da liberdade e dos
direitos humanos no mundo. No lugar dessa poderosa história, novas páginas têm
sido subscritas por meio do empobrecimento, de tensões, conflitos,
instabilidades e governos antidemocráticos", completa Handerson Joseph. (
Fonte R 7 Noticias Internacional)